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4. A dimensão politica e estratégica das Selvagens
As Ilhas Selvagens, pela sua localização, assumem particular importância no contexto político português. Por isso se realizaram as visitas ao arquipélago, do actual e anterior presidente da república, como forma de assinalar a soberania portuguesa.
Mas não é na dimensão que reside a importância deste conjunto de ilhas.
Não obstante o valor indiscutível das espécies animais e vegetais que povoam esta área, é o aumento da ZEE que mais interessa a Portugal, e é por isso que tem sido colocado tanta ênfase na sua salvaguarda e independência.
A ZEE portuguesa ficou definida com a Convenção das Nações Unidas sobre os direitos do Mar, assinada a 10 de Dezembro de 1982, em Montego Bay, na Jamaica, por 119 estados8. Contudo, esta convenção só entraria em vigor a 16 de Novembro de 1994. Foi um processo longo de negociação que se iniciou na década de 70, “…sponsored by the United Nations, this agreement seeks to rationalize claims to the sea’s resources and to establish an equilibrium between the potentials in marine research and technology possessed by the industrialized and developing nations, whether they be maritime powers or not” (Dupuy, 1983).
Esta Convenção estabelece dois princípios, o Mar Territorial e a ZEE. O Mar Territorial é um prolongamento da parte terrestre onde se podem exercer todos os atributos da soberania do Estado costeiro. Esta faixa tem uma largura de 22 224 km (12 milhas marítimas).
A ZEE é uma faixa que se inicia a partir da linha base de costa com 370 400 km (200 milhas marítimas). Foi fundada num equilíbrio delicado: “il s’agit d’une forme spéciale de juridiction étatique que si situe entre la souveraineté sur le mer territoriale et la liberté de la haute mer. D’une parte, l’Etat côtier y exerce des droits souverains en vue de l’exploration des ressources et utilités économiques (souveraineté fonctionnelle); d’autre parte, il s’oblige à respecter les droits reconnus aux autres Etats. Ces derniers consistent dans la liberté de navigation, de survol et d’installation de câbles et de pipelines sous-marins (…) et encore dans le droit d’accès, dans les conditions à définir par voie d’accord, aux excédents d’exploiter” (Gonçalves, 1997).
Em termos práticos, nesta faixa é permitido prospectar, explorar, conservar e gerir todos os recursos naturais vivos e não vivos, do fundo do mar, do seu subsolo, e das águas sobrejacentes. São ainda permitidas todas as outras actividades que tenham por fim o estudo e a exploração económica da zona, tais como a produção de energia a partir da água das correntes e do vento, tanto na plataforma continental como na ZEE. “The economic zone is nor a part of the territorial sea, and is not a part of the high seas either. This double-negative definition reflects the compromise on which the concept of Exclusive Economic is based” (Dupuy, 1983).
Para compreender melhor o xadrez político que envolve as ilhas Selvagens, deve-se ter em conta que esta Convenção estabelece dois conceitos, o de Estados mistos e insulares. A Estados mistos (como Portugal e Espanha) é apenas permitido traçar o Mar Territorial das 12 milhas marítimas em torno de cada ilha e não no arquipélago por inteiro.
Pretende-se evitar situações de enormes áreas de Mar Territorial. Porém a delimitação da ZEE já não implica esta salvaguarda. Apenas a estados insulares como as Filipinas é possível aplicar o conceito de Mar Territorial abrangendo o arquipélago por inteiro.
A Convenção dá ainda indicações sobre a forma de delimitar águas territoriais ou da ZEE. Assume-se o princípio da equidistância, em que as fronteiras são definidas a partir de uma linha mediana, seja em rios ou mares. Porém, há também o princípio da equidade, em que mediante acordo entre Estados é permitido alterar esta situação de forma a evitar fronteiras cegas e arbitrárias. Entre Portugal e Espanha não existe qualquer acordo, por isso a delimitação das águas territoriais e da ZEE é feita a partir do princípio da equidistância.
Desta forma, Portugal (com todos os seus arquipélagos) fica num lugar de destaque e de responsabilidade no “domínio” do Atlântico Nordeste. Portugal detém a mais extensa ZEE da União Europeia, ou seja, cerca de 1,6 milhões de km2, qualquer coisa como 18 vezes a área continental.
Assinalar a soberania portuguesa nas Selvagens é garantir a tutela sobre esta ZEE e pelas respectivas águas territoriais. O arquipélago é pequeno, mas permite um aumento significativo da ZEE portuguesa e assim acréscimo das possibilidades de exploração de recursos.
Quando falamos de recursos, podem ser marinhos ou não marinhos. Os primeiros estão relativamente conhecidos e são o tipo de recursos que há mais tempos se exploram.
Os não marinhos estão praticamente por conhecer. Podem ser energéticos ou minerais, mas em ambos os casos são apenas meras possibilidades. Contudo, estão conhecidas a existência de nódulos de menganês e fosfatos, assim como depósitos de sulfuretos, inertes, estanho, volfrâmio e hidrocarbonetos.
Acredita-se que o esgotamento de recursos em ambientes terrestres e a tendência crescente para a exploração dos mesmos, estimule o aparecimento de formas mais rentáveis de fazer a exploração em ambiente marinhos. E nesse cenário, Portugal com a sua extensa ZEE, consegue ser um grande fornecedor de matérias minerais ou energéticas, seja sob a forma de exploração nacional ou concessionada a estrangeiros que possuam tecnologia para o efeito.
A soberania sobre as Selvagens é uma também uma forma de salvaguardar os interesses do país. Além disso, é uma questão de princípio, pois caso hajam cedências neste aspecto, corre-se o risco de se abrirem precedentes e pôr em causa a integridade do território nacional.
Porém, sobre tão extensa área, é necessário haver meios de vigilância e segurança, e com eles, sistemas de financiamento. Portugal é um país pequeno, com poucas condições de vigilância marinha e com um défice que não nos permite “fantasiar” com melhores meios para alterar esta situação.
A nossa ZEE é atravessada pelas rotas com destino e origem para o norte da Europa. Estima-se, em média, que diariamente naveguem nos corredores marítimos portugueses cerca de 200 navios, 40 dos quais são petroleiros.
Se juntarmos a isto os cerca de 1,6 milhões de km2 da nossa ZEE, rapidamente surge a necessidade de ter um modelo de gestão eficaz. Portugal tem enormes responsabilidades ao nível da segurança, prevenção e combate à poluição marinha. “Les préoccupations des autorités portugaises se concentrent à présent sur la pollution causée soit par navires…” (Gonçalves, 1997). Estas responsabilidades implicam, inevitavelmente, custos que não têm sido suportados. E a verdade é que frequentemente se registam navios de pesca nas águas territoriais portuguesas ou petroleiros em lavagens de tanques.
No caso das Ilhas Selvagens, há óbvias necessidades de vigilância, pois há a indigência de marcar vincadamente a autoridade portuguesa dado que o arquipélago não é habitável (apesar de haver registos de uma ténue ocupação humana). Há apenas vigilantes e/ou biólogos que em equipas, e alternadamente, ocupam uma casa construída para prestar apoio a todos os que visitam o arquipélago.
A questão deste grupo insular e da sua soberania ganham destaque quando são conhecidas as pretensões espanholas e todo o tipo de estratagemas para reverter uma parte substancial da ZEE portuguesa para parte espanhola.
Por um lado, as ilhas em causa ficam mais próximas das Canárias, pelo que se entende que faria mais sentido que estas pertencessem também à parte espanhola. Pelo outro, dado que não é já possível reclamar soberania espanhola, a Espanha procurou alterar o estatuto das Selvagens para rochedos, em vez de ilhas. Os rochedos não têm ZEE pelo que a mediana da ZEE passaria a ser traçada entre as Canárias e a Madeira, ficando as Selvagens completamente dentro da ZEE espanhola (apenas as águas territoriais em torno de cada rochedo seriam portuguesas).
Em 1996, o Ministério dos Negócios Estrangeiros fez uma declaração em que se aludiu às ilhas Selvagens como rochedos, devido a uma forte pressão espanhola. Foi o Ministério da Defesa que inverteu esta situação e que evitou que a ratificação da Convenção sobre os direitos do mar mergulhasse as ilhas na posse espanhola. Neste aspecto, a constituição portuguesa e o estatuto político-administrativo da região Autónoma da Madeira, são bastante conclusivos.
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Em todo o caso, mesmo que a tese do rochedo fosse defendida pela Espanha, o nº 3 do artigo 121 da Convenção do Direito do Mar diz que "os rochedos que, por si próprios, não se prestam à habitação humana ou a vida económica não devem ter Zona Económica Exclusiva (...)". Porém, as Selvagens são habitadas permanentemente e têm uma casa que até paga contribuição autárquica na freguesia da Sé, no Funchal.
Quanto à vida económica, apesar de não existir, as ilhas prestam-se a isso como já se prestaram no passado. A este respeito, o perito do Conselho Europeu, Sr. Francis Roux, afirma que “defende que as Selvagens permaneçam com o estatuto de ilha em vez de serem classificadas como rochedos” (in Jornal Público 26/3/1997). A problemática surge quando as ilhas foram transformadas em reserva natural, estatuto este incompatível com a exploração dos seus recursos e, consequentemente, com a sua “habitação”.
É neste “xadrez” complicado que se encontram as ilhas Selvagens, daí a urgência de fazer uma monitorização permanente sobre este pequeno arquipélago. Vários episódios relatam a captura de diversas embarcações de pesca espanhola que desenvolviam a actividade piscatória ilegal na ZEE portuguesa.
Quadro 3 – Principais ocorrências nas ilhas Selvagens
Ano Evento
1911
Em Setembro, o governo português recebeu uma nota comunicando que o governo espanhol ia montar nas ilhas Selvagens um farol (...) e que deliberara incorporar as Selvagens no arquipélago das Canárias. A administração nacional protestou e foi acordado não praticar quaisquer actos que pudessem prejudicar a solução amigável da questão.
1938
Atestada a soberania portuguesa das ilhas pela Comissão Permanente de Direito Marítimo Internacional.
1971
Petroleiro “Cerno”, com bandeira norueguesa, desviou-se para ilegalmente lavar os seus tanques. Encalhou na Selvagem Pequena. Três meses depois o petroleiro “Morning Breeze” afunda-se próximo da Selvagem Grande.
1972
Apreensão de duas embarcações de pesca espanhola, “San Pedro de Abona” e “Áries”.
1973
Naufrágio do navio "Splendid Breeze".
1975
Aproveitando a turbulência politica em Portugal, espanhóis das Canárias desembarcam na Selvagem Grande e hasteiam bandeira espanhola.
1976
Apreendida, a embarcação espanhola “Ecce Homo Divino”. Naufrágio de um iate ("Demeter").
1978
Apresados, também por pesca ilegal, barcos de frota espanhola.
1981
Apreendida a embarcação de pesca “Marijean”, com 600 kg de peixe a bordo.
1996
Puma AS-330 da força aérea espanhola aterra na Selvagem Grande, cometendo assim uma dupla infracção, dado que violou o
espaço aéreo português, como também sobrevoou, a menos de 200 metros, uma Reserva Natural.
1997
Voos rasantes de aviões militares espanhóis implicam a chamada do embaixador Raul Morodo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.
2005
Um vigilante e um biólogo da reserva natural das ilhas Selvagens são ameaçados e perseguidos por pescadores furtivos espanhóis. Barco atuneiro “Mont Arballu”, com cerca de 2 toneladas de atum é capturado.
Há todo um conjunto de problemas que as ilhas portuguesas observam e para o qual Portugal tem feito muito pouco. Contudo, reconhece-se que a Marinha tem desenvolvido um trabalho muito positivo, porém os navios-patrulha estão obsoletos e foram construídos para navegar em rios e não no oceano. Além disto, têm uma operacionalidade constante pelo que o desgaste é ainda maior e pelo que há a óbvia necessidade de uma rápida substituição.
A própria Força Aérea não dispõe de meios de vigilância eficazes. A inexistência de um radar capaz de monitorizar o tráfego aéreo sobre as Selvagens, evidencia a carência na atribuição de verbas e na aposta num equipamento de vigilância de qualidade.
A precariedade da estrutura de segurança das ilhas foi posta à prova com os acontecimentos recentes de 8 de Junho de 2005. Responsáveis pela reserva natural das ilhas Selvagens foram ameaçados e perseguidos por pescadores furtivos espanhóis, aquando a advertência a estes de que a pesca era proibida naquele local. “No dia do incidente, após um pedido de auxílio dos vigilantes ameaçados, o navio patrulha "Schulz Xavier" zarpou de imediato da ilha de Porto Santo para as Selvagens, onde chegou 14 horas depois. Um aviocar da Força Aérea Portuguesa foi também mobilizado, mas uma avaria num dos motores frustrou a sua missão de socorro” (in Jornal Público 12/6/2005). Com este episódio recente, a marinha reforçou a sua presença, mas será pouco provável que este tipo de incidentes não se repitam
Seria também desejável mudar a forma como se gere a ZEE. As competências sobre este espaço estão dispersas por vários ministérios. É escassa e difícil a troca de informações, não só por falta de tecnologia, mas também pela inexistência de metodologias concertadas.
A verdade é que as ilhas Selvagens são muitas vezes desprezadas e esquecidas. É raro pensar nelas como parte do território português. Para além de fazerem parte do nosso imaginário colectivo, elas são ainda um importante, e raro local de riqueza biológica, tal como um ponto estratégico de enorme valor.
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