Castelinho: um julgamento inconcluso Por Hélio Bicudo*,
para a revista Caros Amigos
Nos primeiros dias de maio de 2003, a polícia de São Paulo executou, no pedágio da rodovia que liga a Castelo Branco a Sorocaba, 12 pessoas que, supostamente, iriam assaltar um avião que aterrissaria no aeroporto daquela cidade, com avultada soma de dinheiro. Posteriormente, apurou-se que há anos não aportavam naquele aeroporto aviões com grandes somas.
Na ocasião fizeram-se os maiores elogios à atuação da polícia cujos órgãos de informação tinham tornado possível a sua intervenção para evitar um assalto. O então ministro da Defesa chegou a manifestar-se nesse sentido, associando-se ao que então se afirmava.
Contudo, um exame mais acurado dos fatos veio a demonstrar que a chamada “operação Castelinho” fora
uma das maiores farsas da polícia paulista.É que a polícia estava desprestigiada aos olhos da opinião pública: aumento da violência com seqüestros não resolvidos; fuga de presos que chegaram, em um dos casos, a se utilizar de um helicóptero para sair do pátio do presídio onde se encontravam; rebeliões nos presídios da capital e do interior.
Essa situação reclamava que se fizesse algo para – a exemplo do que já acontecera nos anos 60/80 do século passado, com a criação do “esquadrão da morte” – restabelecer o prestígio da polícia e a sua confiança por parte da população.
Um órgão que funcionava junto ao gabinete do Secretário da Segurança, que responde pela sigla de Gradi - Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância, tendo recrutado, com autorização (ilegal) dos juízes da Corregedoria dos Presídios, alguns detentos condenados por delitos graves, passou a armar, com a ajuda desses delinqüentes, um evento que denotasse a eficiência da polícia. Recrutaram 12 pessoas com o objetivo de realizar o aludido assalto.
Proporcionaram armas e a munição, estas sem efeitos letais, e, por fim, um ônibus que os conduzisse para o local do assalto.
Esses homens foram surpreendidos na praça daquele pedágio e sumariamente executados. Ato contínuo, tratou-se de limpar o local do crime, enviando as vítimas, já mortas, para a Santa Casa de Sorocaba, e alterando o conjunto do cenário em que os fatos se deram.
Os laudos do Instituto Médico Legal foram enviados a um dos maiores especialistas - o professor Nelson Massini – em exames médicos legais, que concluiu tratar-se de uma mera chacina: as vítimas foram atingidas, preferencialmente, no tórax e na cabeça por disparos de armas de fogo, alguns deles à queima-roupa. Os ferimentos constatados nos braços resultaram de gestos de defesa.
Com base nesses fatos, os professores Fábio Konder Comparato e Dalmo Dalari, os advogados José Carlos Dias, ele e Carlos Miguel Aydar, este presidente da secção paulista da OAB, representaram ao Tribunal de Justiça e ao procurador Geral da Justiça, para que instaurassem os inquéritos competentes para a apuração, de um lado, de fatos praticados por juízes corregedores e Secretário de Segurança e, de outro, dos policiais que participaram da execução. Estes últimos foram denunciados pelo Ministério Público e o processo corre pela comarca de Itú, onde o crime se consumou. Os primeiros foram submetidos a inquérito que teve o seu sigilo decretado pelo Órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado.
O processo de Itú, com mais de cinqüenta réus, prolongar-se-à por anos e só se esgotará depois dos recursos julgados pelos tribunais.
Quanto aos juizes e Secretário, o resultado já era esperado, em um procedimento sob sigilo, aliás, questionável, nos termos do disposto no artigo, 93, IX da Constituição Federal, que impõe a publicidade dos julgamentos. O órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou o arquivamento do inquérito por insuficiência de provas, com apenas um voto contrário. O inexplicável é que o Secretário incriminadosequer foi ouvido e o Ministério Público impedido de manifestar-se no plenário daquele órgão. O relator, entre outras jóias que podem ser lidas no voto vencedor, observou – isto está no noticiário dos jornais – que o fato de os juizes terem violado a lei se constitui numa atitude compreensível na luta contra o crime organizado. Quer dizer: pode-se cometer crime para combater crime!
Mas tal situação, que não pode ser assimilada pela sociedade civil, não é irreversível.
Prevendo que a solução seria tomada pelo Tribunal de Justiça, por ser órgão especial, a Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos já acionara a Comissão Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos, da OEA, alegando que não obstante não esgotados formalmente os recursos internos, (requisito para o ingresso da denúncia perante a comissão) tudo indicava, tendo em vista o grande número de antecedentes, que o resultado seria a impunidade, como realmente aconteceu. Em correspondência de dezembro do ano passado, a Comissão Interamericana informava que aceitava a denúncia e iria proceder de acordo com as disposições de seu Regimento.
Em conclusão: o lamentável episódio não terminou, pois devemos esperar que os fatos que não sensibilizaram o corporativismo da justiça paulista, encontrem seu reconhecimento, primeiro pela Comissão e depois pela Corte Interamericana, cujas decisões são de cumprimento obrigatório em nosso País.
* Presidente da Fundação Interamericana
de Defesa dos Direitos Humanos;
fonte:
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