nveras escreveu: ↑Sex Nov 08, 2019 10:13 am
Marcelo Ponciano escreveu: ↑Sex Nov 08, 2019 9:45 am
Os advogados particulares possuem taxa de apenas 23% de êxito em modificar as condenações no STJ e STF.
A defensoria pública tem taxa de 48% de êxito.
Esses dados mostram duas coisas alarmantes:
1° Que a segunda instância erra e MUITO!!!
2° Que a segunda instância erra mais com os mais pobres.
É uma análise muto superficial.
Mas se levarmos em conta que os nossos juízes do Supremo são indicações políticas, muitos sem o NOTÁVEL SABER JURÍDICO, não dá pra afirmar que as instâncias inferiores é que erram. [1]
Quanto a afirmação anterior de que o Supremo acertou e quem tem que mudar a constituição é o parlamento, também não é assim. Basta ver o caso das cotas raciais, que a constituição proíbe qualquer distinção, sem falar em ações afirmativas ou não, simplesmente proíbe. Mas o supremo decidiu que pode, se for ação afirmativa.
Se a interpretação fosse literal, não precisava de Supremo, bastavam bons professores de português. [2]
O direito tem um problema sério que é o diálogo com a sociedade. É muito difícil falar de direito sem parecer um esnobe ou escroque que só quer arrotar um "eu sei mais porque eu estudei". Tento ao máximo não ser isso. Mas enfim, como diz o velho ditado, quando não tem remédio, remediado está.
[1] As indicações de segunda instância também são políticas. 1/5 das vagas nos tribunais pertencem aos advogados com mais de 10 anos de carreira, outro 1/5 pertence aos promotores e procuradores do MP, e os 3/5 restantes às promoções de juízes por antiguidade e/ou merecimento. Dito isso, você acha que alguém consegue chegar à condição de desembargador no tribunal de segunda instância sem fazer politicagem??? 2/5 das vagas depende de aprovação do Governador ou do Presidente da República (a depender do tribunal). Os outros 3/5 dependem de politicagem interna dentro do próprio tribunal. Só quem é do meio tem a mínima noção da briga de vaidades, da politicagem e do que se faz para se tornar desembargador nesse país. Os tribunais superiores, à exceção do TST, não obedecem a regra do Quinto Constitucional, isso significa que não tem cadeira marcada lá. Todavia, as nomeações têm seguido mais ou menos essa tradição de misturar uma boa parte de juízes de carreira com advogados e promotores. Alias, a ideia do "Quinto" na segunda instância surgiu inspirado no que já era praticado no STF e STJ.
Sobre a segunda instância errar mais, infelizmente essa é uma constatação empírica minha. Sem dar muitos detalhes, conheço de perto um caso em que um certo Tribunal Superior anulou um acórdão de segunda instância,ocorre que lá na segunda instância
o relator desse processo é um dos maiores juristas no Brasil na seara processual. Curiosamente o acórdão foi anulado por um vício processual. Isso tudo se deu em relação ao processo civil, que é 900% menos rigoroso que o penal (área que não atuo). Infelizmente, sou vedado pelo código de ética da OAB de divulgar ostensivamente em público informações de causas em que tive alguma participação. Mas caso o colega queira posso em privado mostrar em detalhes o que aconteceu e provar que o relator é um Doutrinador de peso (na faculdade estudei pelos livros dele) mas que errou feio.
[2] A interpretação literal é a menos utilizada no direito, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Uma das primeiras coisas que aprendemos na faculdade de direito é ver além da literalidade do que está escrito, apesar de que em alguns casos a literalidade resolve. Mas já que você citou o caso das cotas raciais, vou tomar elas como exemplo.
As cotas raciais foram autorizadas justamente em razão e em função da existência do princípio da igualdade, ou seja, é porque esse princípio existe na Constituição que elas foram autorizadas. Mas o que é igualdade? Igualdade é um termo vago, um conceito indeterminado, que precisa de interpretação filosófica para ser definida. A justificativa jusfilosófica usada pelo STF para definir igualdade possui nada mais nada menos
que 2500 anos!!!! Então, veja bem, não é uma questão de português. É um questão de interpretação filosófica e jurídica do que se entende pelo conceito de igualdade. Os ministros do STF, todos incompetentes, burros, indicados políticos, e etc e tal, fundamentaram a decisão deles na interpretação filosófica do
conceito de igualdade e justiça em Aristóteles. Então se quiser ultrapassar esse nível de superficialidade, na qual se limita a acusar os ministros do STF com argumentos ad hominem, será necessário no mínimo refutar Aristóteles ou arrumar algum autor que o faça. Não digo que seja impossível, mas certamente não é uma tarefa fácil que qualquer incompetente indicado político vai fazer com facilidade.
E o que Aristóteles disse que fundamenta a decisão do STF? Vou citar aqui um manual de filosofia do direito mais usado nas universidades:
A peculiaridade do estudo ético reside no fato de que os juízos baseados em leis fixas não lhe são aplicáveis, como ocorre, por exemplo, com o conhecimento matemático,8 as quais asseguram a obtenção de resultados constantes. Então, o estudo ético está marcado por esse tipo de preocupação: definir sem constranger com conceitos, pois fica sempre aberta uma margem de variabilidade que torna a principiologia ética flexível de indivíduo a indivíduo.
Em outras palavras, os princípios éticos não se aplicam a todos de forma única (a coragem não é a mesma para todos, a justiça não é a mesma para todos…), estando condicionados ao exame do caso particular para que, a cada um, de maneira personalizada e singularizada, se aplique o justo meio (mesótes). 9 O conceito de justo meio (mesótes) não comporta de forma alguma uma compreensão genérica e indiferente às qualidades específicas dos indivíduos; é, pelo contrário, sensível, dentro das ambições teóricas de Aristóteles, à dimensão individual.
A justiça, compreendida em sua categorização genérica, é uma virtude (areté),10 e, como toda virtude, qual a coragem, a temperança, a liberalidade, a magnificência…, é um justo meio (mesótes).11 Não se trata de uma simples aplicação de um raciocínio algébrico para a definição e a localização da virtude (um meio algébrico com relação a dois polos opostos), mas da situação desta em meio a dois outros extremos equidistantes com relação à posição mediana, um primeiro por excesso, um segundo por defeito.12
Somente a educação ética, ou seja, a criação do hábito do comportamento ético, o que se faz com a prática à conduta diuturna do que é deliberado pela reta razão (ortòs lógos) à esfera das ações humanas, pode construir o comportamento virtuoso.13 A semântica do termo ética (éthos) indica o caminho para sua compreensão: ética significa hábito, em grego. Aqui, o importante é a reiteração da prática virtuosa; nesse sentido, ser justo é praticar reiteradamente atos voluntários de justiça.14 Está-se, destarte, a recorrer, novamente, ao capital valor da educação (paideia) como bem maior de todo Estado (pólis).
A justiça, em meio às demais virtudes, que se opõem a dois extremos (um por carência: temeroso; outro por excesso: destemido), caracteriza-se por uma peculiaridade: trata-se de uma virtude à qual não se opõem dois vícios diferentes, mas um único vício, que é a injustiça (um por carência: injusto por carência; outro por excesso: injusto por excesso).15 Dessa forma, o que é injusto ocupa dois polos diversos, ou seja, é ora injustiça por excesso, ora injustiça por defeito.
O justo meio na relação entre dois polos é a equilibrada situação dos envolvidos numa posição mediana, ou seja, de igualdade, seja ela proporcional, seja ela absoluta. Esse equilíbrio reside no fato de ambos compartilharem de um medium, não se invadindo o campo do que é devido ao outro, não ficando com algo para mais ou para menos. Deve-se grifar, no entanto, que apenas a atividade do injusto, ou seja, o reter uma porção maior de bens e menor de males, constitui propriamente um vício, sendo que sofrer a injustiça, estado de passividade por excelência, não pode ser considerado uma situação viciosa.
Portanto, não são dois vícios que se contrapõem por um meio-termo, como ocorre com as outras virtudes, mas se trata de uma posição mediana entre o possuir mais e o possuir menos, relativamente a todo e qualquer bem que se possa conceber.16
CURSO DE FILOSOFIA DO DIREITO • Bittar / Almeida. Pg 114, 145 e 146.
Em outras palavras, qual a interpretação que se faz disso? Para Aristóteles a virtude da justiça pode encontrar o seu oposto (a injustiça) de duas formas diferentes: a ausência completa da justiça e a presença absoluta da justiça. Ambos os extremos da justiça significam uma injustiça. Para Aristóteles, a virtude da justiça é o caminho do meio, o ponto de equilíbrio, o que ele chama de
Mesotés. Só é possível atingir o ponto de equilíbrio dessa virtude se você considerar as particularidades de cada caso na aplicação da justiça.
No Brasil, Ruy Barbosa sacramentou essa ideia filosófica com uma frase famosa, proferida no Discurso aos Moços, que é:
"Tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente na medida em que se desigualam".
Em que isso se aplica às cotas? As cotas partem do pressuposto que um dos lados está em desvantagem em relação ao outro. Tem cotas raciais, mas tem também cotas pelo critério de renda.
Mas antes de falar de cotas vamos analisar um caso prático? Já viu as olimpíadas e as paralimpiadas? Pessoas deficientes competem com pessoas sem deficiências? No boxe, homem luta contra mulher? Essa separação ocorre porque se entende que eles não são iguais. Deficiente não é igual pessoa sem deficiência. Homem não é igual em força física à mulher. Então para que a competição seja justa eles saparam os iguais para competir com os iguais, os desiguais para competir com os desiguais. Homem com homem, mulher com mulher, deficiente com deficiente, não deficiente com não deficiente.
O extremo de justiça seria colocar o deficiente para correr com o não deficiente. Mas esse extremo de justiça seria uma injustiça, posto que o deficiente não é igual ao não deficiente. Daí que vem o caminho do meio, colocar o deficiente para competir com o deficiente e o "normal" com o "normal". Isso é o que se entende por igualdade a partir da justiça
mesotés de Aristóteles.
As cotas são exatamente isso. Não estou aqui dizendo que o pobre é equivalente a um deficiente. Estou dizendo outra coisa. Estou dizendo que quem teve educação no Nível A tem que competir com quem teve educação no Nível A. Quem teve no Nível B deve competir no Nível B, o C com o C...assim sucessivamente.
É essa a ideia da interpretação do termo igualdade na Constituição. É um conceito material, que leva em consideração as diferenças do mundo real, e não um conceito meramente formal e cego para essas diferenças. Por isso que nas cotas eles colocam o estudante da rede pública para competir com outro estudante da rede pública, o negro com o negro, o pobre com o pobre, o rico com o rico, o estudante da escola particular caríssima com o estudante da escola particular caríssima. Como já ocorre nas Olimpíadas e nas Paralimpíadas.
Você pode discordar disso? Com certeza, e como dizia Augusto Conte,
defenderei até a morte o seu direito de discordar. Mas você tem que discordar fundamentando o porquê Aristóteles e o STF estavam errados. E não simplesmente dizendo que todo mundo que está no STF é burro e não sabe português. Eles podem ser burros e incompetente políticos o tanto que for, mas eles leram Aristóteles (e seus intérpretes).
Matheus escreveu: ↑Sex Nov 08, 2019 11:08 am
Marcelo Ponciano escreveu: ↑Sex Nov 08, 2019 9:45 am
Os advogados particulares possuem taxa de apenas 23% de êxito em modificar as condenações no STJ e STF.
A defensoria pública tem taxa de 48% de êxito.
Esses dados mostram duas coisas alarmantes:
1° Que a segunda instância erra e MUITO!!!
2° Que a segunda instância erra mais com os mais pobres.
O que isso diz sobre o assunto? exatamente nada
[1]
Sabe quando o STF mandou prender o 1º deputado condenado por corrupção desde 1988? em 2013!
Vc fala como se tivéssemos um STF sério, como se as indicações não fossem meramente políticas e que funcionasse a contento...por favor.
[2]
Aliás, o atual STF é muito criticado justamente pelo ativismo judicial, fazendo o papel do parlamento.
[3] Se não tivéssemos um Senado com rabo preso, tipos como Tófolli, Alexandre e Gilmar, já tinham sido "impitimados" do STF.
.
[1] Diz tudo. A mídia arrota por aí que só chega no STF endinheirados de colarinho branco com advogados caríssimos. Essa pesquisa demonstra que isso não é verdade. A taxa de êxito de pobres defendidos por defensores públicos é muito maior. Isso também demonstra que recurso para Tribunal Superior é absolutamente necessário enquanto os tribunais inferiores continuarem a violar a lei e o direito.
[2] Sobre indicações políticos já falei acima.
[3] Sobre ativismos judicial. Aqui temos uma coisa importante. Não dá para criticar o ativismo no que nos é desfavorável e ser a favor no que é favorável. Ativismo judicial de fato é um problema sério no STF, masque aos poucos tem mudado. Sabe p que seria ativismo judicial? Leia o seguinte trecho:
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 1o As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 2o A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
Aqui, ao contrário do artigo da constituição que fala em igualde, não estamos analisando um conceito filosófico abstrato. Não são conceitos vagos que reclama chamar Aristóteles e outros filósofos para interpretar. Aqui é um caso raro em que o português fala por si só.
O texto é bem claro. Só tem dois tipos de prisão: a Prisão Condenatória (de sentença transitada em julgado, conforme artigo acima) e a Prisão Cautelar (temporária ou preventiva).
Quem defendia a prisão em segunda simplesmente queria apagar da lei o texto sublinhado acima (trânsito em julgado). Isso sim seria ativismo judicial. Olha a data de quando a lei foi feita:
em 2011.
Ontem o STF não julgou se a prisão em segunda instância é inconstitucional ou não em face da CF/88. Ontem o STF julgou se o art. 283 do CPP está valendo ou não em face da CF/88. Se estivesse valendo a prisão em segunda instância estava proibida. Se não estivesse valendo estava permitida. Por isso que as portas estão abertas para a modificação legislativa.
Foi exatamente isso que o Toffoli disse eu seu voto. Um dos mais coerentes ontem, diga-se de passagem.