Meus prezados:
100 ANOS DEPOIS
Os aviadores, convidados do rei
Um mês depois da declaração de guerra do Brasil à Alemanha, o rei britânico Jorge V recebeu o embaixador brasileiro Fontoura Xavier.
Nascido em Cachoeira do Sul, o jornalista e diplomata fora enviado ao Palácio de Buckingham com uma mensagem do presidente Wenceslau Braz.
Polidamente, o monarca acolheu “com prazer” a união dos brasileiros aos aliados, sugerindo que pilotos do país pudessem ser treinados para combater ao lado dos ingleses, assim como fariam os norte-americanos.
Após receber a comunicação de Fontoura Xavier, o governo divulgou à imprensa nacional o “convite” recebido do rei, que, apesar da pompa real, em nada influenciava nas questões militares britânicas.
Ao tomar conhecimento da oferta de Jorge V, o Foreign Office – Ministério das Relações Exteriores britânico – pediu ao ministro inglês no Rio que informasse o governo brasileiro sobre a impossibilidade de a Inglaterra receber aviadores do Brasil, em razão do excesso de pessoal, da falta de acomodações e até mesmo da carência de aeronaves.
O comunicado deixou o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Nilo Peçanha, em situação delicada.
Em poucos dias após o anúncio do “convite” oficial britânico, vários voluntários já haviam se apresentado, alguns até com passagens compradas para a Inglaterra.
Depois de dois meses de discussões e da pressão brasileira sobre os ingleses, alegando o mal-estar que poderia ser gerado entre a população do país, o Foreign Office finalmente anunciou, em 12 de janeiro de 1918, que aceitava receber 10 pilotos para treinamento na Real Air Force (RAF), força aérea britânica criada a partir das fusões das aviações da Marinha (Royal Navy Air Service) e do Exército (Royal Flying Corps), em abril de 1918.
Para não ter de dispensar nenhum voluntário, o Brasil enviou à Inglaterra 13 pilotos, 12 deles da Marinha e um do Exército, todos solteiros.
Aos Estados Unidos, foram mandados os pilotos casados – dois oficiais e dois suboficiais.
Para o público interno, ao contrário do que diziam os ingleses, o governo garantia que os aeronautas brasileiros iriam para lutar, e não apenas para treinar.
Durante os treinamentos, o tenente Eugênio Possolo, que ocultara o fato de ser casado para poder viajar à Europa, morreu em um acidente.
Além dele, a missão brasileira ainda perderia outros quatro aviadores – três deles, cortados, e um, acidentado.
O tenente Olavo Araújo ficou gravemente ferido, mas depois de voltar ao Brasil seguiu carreira na Marinha, atingindo o posto de almirante.
Após uma fase de treinamentos, os outros oito brasileiros tomaram parte do 16º Grupo da RAF, com sede em Plymouth.
Nos últimos dias da guerra, ao lado de oficiais ingleses, eles chegaram a executar missões sobre o Canal da Mancha.
Já os brasileiros enviados aos Estados Unidos atuaram em unidades de patrulha anti-submarina.
Fonte: jornal Zero Hora 29 jun 2014
WWI História: aviadores brasileiros convidados do Rei
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Re: WWI História: aviadores brasileiros convidados do Rei
A AVIAÇÃO MILITAR BRASILEIRA NA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
Valterian Braga Mendonça
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo apresentar um panorama da aviação militar brasileira à época da Primeira Guerra Mundial ressaltando a participação de pilotos nacionais em ações de patrulhamento no Mar do Norte, como membros da Royal Air Force. A pesquisa teve como marco inicial o ano de 1916, em plena Grande Guerra da Europa, quando a Marinha do Brasil criou a Escola de Aviação Naval na Ilha das Enxadas, na Baía da Guanabara (cidade do Rio de Janeiro). O quadro temporal se fecha logo após o término da guerra, em 1919, quando o Exército Brasileiro criou sua Escola de Aviação do Campo dos Afonsos (nos arredores da cidade do Rio de Janeiro).
A pesquisa, de natureza historiográfica, com delineamento bibliográfico e documental, pautado em consulta a fontes primárias e secundárias, ressalta particularidades pouco conhecidas das atividades do grupo de aviadores brasileiros em treinamento e operações na Europa, durante a Primeira Guerra Mundial, e destaca o impulso que este fato histórico trouxe ao desenvolvimento da aviação militar no Brasil.
O problema que se levanta é ponderar a assertiva de que, durante a Primeira Guerra Mundial, “(...) a participação brasileira, no que diz respeito à aviação, foi apenas uma ficção impressa nos documentos oficiais”.
INTRODUÇÃO
Nas primeiras décadas do século XX, o Brasil evidenciava fragilidade em todos os campos do poder nacional. Não havia a necessária coesão, unidade de pensamento e continuidade das políticas e das ações voltadas para a defesa nacional no seio de cada força singular (Marinha e Exército). As forças armadas, mal aparelhadas, de pequeno efetivo e gozando de pouco prestígio social, não podiam ser consideradas representantes da integração de um povo. Este, por sua vez, devido às imensas desigualdades sociais num país agro-exportador de dimensões continentais, tampouco apresentava sinais de coesão em torno de uma vontade nacional. Eram grandes as mazelas de nossa sociedade, predominantemente mestiça e rural, recém-saída de um sistema secular de trabalho escravo, num país de latifúndios, em que os grandes produtores de café dominavam a política nacional.
Com tal cenário pouco alvissareiro, o Brasil pretendia contribuir com as potências aliadas européias, envoltas na Primeira Guerra Mundial, com vistas a conquistar simpatias e posição de destaque na política internacional. A expectativa era de que, finda a guerra, teríamos assento nos fóruns de debates para definir o novo mapa do mundo e os destinos da humanidade. A respeito das pretensões das elites dirigentes de nosso país, profetizava Dunshee de Abranches: ”[...] uma vez firmada a paz na Europa, a desilusão será completa [...] para uma grande maioria dos brasileiros”.
A eclosão da Primeira Guerra Mundial encontrou as forças armadas brasileiras (Exército e Marinha) em avançado estágio de despreparo, degradação e obsolescência. Ao Exército faltavam instalações, armamentos, efetivos e uniformes, além de chefes dinâmicos. Na Marinha, era deficiente a qualificação técnico-profissional da marujada para operar o instrumental e a aparelhagem de bordo, bem como para a manutenção dos meios flutuantes recém-adquiridos, modernos e avançados tecnologicamente para a mão de obra disponível e para os arsenais existentes à época no Brasil.
O descontentamento dos militares não raro era expresso em sublevações. Para evitar a união dos militares insatisfeitos e o fortalecimento da classe, tida como ameaça às lideranças civis, não raro uma força singular era usada contra a outra. O Exército se equipava contra uma Marinha revoltosa e a Marinha se destinava a conter os arroubos de um Exército revolucionário.
A Grande Guerra tomou as páginas dos jornais, tornou-se tema de debate em todas as esferas da sociedade. Era a mais oportuna ocasião para estimular o estudo dos temas militares, promover sua discussão e propor soluções para os problemas que afetavam as forças armadas brasileiras. Intelectuais e militares que ocupavam cargos influentes e exerciam funções de assessoria junto às autoridades políticas e do corpo diplomático se solidarizaram nesse intenso movimento de revitalização das instituições militares nacionais.
Com a Guerra na Europa em andamento, o governo brasileiro passou a sofrer pressões diplomáticas e econômicas, notadamente por parte da Inglaterra e da França, para que se posicionasse favoravelmente à sua causa das potências aliadas. Teria sido prudente e esperado que fossem tomadas providências para a razoável preparação e prontificação de nossas forças de defesa. Mas não foi isto o que sucedeu. Denunciava Calógeras em seu relatório ao futuro Presidente Rodrigues Alves:
“Em entrevista não contestada declarou o Ministro da Marinha que, ‘dada a ordem de mobilização, em uma hora a Esquadra, pronta e com todos os sobressalentes precisos, poderia puxar fogos e sair barra a fora no desempenho de sua missão’. Há disso já oito meses e ela ainda permanecia, há poucos dias, em portos brasileiros, impossibilitada de se mover”.
O programa de revitalização da Armada Nacional proposto pelo almirante Júlio de Noronha e defendido na imprensa e no plenário da Câmara pelo jornalista e deputado Laurindo Pita, em 1906, previa uma Marinha balanceada, adequada à nossa realidade, com um arsenal a apoiá-la. As profundas alterações a este projeto, impetradas por iniciativa do ministro Alexandrino Faria de Alencar, nos legou, a partir de 1909, uma Marinha grandiosa na aparência, mas ineficiente em essência. Dizia-se estar nossa Marinha preparada para o combate no mar, quando a norma vigente era a da paralisia como condenação pela inatividade.
A situação do nosso Exército era também desoladora, apesar de louváveis iniciativas, como o empreendimento de renovação dos “jovens turcos” que, retornando de estágio junto ao Exército Alemão, priorizaram a instrução e o adestramento para a formação profissional e a qualificação técnica de seus subordinados e, para divulgação de suas idéias e ideais, lançaram a publicação A Defesa Nacional. Dizia Calógeras: “Há trinta anos está acéfalo o Ministério da Guerra”, ressalvadas as administrações de Floriano Peixoto, Mallet e Hermes da Fonseca. “Em uma fase que exige (...) trabalho orientado, uma atividade incansável, (...) e uma capacidade de organização excepcional, o horizonte alcançado mal abrange a rotina burocrática...”.
Sobre a atuação do governo, Calógeras acrescentava:
“O governo atual [...] assumiu a tremenda responsabilidade, em plena guerra, de preparar nosso Exército para intervir na batalha [...] Pois bem, tal compromisso faliu miseravelmente [...] De preparo profissional só se cogita em discursos vazios...”.
Embora nos fosse estranha a guerra em questão, pois travava-se em solo europeu por razões exógenas aos nossos interesses, logo nos veríamos envolvidos emocionalmente no conflito, abraçando platonicamente a causa de uns ou de outros dos beligerantes com discursos acalorados. “Em declarações clangorosas, ninguém nos excedeu. Mas nunca nos lembramos de agir...”.
O Brasil se negou a reconhecer a efetividade do bloqueio marítimo promovido pela Alemanha, a despeito do elevado número de afundamentos de navios mercantes que o desfiavam, e insistiu em navegar por áreas conflagradas para manter o fluxo comercial com as potências aliadas. Vindo a sofrer quatro naufrágios, supostamente devido a torpedeamento por submarinos alemães, o governo brasileiro proclamou reconhecer o estado de beligerância que o Império Alemão lhe impunha. Diante da entrada dos Estados Unidos da América na Primeira Guerra Mundial e do vislumbre de provável projeção internacional com participação ativa nos destinos políticos da humanidade (o Presidente norte-americano Woodrow Wilson idealizava a criação da Liga das Nações, precursora da Organização das Nações Unidas), o Brasil, a despeito de suas precárias condições, aderiu à causa aliada e decidiu participar ativamente do conflito declarando guerra ao Império Alemão em 26 de outubro de 1917.
Para evidenciar sua contribuição ao esforço de guerra aliado, o governo brasileiro adotou as seguintes iniciativas: forneceu, em grandes volumes e a preços reduzidos, gêneros de primeiras necessidades, notadamente alimentos e minérios; afretou à França os 30 melhores navios mercantes alemães, já recondicionados, dentre os 46 aqui apresados durante o conflito; enviou comissões de observadores para estudar o desenvolvimento da guerra européia e avaliar materiais e equipamentos militares a serem adquiridos pelo Brasil na Europa e nos Estados Unidos; enviou uma divisão naval para contribuir com a Marinha britânica no patrulhamento de trecho da costa ocidental africana entre as Ilhas de Cabo Verde, o Senegal e Gibraltar; enviou uma missão médica formada por 100 profissionais de saúde para prestar assistência ao povo francês; instalou, aparelhou e operacionalizou um hospital com 500 leitos, em Paris; adquiriu aeronaves e peças de reposição, contratou instrutores de voo e equipes de manutenção junto aos países aliados; enviou pilotos para treinamento e instrução de voo nos Estados Unidos, na Inglaterra, França e Itália; um grupo de dez oficiais foi enviado à Inglaterra para, incorporados à Royal Air Force, efetuarem treinamentos e operações de patrulha sobre o Canal da Mancha.
É sobre a contribuição militar do Brasil ao esforço aliado na Primeira Guerra Mundial, especialmente no tocante à aviação, que trataremos a seguir.
DESENVOLVIMENTO
Os meios militares e diplomáticos do Brasil, dos Estados Unidos, da Inglaterra e da França passaram a cogitar da idéia do envio de uma força expedicionária brasileira ao front, fruto do alarde da imprensa aliada, ao que tudo indica, num esforço de contrainteligência para disseminar boatos, tamanha era a fantasia de que se revestiam os dados apresentados a este respeito. O tema foi calorosamente debatido na Câmara dos Deputados. Nossos políticos não desperdiçavam oportunidade para exercícios de retórica. Houve bem elaborados e apaixonados discursos enaltecedores de nossas glórias militares, ainda que desprovidos de análise equilibrada e realista dos fatos.
O ministro brasileiro em Londres, Fontoura Xavier, alardeava nossa capacidade militar na imprensa internacional. Segundo ele, o Brasil, devido à sua amizade com os Estados Unidos, além de solucionar o problema da escassez de alimentos dos aliados, estaria pronto a contribuir com 500.000 combatentes para a luta na Europa. João Pandiá Calógeras calculava que, tomando por base uma população estimada em 25 milhões de pessoas, podíamos compor uma força expedicionária de 120.000 a 150.000 homens. Mesmo se tivéssemos tal capacidade administrativa para alistamento, não teríamos condições de transportar, aquartelar, uniformizar, alimentar, armar e treinar em médio ou longo prazo tamanho efetivo, que correspondia, à época, a dez vezes o tamanho do Exército Nacional.
Nosso adido militar em Paris, major Malan D’Angrogne, reportava que a entrada do Brasil na guerra foi recebida com indiferença na França porque se sabia que nossa contribuição, “sob o ponto de vista militar”, seria nula. O oposto, dizia ele, se dava quanto à expectativa de colaboração militar dos Estados Unidos. O coronel Tasso Fragoso, chefe da Casa Militar da Presidência da República, com base no quadro político que aqui se desenhava e com a situação econômica que se vivenciava, previa que o Brasil não enviaria um único soldado para combater em solo europeu. Equivocou-se por pouco. Alguns militares, a serviço do Brasil na Europa, estagiaram em unidades francesas durante a guerra e outros nacionais, influenciados pela propaganda aliadófila, voluntariaram-se para lutar na guerra.
O Exército Brasileiro enviou à Europa a Comissão de Estudos e Apurações da Guerra, em maio de 1918, sob chefia do general Napoleão Felipe Aché, para observar, acompanhar e analisar as evoluções que se processavam nos exércitos em luta com vistas a adaptar e adotar o que fosse aplicável ao caso brasileiro. Além de estudar as operações de guerra, a referida comissão, composta de 28 membros, avaliaria a possibilidade de aquisição do material necessário à modernização do Exército Brasileiro.
Quanto a estas comitivas, nosso adido na França se mostrava discordante em vista do pequeno benefício que traziam à instituição. Diria ele:
“As missões de lá (Brasil) para cá (Europa) poderão proporcionar algum aproveitamento individual; a coletividade ainda está por auferir vantagens e o balanço se resume em prejuízo de tempo e dinheiro, como escrevi faz um ano ao Marechal (Cordeiro de) Faria”.
Também reticente se mostrava o coronel Tasso Fragoso, quanto ao envio destas comissões: “Mandam ver as coisas, quando o de que carecemos é de órgãos de execução”.
A ânsia do Brasil em se fazer presente junto aos aliados na guerra fica evidente quando se observa o prazo surpreendentemente exíguo (dez dias, aí inclusos os festejos natalinos e o final de semana) em que se deu a definição da contribuição bélica brasileira no mar, a despeito das exigências das formalidades diplomáticas, do tempo necessário a uma avaliação criteriosa das disponibilidades dos meios, ao devido preparo técnico-profissional da tripulação dos navios, bem como das delongas nos demais estudos minuciosos e análises indispensáveis a uma decisão política tão relevante quanto à participação efetiva numa guerra.
A Divisão Naval em Operações de Guerra (DNOG), composta pelos cruzadores Rio Grande do Sul e Bahia, pelos contratorpedeiros Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba e Santa Catarina, pelo navio-oficina Belmonte e pelo navio-auxiliar Laurindo Pita, não estava preparada para a guerra. Navios novos, porém já obsoletos em razão do rápido e acentuado progresso científico e tecnológico da época, movidos a vapor produzido a partir de carvão importado da Inglaterra, desprovidos dos meios para o combate antissubmarino que iria praticar, sem o necessário treinamento e sem pessoal qualificado para a eficiente operacionalização e manutenção dos meios, faziam da DNOG um monumento ao estado de decrepitude de nossa Marinha. Na avaliação do historiador Francisco Luiz Teixeira Vinhosa, a despeito do notável esforço e do louvável trabalho de nossos homens do mar, a “... participação da DNOG na Primeira Guerra Mundial foi uma verdadeira catástrofe”.
Os navios da DNOG deixaram o porto do Rio de Janeiro em maio de 1918, à medida em que iam ficando prontos para navegar. Aportando em Salvador, Recife e Natal, onde fizeram reparos de ordem diversa, só deixaram as águas jurisdicionais brasileiras em agosto. Na noite de 25 daquele mês, véspera da chegada a Dakar, a DNOG teria sofrido um ataque de submarino alemão. Um marinheiro, “[...] que nunca avistara um submarino [...] descrevia, com perfeição, a respectiva torreta de comando”. O torpedo lançado pelo suposto submarino não atingiu o alvo, passando a uns 20 metros da popa do Belmonte. O cruzador Bahia, o rebocador Laurindo Pitta e o contratorpedeiro Rio Grande do Norte revidaram ao ataque. “Não houve certeza de sua destruição, por não se haver constatado vestígios denunciadores. Aliás, a escuridão da noite dificultava sobremaneira essa verificação [...]”, mas como o suposto submarino alemão (que a Marinha Inglesa advertira dias antes que poderia estar naquela área marítima) não mais foi visto, credita-se ao contratorpedeiro Rio Grande do Norte a façanha de seu afundamento. Chegando a Dakar, no Senegal, a tripulação da DNOG foi acometida pela “gripe espanhola”, que vitimou fatalmente quase um décimo das vidas humanas a bordo dos navios nacionais na região.
Recompletada a tripulação com pessoal vindo do Brasil, os navios da DNOG prestaram serviços de ajuda humanitária às populações caboverdianas. A 03 de novembro a DNOG seguia sua derrota. Dois de seus navios permaneceram em Dakar, avariados; o navio-auxiliar, agora tido como desnecessário, retornou ao Brasil; o navio-oficina passou a transportar trigo para a França. Dos oito navios iniciais, a DNOG contava agora apenas quatro.
No intervalo de uma semana de viagem, a DNOG protagonizou feitos inéditos: desferiu ataque a um cardume de golfinhos (o famoso “combate das toninhas”), confundido com submarinos alemães à plena luz do dia, navegando em águas tranquilas; disparou contra um navio aliado norte-americano, confundido com navio inimigo; atrasou em 24 horas o encontro com o navio inglês Britania que, enquanto esperava a chegada da DNOG, foi torpedeado por submarino alemão e soçobrou. Finalmente, a 10 de novembro (seis meses após sua partida), a DNOG, tendo sofrido cento e cinquenta e seis mortes, reduzida à metade de sua formação original, chegou se arrastando (nas palavras de seu comandante, o Almirante Pedro Max Fernando de Frontin) a Gibraltar. No dia seguinte (11 de novembro de 1918), foi assinado o armistício que poria fim à guerra.
Talvez o mais expressivo esforço diplomático do governo brasileiro, valendo-se da estrutura militar como instrumento de sua política de amealhar simpatias junto ao governo e ao povo franceses, tenha sido o envio da missão médica, como forma de expressar à França “nosso crescente devotamento ao seu martírio e à sua bravura”. A missão médica se compunha de cem médicos cirurgiões, além de um corpo de estudantes de Medicina e de praças do Exército para guarda do Hospital do Brasil, sob a chefia do Doutor Nabuco de Gouveia. O governo francês disse reconhecer o sentimento de solidariedade e o empenho pessoal do ministro Nilo Peçanha em não deixar de aproveitar todas as ocasiões para expressar suas simpatias à França ao enviar uma delegação de ordem caritativa, científica e militar.
Tomada a decisão governamental a 08 de julho de 1918, no mesmo dia o Ministro da Guerra, general Cardoso de Aguiar, escrevia ao adido militar do Brasil na França participando o projeto da missão médica e do Hospital do Brasil na França. Informava a constituição da missão médica, as patentes militares atribuídas a seus membros, a capacidade hospitalar prevista de 500 leitos, a guarda do hospital e outros serviços gerais confiados a praças do Exército. Tudo mantido “inteiramente à nossa custa”.
O major Malan D´Angrogne, mais tarde, criticaria a missão médica militar. Referindo-se a ela, disse: “A embaixada de ouro [...] Dez tenentes-coronéis médicos! Fartura, orgia de galões e gratificações [...]”. O chefe da missão foi comissionado coronel; os chefes de serviços, em número de dez, eram tenentes-coronéis ou majores; os chefes de enfermarias ou laboratórios receberam patentes de capitães; os adjuntos e auxiliares eram tenentes; os doutorandos de medicina foram comissionados como segundos-tenentes. Um sargento e trinta cabos e soldados faziam o serviço de guarda e segurança. Os demais membros compunham as equipes de porteiros, serventes, contínuos, copa e cozinha.
Já havendo na França o bem aparelhado Hospital Franco-Brasileiro, assistido por cinco médicos nacionais sob a direção do Dr. Paulo do Rio Branco, filho do Barão do Rio Branco, o envio de uma missão médica de tão grande porte num prazo tão exíguo, justamente sendo o Brasil tão carente de serviços de saúde, não encontra outra justificativa, salvo se para evidenciar o afã do governo brasileiro de querer aproveitar qualquer oportunidade para demonstrar colaboração aos aliados.
A missão médica partiu do Brasil a 18 de agosto daquele ano, a bordo do navio francês “La Plata”, chegando a Marselha a 24 de setembro. Passando por Dakar a 05 de setembro, o navio foi atingido pela gripe espanhola, tendo que desembarcar quatro mortos e dezesseis médicos doentes no porto de Oram, na Argélia. Estes médicos, depois de curados, rumaram para a França, onde foram incorporados às equipes de saúde que atuaram nas cidades de Nantes, Marselha e Tours.
Findo o conflito europeu, em 11 de novembro de 1918, o Ministro da Guerra pediu ao governo federal a extinção da missão médica, por se ter extinguido o fato que motivou sua criação: a guerra. Membros de nossa delegação à Conferência de Paz, em Paris, com enfoque político e diplomático, eram de opinião contrária: mantê-la em funcionamento era fator essencial para o favorecimento do pleito brasileiro nas negociações, quando ocasião em que imperava má vontade e recriminação ao Brasil por falta de colaboração no esforço de guerra aliado. A missão médica, no entanto, foi extinta em fevereiro de 1919, sendo todo o moderno material hospitalar gentilmente doado à Escola de Medicina da Universidade de Paris.
No tocante à aviação, o Ministério da Guerra, em parceria com a firma particular de aviação italiana “Gino, Buccelli & Cia”, já havia criado, em 1913, a Escola Brasileira de Aviação (EBA), no Campo dos Afonsos. Inaugurada em 1914, contando com 25 militares matriculados da Marinha e 35 militares do Exército, sob a orientação de instrutores estrangeiros, a EBA encerrou suas atividades alguns meses mais tarde. Os hangares, todo o material e as aeronaves ficaram para uso e aos cuidados do Aeroclube Brasileiro, entidade civil que também exercia ali atividades destinadas ao voo.
O Exército Brasileiro utilizou aeronaves em vôos de reconhecimento durante a Guerra do Contestado (1912-1916), mas o emprego deste meio por aqui era ainda amadorístico, tendo alguns militares feito cursos de pilotagem por iniciativa particular, às próprias custas. Nesta guerra, em razão das dificuldades que a geografia da região oferecia (inverno rigoroso, terreno acidentado, densas florestas, poucas e precárias estradas), devido à falta de montaria e da baixa confiabilidade nos guias disponíveis, criou-se um “serviço de exploração aérea”. Para este serviço foram designadas cinco aeronaves destinadas a missões de reconhecimento e de bombardeio. Deu-se aí, a 1º de maio de 1915, num voo de reconhecimento sob condições de nebulosidade e ventos fortes, o primeiro acidente aéreo fatal da história da aviação militar brasileira, no qual foi vítima o jovem tenente Ricardo Kirk.
Foram o impacto e a repercussão causados no Brasil pela Guerra da Europa (como era chamado inicialmente o fato histórico que hoje conhecemos como Primeira Guerra Mundial) que alertaram o governo e as autoridades militares para a importância da aviação como arma. Com o desenrolar do conflito na Europa, o governo brasileiro despertou para a necessidade de aparelhar o país com aviação militar.
Em 25 de agosto de 1916, a Marinha criou a Escola de Aviação Naval e a Flotilha de Aviões de Guerra na Ilha das Enxadas, na Baía da Guanabara, quando foram comprados três aviões Curtiss e contratados instrutores e mecânicos norte-americanos. No ano seguinte foram enviados três oficiais para curso de aviação nos Estados Unidos e outros cinco foram cursar na Inglaterra. Ainda em 1917, o Exército Brasileiro enviou três oficiais à França para aperfeiçoamento em voo e para avaliação dos diversos tipos de aeroplanos existentes.
Em janeiro de 1918 o Brasil intensificou sua participação na Primeira Grande Guerra ao enviar dez aviadores para treinamento em patrulha de combate e bombardeio, na Inglaterra. O envio de um grupo de aviadores brasileiros para a Inglaterra, ao que tudo indica, foi fruto mais de mal entendido pessoal, de precipitação política e de conveniência diplomática do que de real necessidade militar. Numa audiência que o ministro da Legação Brasileira em Londres, Fontoura Xavier, teve com o Rei Jorge V, da Inglaterra, para entrega de correspondência presidencial, falou-se sobre o tema do momento: a guerra e seus desdobramentos, a entrada dos Estados Unidos e sua produção de aeronaves, a possível contribuição do Brasil, a provável falta de aviadores e os cursos de preparação ministrados na Inglaterra. Fontoura Xavier reportou-se ao ministro das relações exteriores, Nilo Peçanha, que tratou o assunto com o Presidente da República, Venceslau Brás. Entendeu-se que a Inglaterra receberia de bom grado uma equipe de aviadores brasileiros. Enquanto o governo antecipou-se com os preparativos para a viagem, a imprensa nacional tratou de alardear o assunto.
O governo de Sua Majestade tentou desfazer o mal entendido, pois a falta de previsão para o acolhimento repentino de um grupo de alunos num curso de pilotagem causaria transtornos pela ausência de estrutura, de acomodações, de material e pela necessidade de reformulação curricular. Mas o problema cresceu de proporções junto à opinião pública e ao governo brasileiro. Avaliando a possibilidade de perda de prestígio e do desgaste da imagem do governo britânico em comparação com a ajuda material que o Brasil tinha a oferecer, a Inglaterra cedeu.
Assim como na guerra antissubmarino, também no tocante ao combate aéreo o Brasil não tinha nenhuma tradição ou doutrina. Decidida a ida de nossos militares para treinamento e combate na Inglaterra, para lá seguiram duas equipes de oficiais: a primeira, formada por quatro oficiais da Marinha e um do Exército, partiu a 08 de janeiro de 1918; o segundo, com mais cinco oficiais da Marinha, deixou o Brasil a 27 do mesmo mês.
A participação da nossa aviação na guerra compreendeu quatro fases: inicialmente, teve-se instrução básica de voo; seguiu-se treinamento em patrulha de curto alcance; depois, treinaram missões de bombardeio em patrulha; e, por fim, os aviadores foram integrados ao 10º Grupo de Operações em Guerra da Royal Air Force, em Plymouth.
Nossa aviação na Inglaterra veio a sofrer dois acidentes, sendo um fatal: no primeiro, ainda nas instruções iniciais, o primeiro-tenente Olavo Araújo, por sorte, sofreu apenas fratura em uma das pernas ao aterrissar a aeronave de dorso no vão de uma vala, ocasião em que o impacto das asas nas bordas da vala amorteceu o choque do aparelho contra o solo; no segundo, a repetição de um erro cometido durante o treinamento do dia anterior levou o segundo-tenente Eugênio Possolo a colidir com a aeronave pilotada por um inglês, ocasião em que ambos pereceram.
Em julho de 1918, a Marinha adquiriu aviões e equipamentos na Itália, quando alguns militares tiveram ali prática de aviação. Em setembro do mesmo ano, o Exército contratou uma equipe de nove técnicos franceses, um capitão e dois tenentes instrutores de aviação, além da aquisição de trinta aparelhos e de material de apoio de manutenção, abastecimento e reparo.
Ao final da guerra, esses pilotos retornaram ao Brasil e a Inglaterra nos enviou a conta a ser paga relativa aos custos de acomodação, instrução, treinamento, fornecimento de itens e danos causados ao patrimônio público britânico pelo uso do material aeronáutico. Outrossim, a 10 de julho de 1919, o Ministro da Guerra, general Alberto Cardoso de Aguiar, inaugurou a Escola de Aviação do Campo dos Afonsos.
A inconstância das decisões tomadas e a falta de coordenação entre os ministérios no tocante à aviação militar no Brasil nos levaram a dispor de aparelhos, peças, ferramentas, técnicas e doutrinas de diferentes procedências. Terminada a guerra, era necessário desfazer-se do excesso de material bélico produzido. Estados Unidos, Inglaterra, França e Itália disputaram o mercado de armas na América Latina, onde o Brasil era visto como centro de gravidade do sistema: a partir da conquista do mercado brasileiro, estaria assegurada a penetração comercial nos demais países da região.
É consenso generalizado que, diante do pouco expressivo poder militar brasileiro, a mais significativa contribuição que o Brasil pode prestar ao esforço de guerra foi de cunho comercial, fornecendo gêneros alimentícios, produtos minerais e cedendo aos aliados navios mercantes alemães apresados. Segundo autores norte-americanos, os países que aderiram à causa aliada após a entrada dos Estados Unidos na guerra o fizeram apenas por oportunismo. Autores europeus asseveram que “o Brasil só teoricamente tomou parte na guerra”. E mesmo muitos autores nacionais ignoram a participação do Brasil no referido conflito mundial.
Verdadeiramente, numa guerra industrial como esta, onde os números apresentados são alarmantes, o Brasil os exibe com acentuada inibição. O quadro abaixo mostra as quantidades de aeronaves que o Brasil possuía ao final da guerra, comparativamente a algumas potências beligerantes.
Ainda neste tocante, para dar apenas uma rápida visão panorâmica, ressalto alguns dados curiosos: enquanto o Brasil perdeu um piloto em acidente aéreo e teve outro ferido, a Alemanha perdeu 6840 pilotos abatidos e teve 7350 pilotos feridos. O Brasil, durante a guerra, teve em funcionamento uma escola de aviação e fundou outra logo após o conflito, formando algumas dezenas de aeronautas por ano, ao passo que os Estados Unidos, em idêntico período, fundaram 40 escolas de aviação e formaram 11400 pilotos. O Brasil enviou 10 pilotos para lutar na Inglaterra, ao passo que os Estados Unidos enviaram para a guerra 4300 pilotos, dos quais 1250 efetivamente combateram.
Em todo caso, a modesta contribuição militar brasileira deu-se em meio a grande esforço financeiro e humano. Cabe ressaltar que foi o envio de pilotos brasileiros para participar ativamente da Primeira Guerra Mundial que fincou de maneira definitiva as raízes para a consolidação e para o desenvolvimento da aviação militar no Brasil. A disponibilidade de instalações apropriadas no Campo dos Afonsos (segundo apreciação de Santos Dumont) e na Ilha das Enxadas, a aquisição de ferramental, de peças para manutenção e reparo e de aeronaves, a preparação dos recursos humanos e a contratação de instrutores e de técnicos estrangeiros, contando com a experiência de pilotos nacionais veteranos da Primeira Guerra Mundial, propiciaram as condições efetivas para que a aviação militar brasileira, finalmente, alçasse voo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Brasil, no alvorecer do século XX, era ainda um país de economia agro-exportadora onde seu principal produto era o café, de população em sua maioria mestiça, de sociedade predominantemente rural, recém-saída do secular modelo de trabalho escravo.
A situação das forças armadas nacionais à época da Primeira Guerra Mundial era desanimadora: escassez de recursos, obsolescência do material, desatualização doutrinária, desorganização estrutural, comodismo. Foram exceções, no Exército, as administrações de Floriano Peixoto, de Mallet e de Hermes da Fonseca. Merecem destaque as iniciativas dos jovens turcos e a criação da revista A Defesa Nacional. Na Marinha, o almirante Júlio de Noronha, apoiado pelo jornalista e deputado Laurindo Pita e pelo Barão do Rio Branco, aprovou projeto de modernização que, alterado pelo ministro Alexandrino Faria de Alencar, nos legou uma esquadra portentosa, cara e ineficiente.
Já havia ocorrido, no meio militar, infrutífera iniciativa com a criação da Escola Brasileira de Aviação, em 1913, de breve duração. Na Guerra do Contestado foram utilizados aviões pilotados por militares brevetados em cursos civis, feitos por iniciativa particular, às próprias custas. Mas foi o advento da Primeira Guerra Mundial que despertou o governo brasileiro de sua inação com relação à necessidade dos meios aéreos para suprir deficiências de nosso aparelho militar.
Exército e Marinha atentaram para a importância da aviação como arma de futuro promissor na guerra. A Marinha logo criou a Escola de Aviação Naval e a Flotilha de Aviões de Guerra, em 1916, com aparelhos, mecânicos e instrutores norte-americanos. Seguiram-se entendimentos e intercâmbio com fabricantes italianos. O Exército fez treinamento de pilotos na Inglaterra, mas comrpou aparelhos e contratou instrutores e mecânicos franceses, em 1919. Enviaram-se militares para cursos relacionados à aviação nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França e na Itália. Percebe-se quão errática era nossa política para a criação de uma aviação militar.
Eis que o governo brasileiro, pressionado diplomática e comercialmente pela Inglaterra e pela França, decide ingressar na Primeira Grande Guerra aliando-se aos Estados Unidos em apoio às potências da Tríplice Entente. Como colaboração no esforço de guerra aliado, o Brasil forneceu gêneros de primeira necessidade, adquiriu material aeronáutico e contratou equipes de instrutores e de mecânicos dos países aliados, afretou navios mercantes à França, enviou equipes de observadores para avaliar as operações de guerra e sugerir a aquisição de material bélico nos países aliados, forneceu uma divisão naval para atuar em auxílio à Marinha britânica no noroeste da África, enviou uma missão médica militar para a França, instalou e operacionalizou um hospital para 500 leitos em Paris e enviou uma equipe de dez militares para treinamento e combate junto à Royal Air Force, na Inglaterra.
A experiência deste grupo de pilotos e as avaliações da Comissão de Estudos e Apuração de Guerra ajudaram a Marinha a consolidar as bases de sua aviação naval e levaram o Exército a estabelecer os fundamentos para a instalação de sua Escola de Aviação do Campo dos Afonsos, cuja inauguração ocorreu a 10 de julho de 1919.
As negociações diplomáticas, o envio de pilotos, a aquisição de material aeronáutico, a contratação de equipes de técnicos, instrutores e mecânicos, o fornecimento de curso e treinamento, além do legado de experiência e dos conhecimento adquiridos possibilitaram o estabelecimento definitivo das bases para o desenvolvimento e para a consolidação da aviação militar no Brasil. O custeio pelo governo brasileiro de todos os gastos relativos a este empreendimento, notadamente o desprendimento de um grupo de jovens pilotos dedicados às ações de patrulha sobre o Canal da Mancha em plena Primeira Guerra Mundial, envolvendo acidentes e morte de militares em exercícios, não devem ser vistos, segundo nosso modesto entendimento, como “apenas uma ficção impressa em documentos oficiais”.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo apresentar um panorama da aviação militar brasileira à época da Primeira Guerra Mundial ressaltando a participação de pilotos nacionais em ações de patrulhamento no Mar do Norte, como membros da Royal Air Force. A pesquisa teve como marco inicial o ano de 1916, em plena Grande Guerra da Europa, quando a Marinha do Brasil criou a Escola de Aviação Naval na Ilha das Enxadas, na Baía da Guanabara (cidade do Rio de Janeiro). O quadro temporal se fecha logo após o término da guerra, em 1919, quando o Exército Brasileiro criou sua Escola de Aviação do Campo dos Afonsos (nos arredores da cidade do Rio de Janeiro).
A pesquisa, de natureza historiográfica, com delineamento bibliográfico e documental, pautado em consulta a fontes primárias e secundárias, ressalta particularidades pouco conhecidas das atividades do grupo de aviadores brasileiros em treinamento e operações na Europa, durante a Primeira Guerra Mundial, e destaca o impulso que este fato histórico trouxe ao desenvolvimento da aviação militar no Brasil.
O problema que se levanta é ponderar a assertiva de que, durante a Primeira Guerra Mundial, “(...) a participação brasileira, no que diz respeito à aviação, foi apenas uma ficção impressa nos documentos oficiais”.
INTRODUÇÃO
Nas primeiras décadas do século XX, o Brasil evidenciava fragilidade em todos os campos do poder nacional. Não havia a necessária coesão, unidade de pensamento e continuidade das políticas e das ações voltadas para a defesa nacional no seio de cada força singular (Marinha e Exército). As forças armadas, mal aparelhadas, de pequeno efetivo e gozando de pouco prestígio social, não podiam ser consideradas representantes da integração de um povo. Este, por sua vez, devido às imensas desigualdades sociais num país agro-exportador de dimensões continentais, tampouco apresentava sinais de coesão em torno de uma vontade nacional. Eram grandes as mazelas de nossa sociedade, predominantemente mestiça e rural, recém-saída de um sistema secular de trabalho escravo, num país de latifúndios, em que os grandes produtores de café dominavam a política nacional.
Com tal cenário pouco alvissareiro, o Brasil pretendia contribuir com as potências aliadas européias, envoltas na Primeira Guerra Mundial, com vistas a conquistar simpatias e posição de destaque na política internacional. A expectativa era de que, finda a guerra, teríamos assento nos fóruns de debates para definir o novo mapa do mundo e os destinos da humanidade. A respeito das pretensões das elites dirigentes de nosso país, profetizava Dunshee de Abranches: ”[...] uma vez firmada a paz na Europa, a desilusão será completa [...] para uma grande maioria dos brasileiros”.
A eclosão da Primeira Guerra Mundial encontrou as forças armadas brasileiras (Exército e Marinha) em avançado estágio de despreparo, degradação e obsolescência. Ao Exército faltavam instalações, armamentos, efetivos e uniformes, além de chefes dinâmicos. Na Marinha, era deficiente a qualificação técnico-profissional da marujada para operar o instrumental e a aparelhagem de bordo, bem como para a manutenção dos meios flutuantes recém-adquiridos, modernos e avançados tecnologicamente para a mão de obra disponível e para os arsenais existentes à época no Brasil.
O descontentamento dos militares não raro era expresso em sublevações. Para evitar a união dos militares insatisfeitos e o fortalecimento da classe, tida como ameaça às lideranças civis, não raro uma força singular era usada contra a outra. O Exército se equipava contra uma Marinha revoltosa e a Marinha se destinava a conter os arroubos de um Exército revolucionário.
A Grande Guerra tomou as páginas dos jornais, tornou-se tema de debate em todas as esferas da sociedade. Era a mais oportuna ocasião para estimular o estudo dos temas militares, promover sua discussão e propor soluções para os problemas que afetavam as forças armadas brasileiras. Intelectuais e militares que ocupavam cargos influentes e exerciam funções de assessoria junto às autoridades políticas e do corpo diplomático se solidarizaram nesse intenso movimento de revitalização das instituições militares nacionais.
Com a Guerra na Europa em andamento, o governo brasileiro passou a sofrer pressões diplomáticas e econômicas, notadamente por parte da Inglaterra e da França, para que se posicionasse favoravelmente à sua causa das potências aliadas. Teria sido prudente e esperado que fossem tomadas providências para a razoável preparação e prontificação de nossas forças de defesa. Mas não foi isto o que sucedeu. Denunciava Calógeras em seu relatório ao futuro Presidente Rodrigues Alves:
“Em entrevista não contestada declarou o Ministro da Marinha que, ‘dada a ordem de mobilização, em uma hora a Esquadra, pronta e com todos os sobressalentes precisos, poderia puxar fogos e sair barra a fora no desempenho de sua missão’. Há disso já oito meses e ela ainda permanecia, há poucos dias, em portos brasileiros, impossibilitada de se mover”.
O programa de revitalização da Armada Nacional proposto pelo almirante Júlio de Noronha e defendido na imprensa e no plenário da Câmara pelo jornalista e deputado Laurindo Pita, em 1906, previa uma Marinha balanceada, adequada à nossa realidade, com um arsenal a apoiá-la. As profundas alterações a este projeto, impetradas por iniciativa do ministro Alexandrino Faria de Alencar, nos legou, a partir de 1909, uma Marinha grandiosa na aparência, mas ineficiente em essência. Dizia-se estar nossa Marinha preparada para o combate no mar, quando a norma vigente era a da paralisia como condenação pela inatividade.
A situação do nosso Exército era também desoladora, apesar de louváveis iniciativas, como o empreendimento de renovação dos “jovens turcos” que, retornando de estágio junto ao Exército Alemão, priorizaram a instrução e o adestramento para a formação profissional e a qualificação técnica de seus subordinados e, para divulgação de suas idéias e ideais, lançaram a publicação A Defesa Nacional. Dizia Calógeras: “Há trinta anos está acéfalo o Ministério da Guerra”, ressalvadas as administrações de Floriano Peixoto, Mallet e Hermes da Fonseca. “Em uma fase que exige (...) trabalho orientado, uma atividade incansável, (...) e uma capacidade de organização excepcional, o horizonte alcançado mal abrange a rotina burocrática...”.
Sobre a atuação do governo, Calógeras acrescentava:
“O governo atual [...] assumiu a tremenda responsabilidade, em plena guerra, de preparar nosso Exército para intervir na batalha [...] Pois bem, tal compromisso faliu miseravelmente [...] De preparo profissional só se cogita em discursos vazios...”.
Embora nos fosse estranha a guerra em questão, pois travava-se em solo europeu por razões exógenas aos nossos interesses, logo nos veríamos envolvidos emocionalmente no conflito, abraçando platonicamente a causa de uns ou de outros dos beligerantes com discursos acalorados. “Em declarações clangorosas, ninguém nos excedeu. Mas nunca nos lembramos de agir...”.
O Brasil se negou a reconhecer a efetividade do bloqueio marítimo promovido pela Alemanha, a despeito do elevado número de afundamentos de navios mercantes que o desfiavam, e insistiu em navegar por áreas conflagradas para manter o fluxo comercial com as potências aliadas. Vindo a sofrer quatro naufrágios, supostamente devido a torpedeamento por submarinos alemães, o governo brasileiro proclamou reconhecer o estado de beligerância que o Império Alemão lhe impunha. Diante da entrada dos Estados Unidos da América na Primeira Guerra Mundial e do vislumbre de provável projeção internacional com participação ativa nos destinos políticos da humanidade (o Presidente norte-americano Woodrow Wilson idealizava a criação da Liga das Nações, precursora da Organização das Nações Unidas), o Brasil, a despeito de suas precárias condições, aderiu à causa aliada e decidiu participar ativamente do conflito declarando guerra ao Império Alemão em 26 de outubro de 1917.
Para evidenciar sua contribuição ao esforço de guerra aliado, o governo brasileiro adotou as seguintes iniciativas: forneceu, em grandes volumes e a preços reduzidos, gêneros de primeiras necessidades, notadamente alimentos e minérios; afretou à França os 30 melhores navios mercantes alemães, já recondicionados, dentre os 46 aqui apresados durante o conflito; enviou comissões de observadores para estudar o desenvolvimento da guerra européia e avaliar materiais e equipamentos militares a serem adquiridos pelo Brasil na Europa e nos Estados Unidos; enviou uma divisão naval para contribuir com a Marinha britânica no patrulhamento de trecho da costa ocidental africana entre as Ilhas de Cabo Verde, o Senegal e Gibraltar; enviou uma missão médica formada por 100 profissionais de saúde para prestar assistência ao povo francês; instalou, aparelhou e operacionalizou um hospital com 500 leitos, em Paris; adquiriu aeronaves e peças de reposição, contratou instrutores de voo e equipes de manutenção junto aos países aliados; enviou pilotos para treinamento e instrução de voo nos Estados Unidos, na Inglaterra, França e Itália; um grupo de dez oficiais foi enviado à Inglaterra para, incorporados à Royal Air Force, efetuarem treinamentos e operações de patrulha sobre o Canal da Mancha.
É sobre a contribuição militar do Brasil ao esforço aliado na Primeira Guerra Mundial, especialmente no tocante à aviação, que trataremos a seguir.
DESENVOLVIMENTO
Os meios militares e diplomáticos do Brasil, dos Estados Unidos, da Inglaterra e da França passaram a cogitar da idéia do envio de uma força expedicionária brasileira ao front, fruto do alarde da imprensa aliada, ao que tudo indica, num esforço de contrainteligência para disseminar boatos, tamanha era a fantasia de que se revestiam os dados apresentados a este respeito. O tema foi calorosamente debatido na Câmara dos Deputados. Nossos políticos não desperdiçavam oportunidade para exercícios de retórica. Houve bem elaborados e apaixonados discursos enaltecedores de nossas glórias militares, ainda que desprovidos de análise equilibrada e realista dos fatos.
O ministro brasileiro em Londres, Fontoura Xavier, alardeava nossa capacidade militar na imprensa internacional. Segundo ele, o Brasil, devido à sua amizade com os Estados Unidos, além de solucionar o problema da escassez de alimentos dos aliados, estaria pronto a contribuir com 500.000 combatentes para a luta na Europa. João Pandiá Calógeras calculava que, tomando por base uma população estimada em 25 milhões de pessoas, podíamos compor uma força expedicionária de 120.000 a 150.000 homens. Mesmo se tivéssemos tal capacidade administrativa para alistamento, não teríamos condições de transportar, aquartelar, uniformizar, alimentar, armar e treinar em médio ou longo prazo tamanho efetivo, que correspondia, à época, a dez vezes o tamanho do Exército Nacional.
Nosso adido militar em Paris, major Malan D’Angrogne, reportava que a entrada do Brasil na guerra foi recebida com indiferença na França porque se sabia que nossa contribuição, “sob o ponto de vista militar”, seria nula. O oposto, dizia ele, se dava quanto à expectativa de colaboração militar dos Estados Unidos. O coronel Tasso Fragoso, chefe da Casa Militar da Presidência da República, com base no quadro político que aqui se desenhava e com a situação econômica que se vivenciava, previa que o Brasil não enviaria um único soldado para combater em solo europeu. Equivocou-se por pouco. Alguns militares, a serviço do Brasil na Europa, estagiaram em unidades francesas durante a guerra e outros nacionais, influenciados pela propaganda aliadófila, voluntariaram-se para lutar na guerra.
O Exército Brasileiro enviou à Europa a Comissão de Estudos e Apurações da Guerra, em maio de 1918, sob chefia do general Napoleão Felipe Aché, para observar, acompanhar e analisar as evoluções que se processavam nos exércitos em luta com vistas a adaptar e adotar o que fosse aplicável ao caso brasileiro. Além de estudar as operações de guerra, a referida comissão, composta de 28 membros, avaliaria a possibilidade de aquisição do material necessário à modernização do Exército Brasileiro.
Quanto a estas comitivas, nosso adido na França se mostrava discordante em vista do pequeno benefício que traziam à instituição. Diria ele:
“As missões de lá (Brasil) para cá (Europa) poderão proporcionar algum aproveitamento individual; a coletividade ainda está por auferir vantagens e o balanço se resume em prejuízo de tempo e dinheiro, como escrevi faz um ano ao Marechal (Cordeiro de) Faria”.
Também reticente se mostrava o coronel Tasso Fragoso, quanto ao envio destas comissões: “Mandam ver as coisas, quando o de que carecemos é de órgãos de execução”.
A ânsia do Brasil em se fazer presente junto aos aliados na guerra fica evidente quando se observa o prazo surpreendentemente exíguo (dez dias, aí inclusos os festejos natalinos e o final de semana) em que se deu a definição da contribuição bélica brasileira no mar, a despeito das exigências das formalidades diplomáticas, do tempo necessário a uma avaliação criteriosa das disponibilidades dos meios, ao devido preparo técnico-profissional da tripulação dos navios, bem como das delongas nos demais estudos minuciosos e análises indispensáveis a uma decisão política tão relevante quanto à participação efetiva numa guerra.
A Divisão Naval em Operações de Guerra (DNOG), composta pelos cruzadores Rio Grande do Sul e Bahia, pelos contratorpedeiros Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba e Santa Catarina, pelo navio-oficina Belmonte e pelo navio-auxiliar Laurindo Pita, não estava preparada para a guerra. Navios novos, porém já obsoletos em razão do rápido e acentuado progresso científico e tecnológico da época, movidos a vapor produzido a partir de carvão importado da Inglaterra, desprovidos dos meios para o combate antissubmarino que iria praticar, sem o necessário treinamento e sem pessoal qualificado para a eficiente operacionalização e manutenção dos meios, faziam da DNOG um monumento ao estado de decrepitude de nossa Marinha. Na avaliação do historiador Francisco Luiz Teixeira Vinhosa, a despeito do notável esforço e do louvável trabalho de nossos homens do mar, a “... participação da DNOG na Primeira Guerra Mundial foi uma verdadeira catástrofe”.
Os navios da DNOG deixaram o porto do Rio de Janeiro em maio de 1918, à medida em que iam ficando prontos para navegar. Aportando em Salvador, Recife e Natal, onde fizeram reparos de ordem diversa, só deixaram as águas jurisdicionais brasileiras em agosto. Na noite de 25 daquele mês, véspera da chegada a Dakar, a DNOG teria sofrido um ataque de submarino alemão. Um marinheiro, “[...] que nunca avistara um submarino [...] descrevia, com perfeição, a respectiva torreta de comando”. O torpedo lançado pelo suposto submarino não atingiu o alvo, passando a uns 20 metros da popa do Belmonte. O cruzador Bahia, o rebocador Laurindo Pitta e o contratorpedeiro Rio Grande do Norte revidaram ao ataque. “Não houve certeza de sua destruição, por não se haver constatado vestígios denunciadores. Aliás, a escuridão da noite dificultava sobremaneira essa verificação [...]”, mas como o suposto submarino alemão (que a Marinha Inglesa advertira dias antes que poderia estar naquela área marítima) não mais foi visto, credita-se ao contratorpedeiro Rio Grande do Norte a façanha de seu afundamento. Chegando a Dakar, no Senegal, a tripulação da DNOG foi acometida pela “gripe espanhola”, que vitimou fatalmente quase um décimo das vidas humanas a bordo dos navios nacionais na região.
Recompletada a tripulação com pessoal vindo do Brasil, os navios da DNOG prestaram serviços de ajuda humanitária às populações caboverdianas. A 03 de novembro a DNOG seguia sua derrota. Dois de seus navios permaneceram em Dakar, avariados; o navio-auxiliar, agora tido como desnecessário, retornou ao Brasil; o navio-oficina passou a transportar trigo para a França. Dos oito navios iniciais, a DNOG contava agora apenas quatro.
No intervalo de uma semana de viagem, a DNOG protagonizou feitos inéditos: desferiu ataque a um cardume de golfinhos (o famoso “combate das toninhas”), confundido com submarinos alemães à plena luz do dia, navegando em águas tranquilas; disparou contra um navio aliado norte-americano, confundido com navio inimigo; atrasou em 24 horas o encontro com o navio inglês Britania que, enquanto esperava a chegada da DNOG, foi torpedeado por submarino alemão e soçobrou. Finalmente, a 10 de novembro (seis meses após sua partida), a DNOG, tendo sofrido cento e cinquenta e seis mortes, reduzida à metade de sua formação original, chegou se arrastando (nas palavras de seu comandante, o Almirante Pedro Max Fernando de Frontin) a Gibraltar. No dia seguinte (11 de novembro de 1918), foi assinado o armistício que poria fim à guerra.
Talvez o mais expressivo esforço diplomático do governo brasileiro, valendo-se da estrutura militar como instrumento de sua política de amealhar simpatias junto ao governo e ao povo franceses, tenha sido o envio da missão médica, como forma de expressar à França “nosso crescente devotamento ao seu martírio e à sua bravura”. A missão médica se compunha de cem médicos cirurgiões, além de um corpo de estudantes de Medicina e de praças do Exército para guarda do Hospital do Brasil, sob a chefia do Doutor Nabuco de Gouveia. O governo francês disse reconhecer o sentimento de solidariedade e o empenho pessoal do ministro Nilo Peçanha em não deixar de aproveitar todas as ocasiões para expressar suas simpatias à França ao enviar uma delegação de ordem caritativa, científica e militar.
Tomada a decisão governamental a 08 de julho de 1918, no mesmo dia o Ministro da Guerra, general Cardoso de Aguiar, escrevia ao adido militar do Brasil na França participando o projeto da missão médica e do Hospital do Brasil na França. Informava a constituição da missão médica, as patentes militares atribuídas a seus membros, a capacidade hospitalar prevista de 500 leitos, a guarda do hospital e outros serviços gerais confiados a praças do Exército. Tudo mantido “inteiramente à nossa custa”.
O major Malan D´Angrogne, mais tarde, criticaria a missão médica militar. Referindo-se a ela, disse: “A embaixada de ouro [...] Dez tenentes-coronéis médicos! Fartura, orgia de galões e gratificações [...]”. O chefe da missão foi comissionado coronel; os chefes de serviços, em número de dez, eram tenentes-coronéis ou majores; os chefes de enfermarias ou laboratórios receberam patentes de capitães; os adjuntos e auxiliares eram tenentes; os doutorandos de medicina foram comissionados como segundos-tenentes. Um sargento e trinta cabos e soldados faziam o serviço de guarda e segurança. Os demais membros compunham as equipes de porteiros, serventes, contínuos, copa e cozinha.
Já havendo na França o bem aparelhado Hospital Franco-Brasileiro, assistido por cinco médicos nacionais sob a direção do Dr. Paulo do Rio Branco, filho do Barão do Rio Branco, o envio de uma missão médica de tão grande porte num prazo tão exíguo, justamente sendo o Brasil tão carente de serviços de saúde, não encontra outra justificativa, salvo se para evidenciar o afã do governo brasileiro de querer aproveitar qualquer oportunidade para demonstrar colaboração aos aliados.
A missão médica partiu do Brasil a 18 de agosto daquele ano, a bordo do navio francês “La Plata”, chegando a Marselha a 24 de setembro. Passando por Dakar a 05 de setembro, o navio foi atingido pela gripe espanhola, tendo que desembarcar quatro mortos e dezesseis médicos doentes no porto de Oram, na Argélia. Estes médicos, depois de curados, rumaram para a França, onde foram incorporados às equipes de saúde que atuaram nas cidades de Nantes, Marselha e Tours.
Findo o conflito europeu, em 11 de novembro de 1918, o Ministro da Guerra pediu ao governo federal a extinção da missão médica, por se ter extinguido o fato que motivou sua criação: a guerra. Membros de nossa delegação à Conferência de Paz, em Paris, com enfoque político e diplomático, eram de opinião contrária: mantê-la em funcionamento era fator essencial para o favorecimento do pleito brasileiro nas negociações, quando ocasião em que imperava má vontade e recriminação ao Brasil por falta de colaboração no esforço de guerra aliado. A missão médica, no entanto, foi extinta em fevereiro de 1919, sendo todo o moderno material hospitalar gentilmente doado à Escola de Medicina da Universidade de Paris.
No tocante à aviação, o Ministério da Guerra, em parceria com a firma particular de aviação italiana “Gino, Buccelli & Cia”, já havia criado, em 1913, a Escola Brasileira de Aviação (EBA), no Campo dos Afonsos. Inaugurada em 1914, contando com 25 militares matriculados da Marinha e 35 militares do Exército, sob a orientação de instrutores estrangeiros, a EBA encerrou suas atividades alguns meses mais tarde. Os hangares, todo o material e as aeronaves ficaram para uso e aos cuidados do Aeroclube Brasileiro, entidade civil que também exercia ali atividades destinadas ao voo.
O Exército Brasileiro utilizou aeronaves em vôos de reconhecimento durante a Guerra do Contestado (1912-1916), mas o emprego deste meio por aqui era ainda amadorístico, tendo alguns militares feito cursos de pilotagem por iniciativa particular, às próprias custas. Nesta guerra, em razão das dificuldades que a geografia da região oferecia (inverno rigoroso, terreno acidentado, densas florestas, poucas e precárias estradas), devido à falta de montaria e da baixa confiabilidade nos guias disponíveis, criou-se um “serviço de exploração aérea”. Para este serviço foram designadas cinco aeronaves destinadas a missões de reconhecimento e de bombardeio. Deu-se aí, a 1º de maio de 1915, num voo de reconhecimento sob condições de nebulosidade e ventos fortes, o primeiro acidente aéreo fatal da história da aviação militar brasileira, no qual foi vítima o jovem tenente Ricardo Kirk.
Foram o impacto e a repercussão causados no Brasil pela Guerra da Europa (como era chamado inicialmente o fato histórico que hoje conhecemos como Primeira Guerra Mundial) que alertaram o governo e as autoridades militares para a importância da aviação como arma. Com o desenrolar do conflito na Europa, o governo brasileiro despertou para a necessidade de aparelhar o país com aviação militar.
Em 25 de agosto de 1916, a Marinha criou a Escola de Aviação Naval e a Flotilha de Aviões de Guerra na Ilha das Enxadas, na Baía da Guanabara, quando foram comprados três aviões Curtiss e contratados instrutores e mecânicos norte-americanos. No ano seguinte foram enviados três oficiais para curso de aviação nos Estados Unidos e outros cinco foram cursar na Inglaterra. Ainda em 1917, o Exército Brasileiro enviou três oficiais à França para aperfeiçoamento em voo e para avaliação dos diversos tipos de aeroplanos existentes.
Em janeiro de 1918 o Brasil intensificou sua participação na Primeira Grande Guerra ao enviar dez aviadores para treinamento em patrulha de combate e bombardeio, na Inglaterra. O envio de um grupo de aviadores brasileiros para a Inglaterra, ao que tudo indica, foi fruto mais de mal entendido pessoal, de precipitação política e de conveniência diplomática do que de real necessidade militar. Numa audiência que o ministro da Legação Brasileira em Londres, Fontoura Xavier, teve com o Rei Jorge V, da Inglaterra, para entrega de correspondência presidencial, falou-se sobre o tema do momento: a guerra e seus desdobramentos, a entrada dos Estados Unidos e sua produção de aeronaves, a possível contribuição do Brasil, a provável falta de aviadores e os cursos de preparação ministrados na Inglaterra. Fontoura Xavier reportou-se ao ministro das relações exteriores, Nilo Peçanha, que tratou o assunto com o Presidente da República, Venceslau Brás. Entendeu-se que a Inglaterra receberia de bom grado uma equipe de aviadores brasileiros. Enquanto o governo antecipou-se com os preparativos para a viagem, a imprensa nacional tratou de alardear o assunto.
O governo de Sua Majestade tentou desfazer o mal entendido, pois a falta de previsão para o acolhimento repentino de um grupo de alunos num curso de pilotagem causaria transtornos pela ausência de estrutura, de acomodações, de material e pela necessidade de reformulação curricular. Mas o problema cresceu de proporções junto à opinião pública e ao governo brasileiro. Avaliando a possibilidade de perda de prestígio e do desgaste da imagem do governo britânico em comparação com a ajuda material que o Brasil tinha a oferecer, a Inglaterra cedeu.
Assim como na guerra antissubmarino, também no tocante ao combate aéreo o Brasil não tinha nenhuma tradição ou doutrina. Decidida a ida de nossos militares para treinamento e combate na Inglaterra, para lá seguiram duas equipes de oficiais: a primeira, formada por quatro oficiais da Marinha e um do Exército, partiu a 08 de janeiro de 1918; o segundo, com mais cinco oficiais da Marinha, deixou o Brasil a 27 do mesmo mês.
A participação da nossa aviação na guerra compreendeu quatro fases: inicialmente, teve-se instrução básica de voo; seguiu-se treinamento em patrulha de curto alcance; depois, treinaram missões de bombardeio em patrulha; e, por fim, os aviadores foram integrados ao 10º Grupo de Operações em Guerra da Royal Air Force, em Plymouth.
Nossa aviação na Inglaterra veio a sofrer dois acidentes, sendo um fatal: no primeiro, ainda nas instruções iniciais, o primeiro-tenente Olavo Araújo, por sorte, sofreu apenas fratura em uma das pernas ao aterrissar a aeronave de dorso no vão de uma vala, ocasião em que o impacto das asas nas bordas da vala amorteceu o choque do aparelho contra o solo; no segundo, a repetição de um erro cometido durante o treinamento do dia anterior levou o segundo-tenente Eugênio Possolo a colidir com a aeronave pilotada por um inglês, ocasião em que ambos pereceram.
Em julho de 1918, a Marinha adquiriu aviões e equipamentos na Itália, quando alguns militares tiveram ali prática de aviação. Em setembro do mesmo ano, o Exército contratou uma equipe de nove técnicos franceses, um capitão e dois tenentes instrutores de aviação, além da aquisição de trinta aparelhos e de material de apoio de manutenção, abastecimento e reparo.
Ao final da guerra, esses pilotos retornaram ao Brasil e a Inglaterra nos enviou a conta a ser paga relativa aos custos de acomodação, instrução, treinamento, fornecimento de itens e danos causados ao patrimônio público britânico pelo uso do material aeronáutico. Outrossim, a 10 de julho de 1919, o Ministro da Guerra, general Alberto Cardoso de Aguiar, inaugurou a Escola de Aviação do Campo dos Afonsos.
A inconstância das decisões tomadas e a falta de coordenação entre os ministérios no tocante à aviação militar no Brasil nos levaram a dispor de aparelhos, peças, ferramentas, técnicas e doutrinas de diferentes procedências. Terminada a guerra, era necessário desfazer-se do excesso de material bélico produzido. Estados Unidos, Inglaterra, França e Itália disputaram o mercado de armas na América Latina, onde o Brasil era visto como centro de gravidade do sistema: a partir da conquista do mercado brasileiro, estaria assegurada a penetração comercial nos demais países da região.
É consenso generalizado que, diante do pouco expressivo poder militar brasileiro, a mais significativa contribuição que o Brasil pode prestar ao esforço de guerra foi de cunho comercial, fornecendo gêneros alimentícios, produtos minerais e cedendo aos aliados navios mercantes alemães apresados. Segundo autores norte-americanos, os países que aderiram à causa aliada após a entrada dos Estados Unidos na guerra o fizeram apenas por oportunismo. Autores europeus asseveram que “o Brasil só teoricamente tomou parte na guerra”. E mesmo muitos autores nacionais ignoram a participação do Brasil no referido conflito mundial.
Verdadeiramente, numa guerra industrial como esta, onde os números apresentados são alarmantes, o Brasil os exibe com acentuada inibição. O quadro abaixo mostra as quantidades de aeronaves que o Brasil possuía ao final da guerra, comparativamente a algumas potências beligerantes.
Ainda neste tocante, para dar apenas uma rápida visão panorâmica, ressalto alguns dados curiosos: enquanto o Brasil perdeu um piloto em acidente aéreo e teve outro ferido, a Alemanha perdeu 6840 pilotos abatidos e teve 7350 pilotos feridos. O Brasil, durante a guerra, teve em funcionamento uma escola de aviação e fundou outra logo após o conflito, formando algumas dezenas de aeronautas por ano, ao passo que os Estados Unidos, em idêntico período, fundaram 40 escolas de aviação e formaram 11400 pilotos. O Brasil enviou 10 pilotos para lutar na Inglaterra, ao passo que os Estados Unidos enviaram para a guerra 4300 pilotos, dos quais 1250 efetivamente combateram.
Em todo caso, a modesta contribuição militar brasileira deu-se em meio a grande esforço financeiro e humano. Cabe ressaltar que foi o envio de pilotos brasileiros para participar ativamente da Primeira Guerra Mundial que fincou de maneira definitiva as raízes para a consolidação e para o desenvolvimento da aviação militar no Brasil. A disponibilidade de instalações apropriadas no Campo dos Afonsos (segundo apreciação de Santos Dumont) e na Ilha das Enxadas, a aquisição de ferramental, de peças para manutenção e reparo e de aeronaves, a preparação dos recursos humanos e a contratação de instrutores e de técnicos estrangeiros, contando com a experiência de pilotos nacionais veteranos da Primeira Guerra Mundial, propiciaram as condições efetivas para que a aviação militar brasileira, finalmente, alçasse voo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Brasil, no alvorecer do século XX, era ainda um país de economia agro-exportadora onde seu principal produto era o café, de população em sua maioria mestiça, de sociedade predominantemente rural, recém-saída do secular modelo de trabalho escravo.
A situação das forças armadas nacionais à época da Primeira Guerra Mundial era desanimadora: escassez de recursos, obsolescência do material, desatualização doutrinária, desorganização estrutural, comodismo. Foram exceções, no Exército, as administrações de Floriano Peixoto, de Mallet e de Hermes da Fonseca. Merecem destaque as iniciativas dos jovens turcos e a criação da revista A Defesa Nacional. Na Marinha, o almirante Júlio de Noronha, apoiado pelo jornalista e deputado Laurindo Pita e pelo Barão do Rio Branco, aprovou projeto de modernização que, alterado pelo ministro Alexandrino Faria de Alencar, nos legou uma esquadra portentosa, cara e ineficiente.
Já havia ocorrido, no meio militar, infrutífera iniciativa com a criação da Escola Brasileira de Aviação, em 1913, de breve duração. Na Guerra do Contestado foram utilizados aviões pilotados por militares brevetados em cursos civis, feitos por iniciativa particular, às próprias custas. Mas foi o advento da Primeira Guerra Mundial que despertou o governo brasileiro de sua inação com relação à necessidade dos meios aéreos para suprir deficiências de nosso aparelho militar.
Exército e Marinha atentaram para a importância da aviação como arma de futuro promissor na guerra. A Marinha logo criou a Escola de Aviação Naval e a Flotilha de Aviões de Guerra, em 1916, com aparelhos, mecânicos e instrutores norte-americanos. Seguiram-se entendimentos e intercâmbio com fabricantes italianos. O Exército fez treinamento de pilotos na Inglaterra, mas comrpou aparelhos e contratou instrutores e mecânicos franceses, em 1919. Enviaram-se militares para cursos relacionados à aviação nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França e na Itália. Percebe-se quão errática era nossa política para a criação de uma aviação militar.
Eis que o governo brasileiro, pressionado diplomática e comercialmente pela Inglaterra e pela França, decide ingressar na Primeira Grande Guerra aliando-se aos Estados Unidos em apoio às potências da Tríplice Entente. Como colaboração no esforço de guerra aliado, o Brasil forneceu gêneros de primeira necessidade, adquiriu material aeronáutico e contratou equipes de instrutores e de mecânicos dos países aliados, afretou navios mercantes à França, enviou equipes de observadores para avaliar as operações de guerra e sugerir a aquisição de material bélico nos países aliados, forneceu uma divisão naval para atuar em auxílio à Marinha britânica no noroeste da África, enviou uma missão médica militar para a França, instalou e operacionalizou um hospital para 500 leitos em Paris e enviou uma equipe de dez militares para treinamento e combate junto à Royal Air Force, na Inglaterra.
A experiência deste grupo de pilotos e as avaliações da Comissão de Estudos e Apuração de Guerra ajudaram a Marinha a consolidar as bases de sua aviação naval e levaram o Exército a estabelecer os fundamentos para a instalação de sua Escola de Aviação do Campo dos Afonsos, cuja inauguração ocorreu a 10 de julho de 1919.
As negociações diplomáticas, o envio de pilotos, a aquisição de material aeronáutico, a contratação de equipes de técnicos, instrutores e mecânicos, o fornecimento de curso e treinamento, além do legado de experiência e dos conhecimento adquiridos possibilitaram o estabelecimento definitivo das bases para o desenvolvimento e para a consolidação da aviação militar no Brasil. O custeio pelo governo brasileiro de todos os gastos relativos a este empreendimento, notadamente o desprendimento de um grupo de jovens pilotos dedicados às ações de patrulha sobre o Canal da Mancha em plena Primeira Guerra Mundial, envolvendo acidentes e morte de militares em exercícios, não devem ser vistos, segundo nosso modesto entendimento, como “apenas uma ficção impressa em documentos oficiais”.
“Look at these people. Wandering around with absolutely no idea what's about to happen.”
P. Sullivan (Margin Call, 2011)
P. Sullivan (Margin Call, 2011)