Por Jason Vogel, O Globo, 12 de outubro de 2010.
Atualizado em 04 de novembro de 2011.
A réplica brasileira do Kübelwagen. (Jason Vogel)
RIO - Faz dois anos que ouvimos falar pela primeira vez da réplica brasileira do Kübelwagen. Alexandre Penatti, um engenheiro de Itu, no interior de São Paulo, estava reproduzindo em sua oficina o jipe militar com mecânica Volkswagen que fora usado pelas tropas alemãs na Segunda Guerra Mundial.
Projetado por Ferdinand Porsche, o Kübelwagen Typ 82 original era valente em combate: graças a seu motor traseiro refrigerado a ar, não fervia no Deserto do Saara, nem congelava no front russo. Muito leve (750 quilos) e com fundo liso, passava por atoleiros sem necessitar da tração 4x4 que fez a fama de seu rival americano, o Jeep Willys.
Ao longo da guerra ocorrida de 1939 a 1945, foram fabricados 50 mil exemplares do Kübelwagen, mas a imensa maioria foi destruída nas batalhas ou logo depois da derrota de Hitler. Os que restaram são hoje disputados por colecionadores.
Mecânica para fazer uma réplica fiel do jipe alemão no Brasil é o que não falta - ainda há um monte de Fusca e Brasília rodando por aí. Mas e a aparência?
Entusiasmados, mandamos as fotos do protótipo feito em 2008 a João Barone, baterista dos Paralamas do Sucesso e nosso consultor sobre veículos da Segunda Guerra. Seu veredicto quanto à aparência da réplica não foi nada bom. Um banho de água fria - e assim se passaram dois anos...
Semanas atrás, Penatti nos enviou imagens de seu Kübelwagen mais recente - já é o quarto jipe feito na pequena oficina de Itu. Pintado de cinza, o bicho parecia muito apresentável e bem mais fiel do que o primeiro protótipo.
Barone desta vez se animou e quis ver réplica de perto. Calhou de haver um show dos Paralamas em São Paulo e, quando percebemos, já estávamos em um avião, ansiosos para tomar de assalto a viatura tedesca-ituana.
Fomos recebidos no aeroporto de Campinas pelo falante Penatti, que logo contou a história:
- Não conhecia o Kübelwagen, até que vi a foto num livro e fiquei louco. Resolvi fazer um.
Jipeiro e fabricante de kits para baja buggy, Penatti obteve mais fotos do jipe alemão e conseguiu suas medidas originais.
A construção começa por um esqueleto de metal, que depois é revestido com chapas de aço dobradas. Os vincos da lataria, originalmente estampados, são reproduzidos na réplica com pequenas réguas metálicas. Os para-lamas são de fibra de vidro.
Nesse meio tempo, uma plataforma de Fusca ou Brasília é preparada para receber a roupa de Kübelwagen. Sobra só o túnel central do chassi com as suspensões. Retentores, freios, borrachas, tudo é trocado ou revisado. O motor vai para a retífica. Pneus lameiros Maggion, medida 5.60x15, são montados em aros feitos especialmente para o jipe.
Mecânica pronta, é hora de fixar a carroceria.
- É bem mais leve que a de um Fusca. Dois homens conseguem levantar - diz Penatti.
Dois homens, aliás, é o efetivo completo da oficina de 80m² em Itu: além do dono e projetista Penatti, quem bota a mão na massa é Almir Santos, pintor, lanterneiro e o que mais for necessário para terminar um Kübelwagen.
Haja imaginação para deixar o carro com a aparência original. Os faróis são de trator e o Notek traseiro (luz de blecaute) é feito a partir de uma forma de pão.
Depois do chicote elétrico, é feita a pintura. O ideal é que seja em Dunkelgelb (amarelo escuro) ou Panzer Grau (cinza), as cores mais usadas pelas viaturas militares alemãs na Segunda Guerra.
Por fim, o acabamento, as forrações e os ajustes finais. Não deu certo? Corta e fura novamente, tudo na base da dedução... O resultado é interessantíssimo, cada vez mais próximo do original.
Por fora, parafusos aparentes prendendo as chapas da carroceria são a maior diferença em relação ao Kübelwagen alemão.
- O próximo carro já vai sair sem eles. Comprei uma máquina de solda mig - comunica Penatti, todo feliz.
Cada jipe leva 120 dias para ficar pronto e sai por R$ 35 mil, já incluídas mecânica, capota e alteração nos documentos.
Chega, enfim, a hora de dirigir o carro e tocamos para um loteamento sem casas.
Enquanto o Kübelwagen original tinha um motorzinho VW de 985cm³ e 25cv, seu neto de Itu é equipado com mecânica de Brasília de 1.584cm³ e 60cv. Ou seja: há força de sobra.
Barone, que já dirigiu um Kübel de verdade, diz que o modelo original é "preso" (havia caixas de redução nos cubos dos rodas, como nas Kombi antigas) e faz muito ruído de transmissão. Já o modelo de Itu anda forte. Sobra motor.
Como tem carroceria mais leve que a da Brasília, o jipinho é extremamente macio ao passar por buracos. Com um enorme volante de três raios, a direção fica levinha, parece hidráulica.
Tentamos encarar um morro com lama mais fofa e o jipe não subiu. O Kübel original também era 4x2, mas tinha diferencial autoblocante. Uma sugestão simples para Penatti é que use um sistema de freio de mão seletivo, como o dos antigos Gurgel.
Os bancos são muito verticais e não têm apoio lateral. O nome do modelo, aliás vem de >sav<Kübelsitzwagen (carro com bancos em forma de balde), termo que também se aplicava a outros veículos militares alemães.
As únicas críticas do detalhista Barone são quanto à ergonomia e às proporções do interior:
- Mas quando a gente começa a rodar, esquece dessas frescuras - diz nosso consultor.
Para nossa surpresa, a carroceria não torce e o Kübel de Itu não faz ruídos metálicos - o único barulho que se ouve é do galão de gasolina extra, preso sobre o para-lama. As portas abrem e fecham direitinho, sem esforço.
Encaramos também uma estrada bem asfaltada e o jipe da Segunda Guerra mostrou-se à vontade para acompanhar o trânsito de 2010.
Assim, passamos uma manhã de diversão. Abaixar o para-brisa e sentir o vento no rosto é uma delícia - a melhor experiência automobilística que tivemos este ano. Na hora de ir embora, a vontade era transferir nosso prisioneiro alemão para o Rio.
Fonte:
https://oglobo.globo.com/economia/tomam ... ra-2940582