Irã ameaça suspender importações do Brasil se Petrobrás não abastecer cargueiros
Embaixador da República Islâmica em Brasília disse ter comunicado autoridades de que seu país pode procurar novos fornecedores de produtos agrícolas se governo não resolver a situação; em 2019, Teerã comprou US$ 1,3 bi de fornecedores brasileiros
https://internacional.estadao.com.br/no ... 0002936296
BRASÍLIA - O Irã ameaçou cortar as importações do Brasil se a estatal Petrobrás não reabastecer os dois cargueiros da República Islâmica que estão parados há semanas no Paraná por falta de combustível em consequência de sanções impostas pelos Estados Unidos.
Em entrevista à agência Bloomberg, o embaixador do Irã em Brasília, Seyed Ali Saghaeyan, disse que entrou em contato com as autoridades brasileiras na terça-feira, 23, para informar que seu país pode procurar novos parceiros para comprar milho, soja e carne se as autoridades brasileiras não resolverem a situação.
O cargueiro iraniano Bavand está parado perto do Porto de Paranaguá, no Paraná, por falta de combustível Foto: João Andrade/REUTERS
No primeiro semestre de 2019, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o Brasil importou US$ 26 milhões em produtos iranianos. A alta na comparação com o mesmo período de 2018 é de 800%. A ureia, um fertilizante, corresponde a 96% desse valor.
Em troca, o Brasil exportou US$ 1,3 bilhão para o Irã no primeiro semestre deste ano, uma alta de 23,85% na comparação com o mesmo período do ano passado. O principal produto da relação é o milho, responsável por 36% das vendas. A soja vem em seguida com 34%.
"Eu disse para os brasileiros que eles devem resolver essa questão e não os iranianos", afirmou Saghaeyan em um contato na embaixada na capital brasileira qualificado pela agência de notícias como raro. "Se (a situação) não for solucionada, talvez as autoridades em Teerã desejarão tomar decisões já que (o mercado de produtos agrícolas) é um mercado livre e outros países estão disponíveis."
Além disso, o embaixador confirmou que seu país considera enviar combustível para os dois navios, mas essa seria uma opção demorada e cara, segundo Saghaeyan. "Países grandes e independentes como Brasil e Irã devem trabalhar juntos sem interferência de terceiros ou de outro país", finalizou o diplomata.
Ainda de acordo com a Bloomberg, Saghaeyan pediu uma reunião com o ministro de Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, mas ainda não obteve resposta.
Crise entre Brasília e Teerã
Dois navios de bandeira iraniana, o MV Bavand e o MV Termeh, estão parados desde o início de junho no Porto de Paranaguá, no Paraná. Os cargueiros trouxeram ureia e voltariam carregados de milho, mas a Petrobrás teme punições americanas e se recusa a abastecer as embarcações, que estão na lista negra do Departamento do Tesouro dos EUA.
A estatal disse haver risco de ser punida nos EUA, por isso se negou a abastecer os navios iranianos. “Além disso, os navios vieram do Irã carregados com ureia, produto também sujeito a sanções americanas. Caso a Petrobrás venha a abastecer esses navios, ficará sujeita ao risco de ser incluída na mesma lista, sofrendo graves prejuízos”, afirmou a empresa.
Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que as sanções dos EUA ao Irã são um risco para as empresas brasileiras. “Existe esse problema. Os EUA, de forma unilateral, pelo que me consta, têm embargo levantado contra o Irã (na verdade, ele quis dizer “um embargo em vigor”). As empresas brasileiras foram avisadas do problema e estão correndo risco.”
Ele também disse estar alinhado aos EUA em relação ao tema, mesmo sem ter conversado com o presidente americano, Donald Trump. "Sobre esse assunto específico não (conversamos). Mas tem certas coisas que não precisa conversar. Estamos alinhados à política deles, então sabemos o que temos que fazer", disse.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, também opinou sobre o tema e disse ser a favor da suspensão da decisão liminar que obrigou a Petrobrás a fornecer combustível para as embarcações no Paraná.
No documento, Raquel afirma que a empresa não provou ter direito subjetivo de comprar o combustível da Petrobrás e que possui alternativas para adquirir o produto de outros fornecedores - o que é contestado pela importadora Eleva Química, que contratou os navios cargueiros iranianos.
Análise: Brasil entrou na crise entre EUA e Irã e tem muito a perder
De janeiro a junho deste ano, exportações brasileiras a Teerã somaram US$ 1,3 bilhão; impasse sobre navios iranianos na costa brasileira pode prejudicar o Brasil em suas relações comerciais
https://internacional.estadao.com.br/no ... 0002929490
O Brasil está nessa crise – é um cenário lateral ao quadro central. Tem muito a perder. O impasse no reabastecimento dos cargueiros Bavand e Termeh, atracados no Porto de Paranaguá com suas cargas de ureia e milho, precisa de solução rápida do Ministério das Relações Exteriores para não pôr em risco uma relação bilateral vantajosa para o País – este ano, de janeiro a junho, as exportações brasileiras para Teerã somaram US$ 1,3 bilhão. As importações ficaram em US$ 26 milhões. Há negociações preliminares entre governos envolvendo aviões comerciais, a ampliação da planilha de produtos agrícolas e a venda de serviços.
Para um diplomata do Itamaraty ouvido pelo Estado “a equação deve ser esclarecida logo para que o custo negativo não caia na conta brasileira e, pior, antes que haja desdobramentos” – uma referência à possibilidade de conflito no Oriente Médio entre coalizões lideradas pelos EUA e Irã.
Governo do Brasil poderia agir para resolver impasse sobre navios iranianos, diz analista
Em entrevista de Teerã, Mostafa Khoshcheshm lembra que governo alemão interveio para solucionar caso semelhante ocorrido no aeroporto de Frankfurt
https://oglobo.globo.com/mundo/governo- ... a-23825757
BRASÍLIA - O incidente envolvendo os navios iranianos atracados no porto de Paranaguá provocou apreensão no país do Golfo Pérsico e o receio da perda de um dos poucos parceiros comerciais ocidentais que restaram após as sanções americanas. Embora sem desconsiderar a preocupação da Petrobras em ser penalizada por fornecer combustível para as embarcações, iranianos avaliam que o governo brasileiro poderia atuar para contornar a situação. E que, dessa forma, sua omissão no caso pode sinalizar uma nova postura do Brasil em relação ao Irã.
— Vender combustível para um navio voltar pra casa não é uma grande coisa. Mas essa postura [do Brasil] indica que é um fator importante para o presidente de extrema direita Bolsonaro atender os interesses de Donald Trump. Se não, o governo de Brasília poderia facilmente solucionar a questão — afirmou ao GLOBO o analista político iraniano Mostafa Khoshcheshm, considerado próximo do regime iraniano.
O analista político faz um paralelo entre o caso dos navios ancorados no Brasil e o de um avião da companhia iraniana Iran Air que ficou há alguns meses sem combustível no aeroporto de Frankfurt, na Alemanha. Na ocasião, autoridades do aeroporto e empresas privadas se recusaram a abastecer a aeronave. Mas no fim, para evitar os efeitos das sanções americanas, o reabastecimento teria acontecido por meio de um caminhão-tanque, em uma extremidade do aeroporto, fornecido por companhia estatal.
— O que o governo do presidente Bolsonaro precisa levar em conta é que essa colaboração pode agradar ao presidente Trump, mas isso não vai mantê-lo satisfeito. Ele sempre quer mais, até mesmo dos aliados da Otan — complementa Khoshcheshm.
Ele também ressalta que as sanções unilaterais são ilegais porque ferem a Resolução 2231 do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, que ratificou o acordo nuclear assinado em 2015 entre Irã, Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido, Alemanha, França, Rússia e China. — Respeitar essas sanções unilaterais representa estender ao território brasileiro a vontade e as decisões dos Estados Unidos. E isso mina a independência e a soberania brasileira — complementa, em uma linha argumentativa que os iranianos usaram em tempos recentes para atacar a União Europeia.
O analista também lamenta a deterioração da relação entre os países, que são importantes parceiros comerciais e que mantêm semelhanças culturais.
Justamente pelas consequências que o incidente pode ter, os jornais iranianos e outras mídias ligadas ao regime evitaram dar grande destaque para o caso dos navios. Um diplomata estrangeiro baseado em Teerã observou que "interessa mostrar que o Irã pode ficar ainda mais isolado".
O principal assunto no país, portanto, continua sendo a crise da apreensão dos navios do Reino Unido pelo Irã e de uma embarcação iraniana pelos britânicos no Estreito de Gibraltar. Nesta segunda-feira (22), também foi destaque o desmantelamento de uma rede de supostos espiões da CIA que atuariam em território iraniano.
A Petrobrás, o agronegócio e os navios iranianos no Brasil
https://politica.estadao.com.br/blogs/f ... no-brasil/
Em princípio, a venda de combustível para os navios envolvidos naquelas operações excluídas do embargo deveria seguir o mesmo benefício, por isso, estranha-se a postura da Petrobrás neste caso específico. Não se deve afastar a possibilidade de a empresa estar apenas refletindo o alinhamento do atual governo aos desejos norte-americano, ainda quem em aparente detrimento às exportações do agronegócio brasileiro. Não podemos esquecer as primeiras manifestações do novo governo que geraram desconforto com os países árabes e com a China logo no início desta nova gestão.
Quanto à responsabilidade dos exportadores brasileiros em relação aos contratos de venda e compra do milho embarcado naqueles navios iranianos, a partir da assunção de que estes contratos tenham sido celebrados sob a cláusula FOB, acreditamos que não haverá maiores repercussões, salvo pela eventual perda de oportunidades futuras de novas negociações.
Impasse com navios iranianos no Paraná pode ter 'impacto desnecessário' e prejudicar exportações, dizem especialistas
https://www.terra.com.br/noticias/brasi ... uwveb.html
A carga seria dada em troca da compra das 100 mil toneladas de milho, avaliadas em cerca de R$ 100 milhões. O Irã é o quinto maior comprador do grão produzido no Brasil.
Para analistas, o impasse com os navios iranianos indica que o país está assumindo um lado nesse jogo, o que pode representar uma quebra de confiança nas relações comerciais que foram intensificadas ao longo dos últimos 20 anos.
"Se o Brasil não abastecer os navios com base no receio da Petrobras, o Irã vai começar a diversificar as opções e a substituir o Brasil. O Brasil entra no rol dos países não confiáveis na perspectiva do país de assegurar a segurança alimentar", diz um ex-integrante do governo.
"O dano na relação comercial é muito grande. E recai sobre os produtores brasileiros. Estamos falando de geração de emprego, de renda, o prejuízo é grande", diz a fonte.
Para Kai Kenkel, professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, o impasse faz lembrar as discussões em torno do impacto da transferência da embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, medida que desagradaria os países árabes e impactaria fortemente a exportação brasileira de carnes halal - com os animais abatidos de acordo com os preceitos islâmicos - para o mundo árabe.
"O Brasil é depende fortemente da exportação de commodities e precisa desses mercados, mas decisões tomadas na política externa afetam as exportações do agronegócio brasileiro", diz Kenkel. "A ironia é que uma parcela dessa indústria tem uma bancada forte que apoiou o Bolsonaro, mas pode se tornar alvo de represálias a partir de sua política externa."
Aproximação no governo Lula
O Brasil aumentou a aproximação do Irã durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que abriu as portas do país para a compra de produtos brasileiros.
"O Brasil vendia menos de US$ 1 bilhão para o ano para o Irã antes de 2002. Ao longo do governo Lula, as exportações foram crescendo exponencialmente. Em seu segundo mandato, houve um momento em que
90% de todo o frango consumido em Teerã vinha do Brasil", lembra Flavio Rassekh, coordenador da ONG United4Iran no Brasil, que atua na defesa de direitos humanos.
Rassekh lembra que o país de 70 milhões de pessoas vive um período de racionamento de alimentos e dificuldades de abastecimento, resultado de uma conjunção de fatores: além das sanções, o país saiu recentemente da maior seca dos últimos 40 anos, passou por uma enchente destruidora no primeiro semestre e enfrenta uma crise de crise de hiperinflação.
Com todas essas dificuldades, diz Rassekh, o Brasil até agora era um parceiro importante, com ampla oferta de alimentos para atender as necessidades do país. "Com o governo de Bolsonaro, isso tudo pode ser revertido, e o Irã pode ficar ainda mais isolado no cenário internacional."
Assim, para o Irã, substituir as importações não é uma tarefa simples. O país tem poucos parceiros no cenário internacional e sofre com o impacto das sanções. O Brasil até agora se comportava como um país neutro sob o ponto de vista comercial.
"O Brasil sinaliza que está se aproximando da estratégia do governo Trump, que aprova e embarca em sua estratégia. O que é o contrário do que vinha fazendo no passado, investindo em relações multilaterais", diz Oliver Stuenkel, da FGV-SP.
Stuenkel aponta que um dos preceitos da globalização é que o comércio entre países não deve ser baseado em alinhamentos políticos, mas observa a tendência de potências como os Estados Unidos e a China de usar o comércio como arma política.
"É perigoso o Brasil se envolver nesse tipo de conduta", considera.
"O comércio brasileiro tem como objetivo o desenvolvimento do país. É para gerar emprego, renda, e não para ser afirmar posicionamento político."
Apoio de Bolsonaro aos EUA contra Irã preocupa diplomatas e militares
Comentários do presidente sobre navios presos no PR indica mudança de posição histórica
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/201 ... ares.shtml
O episódio da retenção de dois navios iranianos perto do porto de Paranaguá (PR) abriu uma nova crise interna no Itamaraty e já preocupa a cúpula das Forças Armadas.
Nem tanto pelo impasse em si, já que a maioria dos diplomatas e militares ouvidos concorda que a Petrobras corre risco de sofrer sanções dos EUA caso abasteça os cargueiros, mas pelo alinhamento automático à posição americana anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL).
A primeira leva 50 mil toneladas de milho e a segunda espera para descarregar uma carga do insumo de fertilizantes ureia para embarcar 66 mil toneladas do grão para o Irã em troca.
Ambos os navios estão na lista de embarcações que podem gerar sanções secundárias, ou seja, para quem colaborar para sua operação.
Por isso a Petrobras, que tem ações negociadas nos EUA, está se negando a abastecê-los e a disputa com a empresa Eleva foi parar no Supremo Tribunal Federal.
No domingo (21), Bolsonaro ressaltou sua proximidade com o presidente americano Donald Trump e disse estar alinhado aos EUA no aperto econômico contra os aiatolás.
Entre diplomatas, há a certeza de que a eventual escalada da crise no Golfo Pérsico, que desemboca em conflito entre EUA e o Irã, levará a um inédito apoio explícito do Brasil a Washington.
Aqui entram generais da ativa, que temem qualquer iniciativa que possa acarretar riscos de segurança.
Dois deles, ouvidos pela Folha, afirmam que o país pode entrar na rota de grupos associados à teocracia iraniana, como o palestino Hamas ou o libanês Hizbullah.
Sempre é lembrado em conversas o fato de que a vizinha Argentina já foi alvo de um grande atentado contra instituição judaica em 1994, atribuído a terroristas islâmicos.