Ao lado de Putin, Macron denuncia propaganda russa
Presidente francês recebeu esta segunda-feira o homólogo russo, Vladimir Putin, em Versalhes.
Uma provocação oculta numa pergunta foi suficiente para o Presidente francês, Emmanuel Macron, fazer algo que nenhum outro líder fez ao lado de Vladimir Putin – criticar os media patrocinados pelo Kremlin. Macron acusou esta segunda-feira o canal de televisão Russia Today (RT) e o site de notícias Sputnik de se terem comportado como “órgãos de propaganda” durante a campanha eleitoral.
O pretexto da visita de Putin a Paris era o terceiro centenário da visita do czar Pedro, o Grande, à corte francesa no Palácio de Versalhes, em 1717, e servia para relançar as relações entre os dois países. Mas nenhum dos dois líderes escondeu as divergências que os afastam – e que, nos últimos anos, lançaram as relações entre a União Europeia e a Rússia para o nível mais baixo desde a Guerra Fria – embora tenham preferido abordar aquilo que os une.
As palavras de Merkel e o pragmatismo de Macron
A “prioridade das prioridades”, como definiu Macron, é a luta contra o terrorismo no Médio Oriente, materializado no grupo jihadista Daesh, que tem inspirado ataques terroristas em solo europeu. Os dois líderes prometeram intensificar a cooperação entre para tentar encontrar uma solução para o conflito sírio, incluindo a formação de um “grupo de trabalho” entre responsáveis russos e franceses.
“Estou convencido de que os interesses primordiais da França e da Rússia ultrapassam os pontos de fricção”, garantiu Vladimir Putin. Confrontado com alguns dos temas mais espinhosos das relações bilaterais – como a visita da líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, a Moscovo, durante a campanha eleitoral, ou a alegada intervenção de hackers russos –, o Presidente francês respondeu assumindo-se como um “pragmático”. “Falámos das eleições francesas quando o Presidente Putin ligou para me felicitar”, esclareceu.
O foco no combate ao terrorismo passa, porém, pela guerra na Síria, onde os dois países apoiam lados em confronto. Moscovo é o principal aliado do regime do Presidente, Bashar al-Assad, enquanto a França faz parte da coligação internacional liderada pelos EUA que bombardeia posições do Daesh e apoia grupos que querem a saída de cena de Assad. França já acusou Moscovo de crimes de guerra na Sìria. Putin defendeu que “não se pode lutar contra a ameaça terrorista destruindo o Estado sírio”.
Apesar de se mostrar empenhado em assegurar uma colaboração com a Rússia na Síria, Macron enunciou as suas “linhas vermelhas”, que promete não ultrapassar: a utilização de armas químicas e a garantia de acesso de ajuda humanitária às populações civis cercadas pelo Exército sírio. O Presidente francês disse ainda que as negociações que decorrem em Astana – mediadas pela Rússia, Turquia e Irão – “não conseguem resolver o conflito”.
A "mancha" no encontro
O momento mais tenso teve a ver com as eleições francesas. Uma jornalista da RT questionou a decisão de Macron ter proibido a presença de jornalistas da televisão no quartel-general da sua candidatura na noite da segunda volta das presidenciais. “Sempre mantive uma relação exemplar com os jornalistas estrangeiros, desde que sejam jornalistas. A RT e a Sputnik comportaram-se como órgãos de influência [durante a campanha], difundiram mentiras sobre a minha pessoa e por isso excluí-os”, afirmou Macron.
Os dois media russos foram acusados por Macron de disseminar “informações falsas”. Na altura, a proibição levou a uma reacção por parte do Governo russo, com a porta-voz, Maria Zakharova, a dizer tratar-se de uma “decisão escandalosa”.
Em causa estão várias notícias publicadas nas edições francesas dos dois órgãos sobre uma hipotética relação homossexual que Macron terá escondido e também de acusações de que o então candidato teria desviado dinheiro para uma conta offshore. Durante toda a campanha eleitoral, os servidores do movimento En Marche! foram alvo de ciberataques, que provenientes de proxies ucranianas e russas, segundo a campanha de Macron.
É conhecido o papel dos media financiados pelo Kremlin para fazer avançar a agenda política do Governo russo. Os serviços secretos norte-americanos, por exemplo, acusaram Moscovo de interferir nas eleições presidenciais dos EUA através da difusão de notícias falsas e propaganda, em órgãos como a RT e o Sputnik. Mas a forma frontal como Macron qualificou os dois media como “órgãos de propaganda” é pouco comum, especialmente num momento em que recebia o líder russo – que não se pronunciou.
Macron tocou ainda noutros pontos diplomaticamente sensíveis, como as acusações de que as autoridades tchetchenas estão a perseguir os homossexuais. “Recordei ao Presidente Putin a importância, para a França, do respeito por todos os grupos de pessoas”, afirmou Macron.
Com o convite a Putin, logo depois de uma cimeira do G-7 (grupo do qual a Rússia está suspensa desde a anexação da Crimeia, em 2014), o Presidente francês pretende evitar um isolamento de Moscov. Quer explorar potenciais parcerias no combate ao terrorismo. Tanto a França como a Rússia foram alvo, nos últimos anos, de atentados inspirados pelo Daesh.
Para Putin, a visita a Versalhes representa uma oportunidade para mostrar que, apesar do ponto baixo nas relações entre Moscovo e a União Europeia, as parcerias entre a Rússia e a Europa ocidental continuam a ser relevantes. A sua prioridade é o levantamento das sanções económicas impostas desde 2014 por causa da interferência russa na Ucrânia. “Aproveito a presença de jornalistas de todo o mundo para deixar o apelo de que é necessário acabar com todas as limitações às trocas internacionais”, afirmou Putin.
joao.ruela@publico.pt.