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Mensagem
por PQD » Seg Mar 17, 2008 9:38 am
O método ‘caveira’ no Haiti
Tropa de Elite da PM do Rio é convidada para treinar a polícia no processo de paz em Cité Soleil
Vânia Cunha
Rio - As táticas de ação do Batalhão de Operações Especiais (Bope), moldadas nos violentos confrontos em favelas, vão cruzar as fronteiras das comunidades cariocas e chegar ao conhecimento da polícia do Haiti, que vive momento de transição da guerra para a manutenção da paz nas cidades. Em visita ao país, na última semana, integrantes da tropa de elite da PM fluminense foram convidados por Luiz Carlos da Costa, representante especial adjunto do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), para treinar a força policial do Haiti, que passa por um processo de reestruturação.
“A idéia é enviar equipes do Bope para ensinar aos haitianos técnicas de progressão em favelas, as mesmas que ensinamos a policiais daqui e que também foram repassadas à tropa do Exército brasileiro que atua nas missões de pacificação daquela região”, explicou o comandante do Bope, coronel Pinheiro Neto. A polícia do Haiti tem efetivo de pouco mais de oito mil homens, mas depois de anos de guerra, está sem treinamento e equipamentos adequados.
A proposta, que está em negociação entre a ONU e a Secretaria de Segurança do Rio, incluiria também a implantação de quatro delegacias no Haiti, baseadas no projeto das nossas Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (Deams). “O trabalho do Bope e o das Deams foram muito elogiados pela ONU. Querem o treinamento da polícia local, feito pelo Bope, e montagem das delegacias. Ainda pensamos em quem enviar da Polícia Civil, mas deve ser a delegada Inamara (Pereira Costa, titular da Divisão de Polícia de Atendimento à Mulher)”, adianta o subsecretário de Segurança, Márcio Derenne, que acompanhou a visita ao país.
Durante uma semana, 40 homens do Bope, da secretaria e da Polícia Civil conheceram as instalações e a atuação da Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (Minustah) em Cité Soleil. A viagem de ida, num jato da Força Aérea Brasileira, foi feita em dois dias, devido às várias escalas para pegar contingente brasileiro que seguiria para o Haiti.
“Quando sobrevoamos Cité Soleil, pensei que tivesse voltado para o Rio, de tantas favelas que vimos. É um soco no estômago. Milhares de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza, muito triste. Quem vai lá pela primeira vez precisa de tratamento psicológico na volta”, afirmou Pinheiro. A cidade não tem água, energia elétrica nem saneamento.
TROCA DE EXPERIÊNCIA
Os homens de preto trocaram experiências e participaram de operações noturnas com o Exército brasileiro. Eles também verificaram se os soldados aplicavam as lições aprendidas com o Bope. A segurança do país é feita por sete mil homens da ONU, dois mil da polícia das Nações Unidas, além da polícia do Haiti. O Bope conheceu ainda equipamentos utilizados, como armas modernas, blindados, escavadeiras para retirada de barricadas — que a Secretaria de Segurança quer usar no Rio — e helicópteros com câmeras. “Se houver investimento em estrutura e equipamentos, é possível realizar aqui o mesmo trabalho de pacificação nas comunidades. Mas é preciso fazer mudanças. Meus blindados, por exemplo, estão no fim da vida útil”, diz Pinheiro Neto.
Para Derenne, o legado que a tropa trouxe de volta ao Brasil é um melhor planejamento, além de mais missões conjuntas entre as polícias Militar e Civil e investimentos em capacitação, equipamentos e melhores salários. “Planejamento e ação são as nossas missões. Espero, em dois anos, ter cumprido isso.”
A INCURSÃO BRASILEIRA
O salão do Clube Militar está lotado, diante do general Gilberto Figueiredo, presidente da instituição, e de um homem alto, de cabelos negros e sem dois dos dedos da mão direita, que discursa para uma platéia silenciosa. Generais idosos e cansados de guerra se levantam e rompem o silêncio com perguntas, e, naturalmente, sem reverência. “Barroso, me conta uma coisa”, dizem eles. Paciente, o coronel Cláudio Barroso Magno Filho responde às perguntas sobre os seis meses em que comandou a Força Jauru, integrante do 6º Contingente Brasileiro a integrar a Minustah, missão da Organização das Nações Unidas no Haiti.
A palestra segue, com ilustrações e projeções. De vez em quando, um filme. O coronel não esconde a emoção com algumas cenas. Dias depois, afirmou: “É difícil não se emocionar diante de tanta miséria, de famílias sem alternativas, mesmo a gente tendo se preparado para ver isso. Claro que a gente vai endurecendo no dia-a-dia”, explicou Barroso Magno.
A Força Jauru chegou ao Haiti em 18 de dezembro de 2006 e três dias depois já estava em um confronto feroz com uma das gangues que ocupavam os bairros Boston e Cité Soleil, na capital Porto Príncipe. Em sua maioria, eram quadrilhas formadas por 70 a 100 bandidos, sempre armados com fuzis, que promoviam seqüestros de empresários, turistas e crianças — sem contar o estado de terror imposto aos outros moradores dos miseráveis distritos da capital.
Além da força, muita estratégia contra as gangues para tomar Cité Soleil. Barroso Magno criou a Jauru Air Force, uma esquadrilha de quatro aeromodelos guiados por controle remoto. Em meio ao clima de guerra, os pequenos aviões levavam câmeras para o levantamento da área a ser atacada e espalhavam panfletos com propaganda pacifista nas comunidades. “O inimigo, para minha tropa, não era o bandido armado, e sim a falta de autoridade e de ordem, a falta de esperança”, lembra.
Ao voltar, a decepção: Barroso foi reformado como coronel, mesmo tendo, no passado, sido primeiro colocado em todas as escolas militares e cumprido sua missão. Vão-se os dedos — os dele, numa gangrena durante treinamento —, ficam as mãos, muitas que aplaudem o oficial ao fim da palestra. O evento acaba e o oficial reflete: “O Haiti, de maneira nenhuma, é aqui”.
Cabeça dos outros é terra que ninguem anda... terras ermas...