Não temos de ser pobres
Uma democracia liberal vibrante, que garanta liberdade, segurança, equidade e prosperidade, é a ambição coletiva de que não podemos nem devemos abdicar.
Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo
Nas próximas eleições legislativas, os temas centrais que me parecem relevantes, e que suponho para a maioria dos portugueses, são: prosperidade – preços, habitação, salários baixos; equidade – justiça, educação e saúde para todos, desigualdades sociais, imigração; segurança – ameaças internas e externas; e liberdade – crescimento da intolerância.
Os partidos que aspiram governar, e têm sido o garante da democracia, devem ser claros e objetivos nas suas propostas, sem demagogias ou evitando discutir problemas difíceis. Só com informação adequada os portugueses poderão tomar decisões conscientes para o seu futuro coletivo. O grande perigo para a democracia será uma estagnação que limite a ambição e alimente o desânimo. Desânimo esse que, persistente no tempo e generalizado, pode vir a tornar atraentes soluções simplistas.
Um plano de ação num contexto de incerteza internacional
O mundo está a caminhar para uma divisão em blocos multipolares, em vez de avançar para uma maior cooperação internacional. Potências emergentes e militares desafiam a ordem global estabelecida. A fragmentação do bloco ocidental é um risco crescente, especialmente o visível enfraquecimento da indispensável relação euro-atlântica.
Neste contexto, qual deverá ser a posição portuguesa? Portugal não só é um país Europeu, estrito senso, é também um país verdadeiramente Atlântico. Possui vantagens estratégicas únicas, como um vasto território marítimo, uma localização central nas rotas globais de matérias-primas, produtos e dados, conectados por importantes cabos submarinos, proximidade com África e fortes ligações culturais e económicas com o Atlântico.
Até 2050, África duplicará a sua população para mais de dois mil milhões de pessoas (um quinto da humanidade). O Oceano Atlântico une continentes que agregarão, num futuro próximo, cerca de metade da população mundial. Se há geografia económica interessante, pois no fim a economia são as pessoas, essa geografia é e será certamente o Atlântico.
No contexto internacional atual e na posição geográfica que ocupamos, que sendo vantajosa pode também carregar ameaças, urge mitigar riscos e multiplicar oportunidades.
Importará, consequentemente:
Solidificar e expandir a base económica de retaguarda
Manter e reforçar as relações económicas com os outros 26 países da União Europeia. Explorar parcerias e sinergias em setores estratégicos permitirá garantir uma base de retaguarda segura, podendo também acelerar a transformação da economia para um paradigma mais eficiente.
As necessidades urgentes de uma nova geometria económica e securitária internacional e os investimentos previstos poderão vir a reforçar as assimetrias tecnológicas, de inovação e produtividade dentro da União Europeia.
A probabilidade de se vir a verificar uma redução significativa nos fundos estruturais da UE é muito elevada. Outras necessidades que resultam da instabilidade global e do conflito na Europa competem pelos mesmos fundos.
Estamos perante uma fita de tempo acelerada com oportunidades escassas e tempo muito limitado para ação.
Só uma economia de conhecimento, ágil, inovadora, tecnológica, capaz de atrair e reter o talento e fortemente competitiva, evitará o perigo de se ver a deslizar para a carruagem de trás do desenvolvimento.
Complementarmente, maximizar a participação nas cadeias de valor internas e internacionais da UE, fortalecendo desse modo a posição da economia nacional nas parcerias comerciais e redes de negócios a nível global, será certamente importante.
Ganhar resiliência e alavancar o ‘soft power’
Diversificar mercados reduzindo o risco nas importações e exportações, operando em rede e com a escala adequada, permitirá uma maior resiliência económica. Explorar as vantagens geográficas do país, no centro das rotas Atlânticas, facilitará o desenvolvimento de um hub logístico por via do transporte marítimo, aéreo e ferroviário. O país terá todas as vantagens de se posicionar como um operador global, focando-se também em mercados emergentes e de forte crescimento, como: África, América Latina, Ásia e Médio Oriente.
Uma cultura inclusiva e uma presença histórica com influência em várias regiões, permitirão desenvolver o soft power português ao serviço da intermediação e da conquista de novos mercados. Promover a língua portuguesa, através da cultura, educação, formação e cooperação económica, permitirá posicioná-la como um ativo crítico, especialmente em África. Uma verdadeira diplomacia económica de suporte às empresas nacionais e com propósito poderá fazer a diferença e ajudará a internacionalizar a economia do país.
Apostar no Digital e na Inovação
Portugal deve apostar no digital enquanto multiplicador tecnológico e na inovação enquanto processo essencial e acelerador da nova economia.
A amarração, em Portugal, de inúmeros cabos submarinos que ligam as diferentes margens do Atlântico permite-nos um posicionamento vantajoso na nova indústria de dados, crítica para a economia do século XXI.
No digital, a Inteligência Artificial, a automação, a robotização, as tecnologias 3D de impressão, o big data, a smart grid, a IoT e a computação em nuvem e quântica serão muito relevantes para o futuro próximo. Estas tecnologias permitirão não só abrir novas áreas de negócios como aumentar a eficiência da produção e a personalização desta, com elevadas vantagens económicas. A realidade aumentada e virtual na medicina, educação, indústria e entretenimento permitirão também gerar produtos e serviços complexos, de elevado valor acrescentado, numa economia do conhecimento.
Apostar no Mar e na Defesa
Está ainda quase tudo por fazer na economia do mar, para um país que é essencialmente marítimo e que parece ainda não ter entendido a relevância da sua posição e as lições da sua longa história. Temos de passar da retórica aos atos.
Importará atrair investigação, investimento e desenvolvimento da economia azul no offshore português, em parceria com a UE, os EUA e a China. As energias renováveis, o transporte marítimo, as comunicações digitais, a robótica, a aquacultura oceânica e as plataformas multi-funcionais flutuantes serão muito provavelmente componentes fundamentais da futura economia azul. Importará também criar serviços avançados para o mar, incluindo observação remota, sensorização do oceano, automação, digitalização das atividades, gestão e processamento de dados.
Potenciar a economia de defesa como motor de inovação tecnológica e soberania estratégica permitirá um maior retorno do investimento. Integrar Portugal nas cadeias de abastecimento da futura indústria de defesa pan-europeia, em setores de elevado valor acrescentado e forte componente tecnológica, preferencialmente de duplo uso, contribuirá para esse retorno à economia. Expandir a indústria naval especializada, tirando partido da posição geográfica e das competências tecnológicas do país, será certamente interessante.
Otimizar o que Portugal já faz bem
Continuar a modernizar setores tradicionais, através da inovação, tecnologia e design, impulsionando a internacionalização, ajudará a otimizar a economia portuguesa. Diversificar o turismo, promovendo a mobilidade e acessibilidade ao interior, garantindo a sua continuidade ao longo do ano e reduzindo a sazonalidade, será uma aposta necessária. Investir na indústria química, farmacêutica e de novos materiais, transformando-as em modelos de elevado valor acrescentado e estratégico com a escala necessária, multiplicará resultados. Investir na saúde digital, telemedicina, biotecnologia e terapias genéticas como áreas de crescimento contribuirá não só para a modernização da economia mas também para serviços em áreas críticas para a população. Posicionar Portugal como referência mundial em negócios, inovação e talento aumentará a penetração internacional.
Estes serão alguns dos caminhos que podem contribuir para acrescentar eficiência e mais-valias à economia portuguesa:
Libertar a economia do atrito que limita o seu crescimento. A liberdade, os mercados, a tecnologia e a inovação são os verdadeiros motores da economia. No entanto, o Estado pode e deve criar as condições adequadas ao desenvolvimento desta, para que, nesse contexto, o famoso princípio da mão invisível da economia possa desempenhar o seu papel.
Apostar num quadro legislativo estável, reduzir as burocracias e agilizar a justiça contribuirá fortemente para uma economia mais competitiva. Facilitar e promover o investimento internacional que incorpore alta tecnologia e inovação permitirá remunerar melhor os trabalhadores e integrar numa posição mais vantajosa a economia mundial.
Estrangular financeiramente as pessoas ou as empresas para sustentar um Estado menos eficiente não será uma solução vencedora. A redução gradual e generalizada dos impostos, sem comprometer a defesa do Estado Social, que é um marco do progresso das sociedades europeias, poderá ser uma solução exigente mas necessária. O aumento da produtividade, uma reforma profunda da Administração Pública e atração de investimento nacional e internacional, com as políticas adequadas, dará certamente um contributo decisivo para esse fim.
Há um ciclo pernicioso para a economia que deve ser quebrado. As empresas não devem ser obrigadas a entrar no jogo das influências e proximidade do aparelho do Estado para sobreviver. Se queremos empresas de sucesso, temos de lhes proporcionar um ecossistema institucional fiável, justo, estável e livre dos pequenos poderes. Esses não só prejudicam a evolução económica como prolongam uma rede de influências nefastas para a democracia.
Uma cultura avessa ao risco e desconfiada dos empresários enfraquece a economia. Sem boas empresas e empreendedores dispostos a investir e assumir riscos, não haverá riqueza nem a base económica necessária para sustentar o Estado Social. Precisamos de mais empresários capazes e ousados.
Uma economia maioritariamente baseada em microempresas será menos competitiva internacionalmente. Agrupar, por via de fusões e/ou associações, será essencial para se atingir a escala necessária num mercado global supercompetitivo. Os impostos sobre as atividades económicas devem promover a agregação e as fusões, não o contrário. Embora a regulação contra a especulação seja necessária, e promotora do interesse coletivo, não pode ser um entrave à livre iniciativa nem um travão anticoncorrência para quem já está instalado no mercado. Nunca será de mais recordar que a liberdade e a inovação são os principais motores do desenvolvimento.
Uma Economia Centrada nas Pessoas e Sustentável
A democracia só se fortalecerá com uma economia de mercado dinâmica e uma política eficaz de combate às desigualdades. Se a economia são as pessoas, então a defesa da democracia dependerá de uma classe média economicamente forte, numérica e socialmente relevante.
É essencial construir um modelo económico centrado nas pessoas, promovendo a justiça social, a sustentabilidade ambiental e o bem-estar coletivo. Para isso, é necessário garantir oportunidades de empregos dignos, com condições de trabalho seguras e remunerações justas, bem como investir na educação, na formação especializada e na requalificação contínua, preparando a população para os desafios de um mercado de trabalho em constante transformação.
A capacitação das pessoas é a chave para uma economia mais equitativa e inovadora. A primeira Revolução Industrial ampliou a força física; a economia atual deve alavancar o conhecimento e a inteligência coletiva. Neste sentido, os temas mais prementes numa economia centrada nas pessoas e sustentável, no contexto atual, são:
Educação e formação
Fomentar uma cultura de exigência, orientada para o desenvolvimento do conhecimento individual e coletivo, da autonomia, do sentido de pertença à comunidade e de uma mentalidade de inovação e ambição, sem qualquer tipo de complexos. Apostar fortemente nas competências digitais e tecnológicas tornar-se-á crucial num mundo em rápida evolução. É fundamental compreender que os nossos jovens competem num mercado global: um ensino que não esteja alinhado com as necessidades atuais poderá ser limitativo do seu potencial.
No entanto, o sistema educativo tem de responder à diversidade humana de forma flexível e pragmática. Importará, assim, reforçar o ensino técnico com diferentes graus de especialização e formação, de modo a facilitar a entrada dos jovens na vida ativa, oferecendo uma alternativa às vias clássicas de formação mais prolongada.
O ensino, uma das ferramentas essenciais no combate às desigualdades sociais, não poderá ser um fator de estratificação ou exclusão como consequência das dificuldades económicas dos alunos e das suas famílias. Reforçar as bolsas de estudo para os estudantes mais necessitados é um imperativo ético e social, mas também uma boa medida para promover o talento existente.
Habitação
Um dos maiores desafios que afetam os jovens e vários setores da população, com impacto no bem-estar de toda a sociedade, é a habitação. A situação parece indiciar que só atuando fortemente do lado da oferta se poderá almejar algum sucesso. Sendo assim, a solução poderá passar por um forte investimento na construção de novas habitações, numa produção industrializada, modular, inovadora nos materiais, conceção e montagem, que contribua para aumentar disponibilidades e reduzir custos. Estas medidas, para produzirem os efeitos desejados, terão que estar associadas simultaneamente a um reordenamento territorial, a uma simplificação burocrática e a um enquadramento legal e financeiro adequados. Também deverá ser revitalizado o mercado do arrendamento através de um programa de recuperação de habitações, em parceria com os proprietários, num quadro legislativo favorável ao arrendamento e estável para gerar confiança suficiente dos investidores.
Só assim, aumentando fortemente a oferta disponível, se poderá eventualmente controlar e inverter o aumento insustentável dos preços. Nesta área o país deverá agir já e com sentido de urgência.
Promover o talento e a iniciativa jovens
Só com bons empregos, qualidade de vida, segurança e esperança conseguiremos atrair e reter talentos, especialmente jovens qualificados que hoje veem poucas oportunidades em Portugal. É essencial criar políticas públicas que incentivem start-ups, oferecendo apoio, aconselhamento, financiamento simplificado, capital de risco e incentivos fiscais, com uma avaliação justa e inovadora. Ao capacitar os jovens e fortalecer o seu sentido de pertença e empreendedorismo, estaremos a construir um futuro melhor para todos.
Valorizar as diásporas
Promover uma política de imigração alinhada com as necessidades do país poderá contribuir de forma positiva para resolver limitações que resultam do nosso inverno demográfico e evitar eventuais problemas. Outras culturas que nos enriqueçam deverão ser sempre bem-vindas, mas a tolerância não pode permitir a intolerância. A integração deve evitar a marginalização e a criação de guetos, regulando a imigração conforme a capacidade de acolhimento, alinhada com o interesse nacional. É essencial garantir uma integração estruturada e sustentada de longo prazo. Atividades de baixo valor económico que sobrevivam da exploração desumana da fragilidade dos imigrantes não só são eticamente reprováveis como reduzirão a prazo a produtividade nacional e serão fontes de instabilidade social e consequentemente política.
As migrações não deverão ser encaradas como um problema, muito menos reduzidas às questões de segurança. São sobretudo uma oportunidade e fazem parte da nossa matriz humanista.
As diásporas, nossas no estrangeiro e de outros países no território português, constituem uma oportunidade única de internacionalização da nossa cultura, soft power e economia.
Preservar o ambiente
Os dados alarmantes sobre o ambiente e o clima indiciam a necessidade urgente de se estabelecer políticas integradas e multi-setoriais que envolvam a economia e o ordenamento do território.
A aposta nas energias renováveis deverá ser reforçada com um impulso nas plataformas offshore (eólicas, correntes e energia das ondas), num modelo complementar, distribuído e adaptativo que garanta resiliência e escala, reduzindo a dependência externa assim como de fontes poluentes.
É essencial melhorar a gestão dos recursos hídricos e garantir a preservação da água, elemento crítico para a vida. Mitigar os efeitos das alterações climáticas obrigará a pensar na retenção da água em grande escala e de forma distribuída no território, com incidência na zona sul do país.
Promover uma economia e o reordenamento da floresta, sustentável e circular, será talvez o melhor antídoto para o flagelo cada vez mais frequente dos fogos de verão.
O tratamento de resíduos, através da reciclagem de materiais e da recuperação da energia neles contida, contribuirá igualmente para a redução das emissões e da fatura energética do país.
Estas medidas não são apenas um imperativo ambiental, mas também um contributo estratégico para reduzir a dependência energética do exterior, mitigar os impactos das variações climáticas e impulsionar o desenvolvimento tecnológico.
Em conclusão, a visão sobre o futuro de Portugal é de um Estado solidário que assegure justiça e coesão, com foco no empreendedorismo, tecnologia, inovação e bem-estar. Com estratégia, trabalho e ambição, podemos transformar Portugal e superar os desafios. Não temos de nos resignar a ser pobres, muito menos periféricos!
Creio que esta visão para o futuro de Portugal encontrará eco numa ampla maioria de portugueses e de portuguesas, que, em breve, serão outra vez chamados a escolher uma nova Assembleia da República e o futuro Governo, que, nos termos da Constituição da República, conduzirá a política geral do país, cabendo ao Presidente da República, no quadro das suas responsabilidades e poderes constitucionais, garantir o regular funcionamento das instituições democráticas.
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