Especialistas acreditam na relação dos tubos de pitot com o desastre
As hipóteses
COMBINAÇÃO DE FATORES
Dennis Joseph Lessard, chefe do Departamento de Ciência Aeronáutica da Universidade Aeronáutica Embry-Riddle, em Prescott (Arizona)
Todo desastre aéreo é dotado de uma cadeia de eventos que resultam na perda da aeronave. Quem garante é Dennis Lessard. Presidente da companhia Aviation Safety Associates e membro da Sociedade Internacional de Investigadores da Segurança Aérea (Isasi, na sigla em inglês), ele já acumulou 6 mil horas de voo e tem acompanhado com atenção as notícias sobre o voo 447 da Air France. “Os pilotos tentaram rodar ou subir para além da tempestade. O problema é que o avião, em grande altitude, fica na margem do limite operacional. A turbulência, associada às tempestades e à baixa performance da máquina, poderia ter afetado a estabilidade da aeronave, deixando-a fora de controle”, explicou. Lessard crê que as tentativas do piloto de recuperar o avião podem ter determinado a ruptura da máquina em pleno voo. “Provavelmente, o aparelho começou a se desintegrar quando perdia velocidade, por causa do intervalo entre as mensagens automáticas”, sugere. De acordo com ele, as caixas-pretas, se um dia forem recuperadas, poderão revelar se os sistemas de medição da velocidade do vento funcionavam mal devido a problemas mecânicos, elétricos ou de congelamento. “Não sei se o raio foi um fator determinante, porque geralmente as descargas elétricas não são uma ameaça a uma aeronave”, disse.
DEFEITO NO TUBO DE PITOT
John Hansman, professor de aeronáutica e astronáutica e diretor do Centro Internacional para Transporte Aéreo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)
Pelo menos um dos sistemas do sensor de velocidade aérea do A330-200 (tubo de Pitot) estava com defeito, o que levou o controle de voo fly-by-wire a mudar de normal law para alternative law. É o que acredita o norte-americano John Hansman, professor de aeronáutica de um dos institutos mais prestigiados do mundo, o MIT. “É possível que a incorreta velocidade do ar foi usada pelo piloto automático, que poderia ter aumentado ou reduzido a velocidade a um ponto no qual o controle da aeronave não era mais possível”, afirma. Segundo ele, se o sensor indicava lentidão, o autopiloto aumentou a propulsão e a velocidade. “Se a velocidade real do vento era muito intensa, então é possível que ondas de choque se formaram nas asas e impulsionaram o nariz do Airbus para baixo, aumentando a velocidade”, explicou. Esse problema era comum durante a década de 1960. De acordo com Hansman, uma tempestade pode influenciar os sensores de velocidade do ar de muitas maneiras. “Ela pode congelá-los ou mesmo danificá-los por causa do granizo. Mas os sensores também podem ter sido avariados pela turbulência ou por um raio”, acrescenta.
RAIOS OU DESMAIO DOS PILOTOS
Patrick Smith, piloto comercial norte-americano, autor do livro Pergunte ao piloto
Talvez os detalhes exatos do trágico destino do voo AF-447 jamais sejam conhecidos. No entanto, para o piloto Patrick Smith, a essência do acidente parece clara: a tripulação do A330-200 foi vítima de uma terrível tempestade. Segundo ele, temporais nas chamadas zonas de interconvergência tropicais são quase sempre poderosos, apesar de isolados e de fácil circunavegação. “As questões principais são como os tripulantes entraram nessa área turbulenta e o que aconteceu por lá”, diz. Smith analisou um gráfico das condições meteorológicas no horário e na região do desastre e concluiu que uma manobra para passar sobre a tempestade representaria um grande desvio para a esquerda. “Acho que, com base nas informações que a tripulação tinha, eles seguiram como se não houvesse perigo”, opina. Para o piloto, o AF-447 foi surpreendido por um ataque incomum de raios, que, por sua vez, detonaram uma série de falhas elétricas, levando à perda dos instrumentos de voo e à descompressão da cabine. Em pouco tempo, os controles de voo se degradaram. “Sob diferentes condições, nada disso é catastrófico. Mas, na agonia de uma tempestade e em meio à escuridão, é outra história”, ressalta, acrescentando que provavelmente o Airbus se rompeu em pleno voo. Outro cenário possível: os pilotos desmaiaram, por causa da despressurização. “Pela forma que o sistema de pressurização do A330 é desenhado, a perda de pressão na cabine pode resultar em falhas elétricas”, garante Smith. Com a tripulação “inutilizada” e o piloto automático desligado, o avião teria ficado fora de controle rapidamente. O piloto não descarta uma falha nas turbinas, causada pela ingestão de granizo ou pela extrema turbulência — o que explicaria a perda de pressão da cabine e a perda de controle. A teoria de congelamento dos sensores externos perde força, segundo Smith, pelo fato de esses aparelhos serem aquecidos. “O acúmulo de gelo teria de ser incrivelmente rápido e intenso e precedido por falhas elétricas.”
FORTES VENTOS E NEGLIGÊNCIA
William “Bill” Waldock, cientista aeroespacial que acumula mais de 25 anos de experiência em investigação de desastres aéreos e leciona na Universidade Aeronáutica Embry-Riddle, em Prescott (Arizona)
A tempestade de 150km de comprimento que se estendia a leste do Arquipélago de Fernando de Noronha colaborou para o trágico destino do voo AF-447. No entanto, segundo Waldock, o clima não foi o único importante fator para o desastre. O especialista revisou as estimativas dos ventos ascendentes do temporal de 31 de maio e conclui que as turbulências teriam sido suficientemente fortes para descontrolar o Airbus A330-200, mas não poderosas o bastante para causar o rompimento da aeronave no ar. “O comandante provavelmente desconectou o piloto automático manualmente, o que tornaria mais fácil pilotar o A330-200 pela turbulência”, explica. A hipótese de Waldock para a tragédia é, portanto, um conjunto de fatores: a ausência do piloto automático, os fortes ventos e o congelamento dos tubos de Pitot (que só poderiam ocorrer caso a tripulação deixasse de ativar o sistema antigelo dos sensores — ou seja, negligência). O cientista cita dois casos nos quais os tubos de Pitot foram bloqueados: em 1º de dezembro de 1974, um Boeing 727-200 da Northwest Airlines caiu no estado de Nova York , matando três pessoas; em 6 de fevereiro de 1996, a queda de um Boeing 757-225 da Bergen Air deixou 189 mortos perto de Puerto Plata, na República Dominicana. “Ambos os aviões caíram porque os tripulantes se focaram em indicadores de velocidade do vento que faziam uma leitura errada da altitude”, lembra. Waldock explica que o bloqueio dos tubos de Pitot transforma o indicador de velocidade do vento em altímetro com falsa interpretação dos dados. “Quanto mais alto o avião voar, maior será a indicação de velocidade do vento, independentemente da real velocidade do aparelho”, acrescenta.
TEMPESTADE E PERDA DE CONTROLE
Harro Ranter, holandês, fundador da entidade Aviation Safety Network, que registra todos os acidentes aéreos no planeta
A fundação que ele criou em janeiro de 1996 registra 14 mil desastres aéreos, sequestros de aviões e outros incidentes. No site da Aviation Safety Network (Rede de Segurança em Aviação, em uma tradução livre), as tragédias no ar estão catalogadas por ano, país, causa, companhias aéreas e aeroportos. A queda do A330-200 da Air France é destaque na página, que traz vídeos, fotos e uma ampla narrativa em inglês. Em entrevista ao Correio, o holandês Harro Ranter, 37 anos, afirma ser mais crível que a tempestade tenha colaborado com a tragédia. “Mudanças repentinas na velocidade e na direção dos ventos, com rajadas de ar ascendentes e descendentes, podem levar o piloto e a máquina a reagirem de diferentes meios”, explica. “Não é possível dizer como as coisas ocorreram com precisão, caso não tenhamos as caixas-pretas.” Ranter acha possível que os pilotos tenham perdido ou controle do A330-200, mas afirma que isso necessariamente não foi produto de erro ou falha humana. “O avião estava em uma posição ou em uma altitude da qual não seria recuperado. É muito difícil retomar o controle de um Airbus em meio ao escuro e à inexistência de um horizonte discernível do lado de fora”, acrescenta.
VELOCIDADE ERRADA
John Knox, professor de geografia da Universidade da Georgia, nos Estados Unidos
Especialista em turbulências, o norte-americano John Knox acredita que uma combinação sinérgica de fatores climáticos derrubou o A330-200. “O cenário mais plausível é o de que a turbulência fez com que o avião excedesse seus próprios limites, levando-o para além de uma velocidade segura”, afirma. Segundo ele, esse risco é conhecido pelos próprios pilotos. “É por essa razão que a ‘velocidade de penetração da turbulência’ precisa ser abaixo da velocidade do som (340m/s no ar)”, explica Knox. O meteorologista afirma que os múltiplos alertas enviados pelo Sistema de Comunicação e Reporte (Acars, pela sigla em inglês) em um curto espaço de tempo corroboram com a tese de que o A330-200 sofreu uma pane estrutural. Uma suposta falha na interpretação de dados pelos sensores do tubo de Pitot pode ter levado os pilotos a aumentarem a velocidade ao ingressar na área turbulenta, deixando a aeronave exposta a possíveis danos. “Isso pode ser um exemplo de como um fator climático (congelamento, afetando os tubos de Pitot e alterando a medida da velocidade do ar) pode se combinar com a turbulência”, comenta. Ele destaca que o A330-200 voava através de nuvens cúmulos-nímbus de 16,7km de altura, quando os sistemas ficaram “confusos”. Knox avaliou um mapa meteorológico do Oceano Atlântico Sul e praticamente descartou a influência de descargas elétricas na queda do Airbus. “As tempestades oceânicas têm menos raios do que as terrestres”, analisa.
DESPRESSURIZAÇÃO
Ivan Sant’Anna, especialista em desastres aéreos e autor de Caixa-preta e Plano de ataque
Piloto amador e autor de livros sobre acidentes aéreos, o carioca Ivan Sant’Anna, 69 anos, prefere se focar no que não ocorreu com o Airbus A330-200 da Air France. Por telefone, ele contou que o fato de as Forças Armadas terem anunciado o resgate de cadáveres inteiros sugere que o avião não caiu de bico. “Se fosse assim, haveria apenas pedaços de corpos.” Ivan acredita que a aeronave caiu em um ângulo de descida mais ou menos suave. De acordo com o escritor, é preciso determinar se os cadáveres resgatados estavam com os cintos de segurança afivelados, o que indicaria que provavelmente foram surpreendidos por uma despressurização súbita. “A possibilidade mais forte é que aconteceu algo muito grave lá em cima que matou todo mundo”, aposta. “Uma carga pode ter se deslocado do compartimento de bagagens, batido com violência na parede do avião e produzido um buraco.” Ivan não descarta a possibilidade de abertura da porta do bagageiro, em pleno voo, ou do rompimento de uma janela ou porta. O especialista acha muito pouco provável que as caixas-pretas sejam recuperadas. “É preciso encontrá-las até 30 dias depois da data do acidente, porque depois elas param de emitir sinais. A caixa-preta tem apenas 40cm e não boia”, afirma. Segundo Ivan, problemas com os tubos de Pitot já derrubaram duas aeronaves. “No México, abelhas fizeram uma colmeia sobre o sensor. Em outro incidente, o funcionário do aeroporto se esqueceu de colocar a capa protetora do tubo de Pitot. No entanto, a tese se esbarra na ausência de pedido de socorro, por parte do piloto.”
SEM DADOS SUFICIENTES
Ronaldo Jenkins, especialista em segurança de voo com experiência de piloto da Força Aérea Brasileira (FAB) e da aviação comercial
“Não temos pistas suficientes para estabelecer um raciocínio lógico. Não existe nada que possa determinar uma sequência de eventos.” Assim o comandante Ronaldo Jenkins anunciou sua recusa em especular sobre o que levou o A330-200 a cair no Oceano Atlântico. Questionado sobre um possível bloqueio do tubo de Pitot, ele admitiu que isso induziria uma manobra errada do piloto. “Apenas isso não é determinante para provocar um acidente”, garante. No entanto, Jenkins admite que um encadeamento de falhas no tubo de Pitot e no sistema elétrico da aeronave, aliado a uma forte turbulência, poderia levar a uma tragédia. Ao contrário de Ivan Sant’Anna, Ronald Jenkins acredita que as caixas-pretas podem ser encontradas e elucidar os motivos da catástrofe. “Estamos falando de um equipamento que emite sinais durante 30 dias, de uma série de navios equipados com sonar, de submarinos modernos”, lembra. “Temos um contingente de técnicos e material suficiente para isso.”
http://www.fab.mil.br/portal/capa/index ... a_notimpol