Um "orçamento histórico": Estas são as explicações de Centeno sobre o OE2020
"Um orçamento histórico". Foi assim que Mário Centeno classificou, por diversas vezes, o Orçamento do Estado para 2020. O ministro das Finanças explicou em detalhe, esta terça-feira, 17 de dezembro, a proposta do Governo para as contas públicas do próximo ano.
“Que ninguém tenha dúvida: é um orçamento histórico não pelos prazos, mas pelos resultados”, disse Mário Centeno na conferência de imprensa no Ministério das Finanças, em Lisboa. O documento foi entregue no parlamento esta segunda-feira ao final da noite. Consulte aqui, ponto por ponto, as principais medidas.
Na explicação do OE2020, esta terça-feira de manhã, Mário Centeno começou por identificar os principais eixos em torno dos quais o Orçamento se organiza.
Orçamento "histórico": Do excedente orçamental à redução da dívida
A consolidação orçamental é o primeiro desses eixos. Centeno destacou desde logo o facto de o saldo orçamental ser pela primeira vez positivo, ou seja, temos mais receita do que despesa. O governante considera que este dado não só cumpre um objetivo como “reflete uma trajetória de confiança e responsabilidade”. O Governo antecipa um excedente orçamental de 0,2% e um crescimento económico de 1,9% para 2020, mantendo uma previsão de défice de 0,1% para este ano.
Mais à frente na conferência de imprensa, Centeno foi questionado sobre se é a função pública que vai pagar este excedente orçamental. "Quem paga o excedente orçamental são os contribuintes [e não a função pública ou os pensionistas]", respondeu o ministro. (veja mais à frente como Centeno respondeu a esta e a outras perguntas, nomeadamente sobre a carga fiscal, o IVA da eletricidade e o aumento das pensões)
Voltando aos eixos que orientam o OE, o segundo é o facto de Portugal ter atingindo "um objetivo de médio prazo". O que quer dizer isto para um país?, questionou Mário Centeno, respondendo logo de seguida. "Com o saldo estrutural basicamente anulado", Portugal está preparado para se colocar "perante os riscos, os desafios, as incertezas neste contexto global", o que significa sustentabilidade para o país — o saldo estrutural corresponde ao saldo orçamental das administrações públicas, quando são excluídas as medidas extraordinárias e temporárias; este é um dos principais indicadores orçamentais na legislação europeia. "Pelo quarto ano, não há surpresas. É isto que eu chamo credibilidade”, disse o ministro das Finanças.
Em terceiro lugar, Centeno destacou "a trajetória de redução da dívida", que se mantém este ano e que é, para o ministro, mais um dos elementos "históricos". As contas apresentadas colocam "a dívida em patamares inferiores a 120% do PIB [Produto Interno Bruto]", o que permitirá que Portugal deixe de fazer parte de "um conjunto de países que estão na cauda deste indicador" na Europa. Este valor é "totalmente compatível com o objetivo desta legislatura de trazer a dívida para níveis inferiores a 100%", acrescentou Centeno.
Portugal resistiu “muito melhor do que as economias da sua dimensão à desaceleração da economia global e isso aconteceu com todos os indicadores de sustentabilidade”, descreveu o ministro. O cenário macroeconómico caracteriza-se pela convergência da economia portuguesa face às congéneres europeias, dado ser “o quarto ano consecutivo que se atinge uma convergência de 3,5 pontos percentuais”, explicou.
De seguida, o ministro responsável pela pasta das Finanças, destacou as áreas que o Governo vê como pilares neste Orçamento.
Pilares para 2020: A saúde, a proteção social e o apoio aos jovens
"As escolhas são muito claras: SNS, redução da pobreza, desafio demográfico, jovens e investimento. Se quisermos alterar estas prioridades temos de fazer de forma responsável", apontou Centeno a dado momento durante a conferência de imprensa.
O reforço do Serviço Nacional de Saúde (SNS). "Em 2020 as dotações iniciais do SNS vão crescer em 942 milhões de euros. Este reforço é o maior alguma vez feito nas dotações iniciais do SNS, e representa face a 2015 um aumento de 26%", salientou Centeno, destacando ainda o investimento em novas unidades de saúde e novos modelos de gestão do SNS. "É hora de todos respondermos pelos recursos que são colocados em benefícios dos serviços públicos", defendeu.
A proteção social é o segundo pilar do OE2020. Mário Centeno salientou o reforço do abono de família e do complemento solidário para idosos, os dois instrumentos mais eficazes de combate à pobreza na política do Governo.
O ministro falou, depois, do apoio deste OE à "emancipação na vida ativa dos nossos jovens". "A medida que temos no IRS é uma medida muito significativa para aqueles que entram no mercado de trabalho e que nos primeiros três anos terão uma redução no IRS de 30% no primeiro ano, 20% no segundo e 10% no terceiro", exemplificou.
Também a "promoção da parentalidade", o "investimento em creches" e o reforço nas deduções no IRS "a partir do segundo filho" são medidas que visam responder ao "desafio demográfico" que a sociedade portuguesa apresenta, explicou Centeno.
Antes de passar às perguntas dos jornalistas, Centeno deixou uma palavra sobre o contestado aumento nos salários na Função Pública. "Os funcionários públicos em 2020 vão ter um aumento do salário médio de 3,2%", sendo que os "0,3% [de aumento nos salários negociados para este ano e criticados pelos sindicatos] correspondem ao primeiro aumento transversal na tabela salarial desde 2009 e ao segundo aumento desde 2000".
Prevê-se ainda "um crescimento do número de funcionários públicos, que é a única forma de continuar a reforçar o SNS, as nossas escolas e os nossos serviços públicos com as contas certas", concluiu.
Chegado o momento das perguntas, o ministro das Finanças insistiu nalgumas teclas, evitou fechar algumas respostas e deixou recados aos jornalistas.
A carga fiscal aumenta? Empresas e famílias vão pagar menos impostos - salvo algumas exceções
"Os impostos diretos vão diminuir", afirmou taxativamente Centeno, para logo depois acrescentar uma explicação sobre o aumento de impostos nalguns casos. "As taxas de imposto que são revistas são-no em dois contextos: para sinalizar a importância da poupança e da contenção do crédito ao consumo em Portugal [no Imposto do Selo sobre o crédito ao consumo] ou com objetivos meramente ambientais. É apenas nessa dimensão que a política fiscal, com objetivos extra fiscais, atua em 2020".
"Aquilo que é o essencial da política fiscal em 2020 é um desagravamento da carga", considera Centeno. "Empresas e famílias vão pagar menos impostos em 2020 se tiverem os mesmos rendimentos do que em 2019", conclui.
Centeno já tinha afirmado anteriormente na conferência de imprensa que os impostos indiretos "vão cair por efeito de medidas deste orçamento em mais de 100 milhões de euros".
Quando questionado acerca do aumento da carga fiscal, o ministro deixou uma advertência: "Eu faço um apelo que já tenho feito várias vezes para que, enquanto não tivermos dados definitivos para o PIB para um determinado ano, termos alguma cautela analítica para os indicadores que dependem do PIB". "Em 2020, a receita fiscal em percentagem do PIB não aumenta. Não há um aumento dos indicadores disponíveis sobre a receita fiscal em percentagem do PIB", acrescentou.
Atualização de escalões de IRS segue “princípio da prudência”
Já no que diz respeito ao IRS, "a atualização dos escalões segue um princípio de prudência e de responsabilidade", disse o governante para justificar a atualização dos escalões do IRS abaixo da inflação prevista para o próximo ano.
“Ditam as boas regras que não coloquemos à frente do tempo aqueles que são os desenvolvimentos económicos do país. Aliás temos excelente exemplo do risco que se corre com essas atitudes, quando as previsões não são confirmadas. 2009 é um bom exemplo disso”, justificou, referindo-se ao primeiro ano do segundo mandato liderado por José Sócrates.
A última taxa de inflação conhecida é aquela que o INE [Instituto Nacional de Estatística] divulgou em novembro. A média anual dessa taxa é de 0,3%”, disse o ministro das Finanças. Assim, o aumento de 0,3% (dos salários dos funcionários públicos, dos escalões do IRS e de outros impostos e taxas) reflete “uma boa prática nacional” e “deve ser seguida no futuro”, acrescentou Centeno.
Quem paga o excedente orçamental?
“Quem paga o excedente são os contribuintes, não consigo fazer outra análise sobre matéria orçamental que não seja esta, qualquer outra terá de ser muito bem explicada”, disse Centeno quando questionado sobre se o excedente se deve ao facto de pensionistas e funcionários públicos serem aumentados abaixo da inflação prevista para 2020.
O Governo tem vindo a “desenvolver um equilíbrio [na gestão orçamental] que tem deixado muita gente baralhada”, pessoas que – disse – tentaram antes o mesmo e não conseguiram e estão “a tentar baralhar as outras pessoas que não estão baralhadas”.
“A despesa em prestações sociais cresce acima de 3%, a despesa com pessoal cresce 3,6%, quem paga o Orçamento do Estado é quem contribui para o orçamento do Estado", vincou.
Não é “nada fácil” equilibrar um orçamento em que a despesa representa 43% do Produto Interno Bruto (PIB), disse o ministro.
“Portugal está hoje numa situação na sua estrutura orçamental que, obviamente, reflete escolhas feitas durante muitos anos, é absolutamente invejável. Nos poucos anos em que Portugal teve excedente orçamental, no século passado, a despesa pública não utrapassava os 15% do PIB, hoje são 43% do PIB", acrescentou.
Eletricidade: Quem quer reduzir o IVA que explique onde vai buscar a receita perdida
Questionado sobre o IVA para a eletricidade, Centeno referiu que "todas as alternativas estão em aberto". No entanto, ressalvou, "todos aqueles que façam propostas que alterem o equilíbrio orçamental têm de explicar, em nome da transparência, o que fazem com todas as outras responsabilidades". Assim, resumiu: "A redução transversal e imediata do IVA da eletricidade tem um custo que pode ir dos 450 milhões de euros até aos 800/1000 milhões de euros. Portanto, a partir daqui é só fazer as contas".
Segundo este OE, o Governo fica autorizado a alterar o regime do IVA aplicado à eletricidade. A ideia é a taxa variar em função do consumo, permitindo a tributação reduzida ou intermédia aos fornecimentos com potência contratada de baixo consumo. Esta medida fica sujeita à 'luz verde' de Bruxelas. De recordar que a taxa do IVA na eletricidade aumentou de 6% para 23% em 2011, no âmbito das medidas de austeridade tomadas durante o resgate financeiro.
Neste ponto, Centeno insistiu: os partidos que proponham a redução do IVA da eletricidade devem explicar como farão o equilíbrio orçamental, devido à significativa receita que seria perdida, e que políticas deixariam de ser prioridade.
“Se entendermos que em função da descida do IVA de hoje vamos emitir mais dívida e pagar mais impostos no futuro, quem quiser fazer uma proposta dessa natureza, tem de explicar quais as prioridades que deixarão de o ser ou como os serviços públicos se vão acomodar a esta nova realidade. Tenho ouvido muito pouco sobre esta dimensão”, afirmou.
Aumento extraordinário das pensões: Há margem ou não para isso? "Nim"
O tema das pensões foi repetido uma e outra vez durante as perguntas dos jornalistas.
O Governo inscreveu na proposta orçamental uma despesa de 338 milhões de euros com a atualização extraordinária das pensões, um valor semelhante ao de 2019, revela o Relatório que acompanha a proposta de Orçamento do Estado para 2020. Apesar de a medida não constar de forma explícita na proposta, a verba para aumentos extra está inscrita num dos quadros do Relatório.
Centeno foi questionado sobre eventuais aumentos extraordinários das pensões em 2020, à semelhança dos últimos três anos, até 10 euros por pensionista, mas o governante escusou-se a responder diretamente à questão. O ministro acabou por expressar alguma frustração com as questões colocadas.
"São mais de 200 artigos, dezenas de medidas, mas esta insistência sobre o que não está [no OE] está faz-me alguma confusão do ponto de vista da análise. O que eu disse e mantenho é que estou apresentar o que está [no documento], que é o respeito integral pela Lei de Bases da Segurança Social", disse a dado momento Centeno.
"O que este orçamento propõe é a aplicação integral daquilo que são as regras que regem a atualização das pensões no normativo vigente. Pelo terceiro ano consecutivo, a esmagadora maioria das pensões vai ter um aumento real face aos indicadores de inflação de referência", referiu Centeno.
No entanto, reiterou, "não podemos perder o sentido da responsabilidade". "Este orçamento é para todos os portugueses e tem esse equilíbrio", reforçou. "A Lei de Bases da Segurança Social já promove um aumento das pensões em termos reais em todas as pensões até dois Indexantes aos Apoios Sociais". "O esforço que estamos a fazer é de, atuando através do complemento solidário para idosos, reduzir indicadores de pobreza", acrescentou.
Tensão dentro do Governo? É mito. "Nem tudo o que vem escrito por vocês [jornalistas] é verdade"
O ministro das Finanças afastou o cenário de “batalhas internas”, garantindo que “não há nenhuma dificuldade na gestão política do Governo neste momento” e que a proposta orçamental para 2020 resulta de “escolhas coletivas”.
“Não entendo de onde vem o eco de batalhas internas, isso não existe”, disse Centeno, quando questionado sobre eventuais divergências no executivo liderado por António Costa.
“Nunca antes houve um orçamento feito em tão pouco tempo. Imaginem se isto era possível com batalhas internas”, disse o ministro, criticando análises feitas “com fontes não identificadas”.
"Não consigo entender onde é que têm um eco de batalhas internas. Isso é um mito, não existe. Nem tudo o que vem escrito por vocês é verdade, também é preciso que se diga", afirmou.
O OE2020 começará a ser debatido em plenário, na generalidade, nos dias 09 e 10 de janeiro, estando a votação final global prevista para 06 de fevereiro.
Os partidos com assento parlamentar remeteram para hoje uma primeira reação à proposta de Orçamento do Estado.
(Última atualização às 13h17)
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