É bom que se diga. Antes de 1985, e mesmo antes de 1964, nunca houve no país elementos estruturantes para a organização da defesa nacional enquanto política de Estado. Defesa é um assunto tão estranho e aleatório ao brasileiro médio quanto um jogo de golf ou hugby. E a politicagem de plantão sempre, invariavelmente, acompanha tal alienação do populacho eleitor. Se educação, saúde, justiça e saneamento básico são tratados do jeito que são no Brasil, que se pode dizer da aquisição de caças para a força aérea brasileira...
O brasileiro acredita e bota fé nas suas ffaa's menos por suas capacidades de defender o país, do que pelas suas muitas ingerências no mundo do assistencialismo social reinante no país desde 1822, complementando, ou mesmo substituindo, que é a regra, os organismos civis do poder público no seu mister. E tudo isso é visto como natural, tanto pela sociedade, que aplaude e vê nisso utilidade prática para a manutenção das ffaa's, e pelos políticos, que usam e abusam dos recursos da caserna a seu bel prazer e interesses com a desculpa de atender a sociedade.
Lembrando um pouco do histórico da caça no Brasil, é preciso dizer que a FAB nunca foi uma força exatamente voltada para a sua missão primária no Brasil, ao contrário, a maioria dos seus projetos desde o fim da guerra em 1945 sempre esteve voltado para missões secundárias, ou complementares, como se diz. E isto foi feito ao longo de décadas, criando uma cultura dentro e fora das ffaa's que hoje seria muito difícil de tirar, e mesmo questionar. Nem os militares engolem o fato de alguém querer tirar-lhes a pecha de "mão amiga" do país. Mesmo que isso lhes trouxesse melhorias exponenciais no sentido de atender sua missão primária.
Entre os P-47 e os Gloster Meteor, levamos quase 10 anos para se tomar uma decisão de substituição. Uma vez baixados estes últimos, tivemos mais duas décadas na prática sem um vetor de caça efetivo, com o país tateando no escuro com versões de caça de jatos treinadores, como o F-8 e Xavante. Somente no final da década de 1960 a FAB interveio em favor da caça e aludiu a criação de um sistema de defesa aérea e a compra dos Mirage III que só chegaram no início dos anos 1970. E foram complementados pelos F-5E\F pouco depois, com os AMX chegando no final da década seguinte.
Se passaram quase 30 anos para a FAB tomar nova decisão em favor da substituição dos jatos franceses, que continuaram operando neste tempo todo sem modernizações ou atualizações que lhe aumentasse as capacidades. E começamos com pouca pretensões, com apenas 12 aeronaves, depois 24, e por por fim 36 unidades. Os F-5 tiveram melhor sorte e foram modernizados no começo dos anos 2000, com sua retirada planejada até 2015, o que obviamente não aconteceu. Os AMX tiveram menos sorte neste aspecto, com apenas 9 unidades modernizadas. Pois bem, o projeto FX que visava em princípio tirar os Mirage III de cena, evolui para a substituição de toda a frota de caças, prevendo-se até 108 unidades, o que a nível de Brasil é uma quantidade gigantesca, e claramente questionável por todos, vide a completa inépcia do assunto na sociedade e meio político. E o FX teve que esperar 15 anos para uma decisão. E teremos que esperar quase outros 15 anos até termos apenas 36 caças, e sem perspectivas de outros lotes no curto e médio prazo.
Por fim, revendo um pouco da história da caça no Brasil, é possível perceber que ela nunca foi de fato um ativo de primeira importância no planejamento estratégico da FAB, que sempre priorizou questões acessórias à implantação e organização do poder aeroespacial nacional. E fez muito bem, aliás, visto que se não fosse as ações da FAB neste campo, muito provavelmente estaríamos hoje dependentes ainda de fornecedores estrangeiros para tudo nesse país em termos de aviação. E a Embraer sequer existiria. Mas ela pagou um preço como força armada muito alto para apor ao Brasil tudo o que ele tem hoje no setor aeroespacial e aeronáutico. Ao que parece, desde 2022 o comando da força aérea deu uma guinada completa em relação aos objetivos de seus planejamentos, com a caça assumindo destaque no sentido de apor os recursos necessários à plena manutenção do cronograma de recebimento dos Gripen E\F. Mas não sem percalços. E eles são, e ainda serão muitos, em uma sociedade estritamente viciada e dependente das ações sociais militares, mas principalmente, do assistencialismo do Estado.