Voltamos com a “Coluna do Leitor”. Hoje o leitor Marcos Jr., do site Minuto Produtivo, parte de conceitos básicos sobre o que é a inflação para mostrar o quanto a preocupação quanto ao seu retorno por aqui tem razões de ser que não se explicam por teorias conspiratórias amalucadas.
Afinal, o que é inflação?
“[...]a inflação foi uma conquista desses dez últimos anos do governo do presidente Lula e do meu governo.” (Dilma Rousseff)[...]
Antes de falar de fato sobre o assunto é necessário fazer uma breve explicação sobre o que é inflação. Isso servirá de base para comentar o tema e a conspirata do “lobby do tomate”.
A inflação significa a perda do poder de compra da moeda de um país. Também pode ser traduzida pela alta generalizada de preços na economia.
Ela pode trazer efeitos negativos para o funcionamento da economia, uma vez que: ela produz distorções econômicas, pelo fato dos preços não subirem simultaneamente; causa concentração de renda, pois a população mais pobre tem menos possibilidades de se defender, enquanto a população mais rica pode reajustar sua renda ou recuperá-la, por exemplo, no mercado financeiro; por fim, pode inibir o investimento produtivo, causando impasse no crescimento econômico, uma vez que ambientes com alta inflação podem dificultar o cálculo de ganhos, perdas e as comparações, atiçando ganhos especulativos, levando o governo a se defender com o aumento da taxa de juros.
A teoria econômica trabalha basicamente com três explicações para a inflação, a saber:
· Inflação de demanda: quando existe muita demanda (dinheiro) para pouca oferta (bens e serviços). Os keynesianos usam a aceleração excessiva da economia, defendendo uma política monetária restritiva (diminuindo o dinheiro em circulação) e uma política fiscal contracionista (o que leva a redução da demanda). Os monetaristas atribuem a inflação ao descontrole monetário do governo devido aos excessos fiscais (promove emissão de moeda para cobertura de déficits, desvalorizando-a). Neste caso, existe uma defesa maior da política monetária em detrimento da fiscal;
· Inflação de custos: é basicamente gerada por duas fontes. 1) aumentos de salários ou lucros que não são proporcionais à produtividade; 2) choques de oferta (provocados por situações naturais, como quebras de safra, ou provocados por situações políticas, como o racionamento de energia de 2001 e a crise cambial de 2002).
Para esse caso, recomenda-se usar a política monetária apenas para evitar a propagação desses choques por toda a economia, bem como outras opções mais eficazes, como a maior abertura para importações ou as negociações de preços e salários entre governo, empresários e sindicatos de trabalhadores.
· Inflação inercial: diagnosticada aqui por economistas brasileiros que elaboraram diversos planos de combate à inflação que culminaram no Plano Real. Trata-se da indexação generalizada na economia: preços, impostos, salários, contratos e aluguéis são reajustados com base em alguns índices de inflação. Assim, a alta generalizada de preços é “empurrada” para frente, realimentando a inflação.
E como a inflação se tornou preocupação no governo Dilma?
Para entender como ela voltou a aparecer como um dos principais temas de discussão no que se refere à economia brasileira (assim como o PIBinho), precisamos voltar um pouco no tempo – 2010, ainda no governo Lula.
A economia brasileira, naquele ano, cresceu 7,5% (o melhor resultado em quase um quarto de século), ainda que a inflação tenha fechado consideravelmente acima do centro da meta (5,9%, 1,4% acima do centro, mas 0,6% abaixo do teto da meta – é permitida uma tolerância de 2% para mais ou para menos).
Tal desempenho em plena crise econômica mundial (presente até hoje) somado a outros fatores acabou garantindo a eleição de nossa Presidenta da República.
Ainda no segundo semestre de 2010, as expectativas apontavam para um crescimento menor porém ainda expressivo do PIB (5,5%) e uma inflação menor (5%) no ano seguinte.
E, então, começa 2011. Dilma Rousseff toma posse como a primeira mulher a ser presidente do Brasil. Parecia que os bons tempos que a economia viveu sob o comando de Lula continuariam. Apenas parecia. A inflação não só não cedeu como ultrapassou o teto da meta (6,5%) ainda no primeiro semestre do ano. Após várias altas sucessivas de juros e um corte bilionário no orçamento, a inflação conseguiu cravar o teto. Quanto ao crescimento, as previsões foram revistas sucessivamente, até que no final o país cresceu 2,7%. Era o início de um novo padrão de crescimento econômico, o PIBinho.
No final de 2011, mais expectativas: apesar do recrudescimento da crise econômica iniciada em 2008, esperava-se uma inflação menor, porém ainda acima do centro da meta (5,4%) e um crescimento do PIB entre 4% e 5%, impulsionado pela sequência de desonerações para diversos setores produtivos.
E chega 2012. Com ele, as baixas prometidas (IPI reduzido para automóveis e linha branca são alguns exemplos).
A inflação, de fato, ficou menor em comparação ao ano de 2011, apesar de que, no final, continuou acima do previsto inicialmente (5,8%).
Porém, o crescimento econômico, que era tão aguardado por conta das reduções de impostos não ocorreu. Pior, diferente do ano retrasado, em que o valor real era metade do esperado, o crescimento econômico fechou o ano passado em “incríveis” 0,9%.
Um quinto em relação ao esperado, o que fez com que o primeiro biênio do governo Dilma se tornasse um dos piores em desempenho do PIB nos últimos 20 anos.
Para 2013, uma previsão um pouco mais cautelosa para o crescimento da economia (em torno de 3%). A inflação foi fixada em 5,7%. Mais uma vez, acima do centro da meta. Ah, para 2014, no que se refere à alta generalizada de preços, idem.
Só com base nisso (e nos conceitos de inflação, especialmente os relacionados a de demanda e à inercial), já dá para pensar em como tal tema virou (ou terá/teria de virar) preocupação no governo atual. Até porque, se as previsões para 2013 e 2014 se confirmarem, o governo Dilma fechará sem conseguir chegar ao centro da meta de inflação. E diferente da gestão anterior, nem um crescimento do PIB (normalmente uma taxa alta de tal variável pode alimentar a inflação) que justifique isso é esperado.
Para se ter uma ideia de que realmente há motivo para colocarmos as barbas de molho, este mês a inflação acumulada em 12 meses está próxima de 6,6%, acima do teto da meta. Na última reunião do Copom, o Banco Central decidiu fazer uma pequena elevação na taxa básica de juros (de 7,25% a.a. para 7,5% a.a.) como forma de “domar a fera”.
A tese do “lobby do tomate”. E por que eu diria que ela é estapafúrdia.
Antes de falar sobre a tese do “lobby do tomate”, é necessário que se explique o porquê do tomate ter entrado nessa jogada. Devido às fortes chuvas, que levaram a prejuízos na safra, e o diesel mais caro (afinal, nosso país tem a brilhante ideia de se transportar por longas distâncias usando rodovias) fez o preço do principal ingrediente da salada quase que triplicar nos últimos 12 meses.
Consequência simples, óbvia e lógica: o tomate virou um dos vilões da inflação neste ano, com direito a piadas repetidas ad nauseam nas redes sociais.
Pouco antes da reunião que sacramentaria a alta da Selic (após mais de seis meses sem aumentar), algumas pessoas (defensoras mais exaltadas do governo, ou, melhor, do partido que hoje está no poder) resolveram defender a tese de que “setores da imprensa conservadora, elitista e golpista, aliados à oposição e a especuladores financeiros que não observam mais no Brasil uma chance de ganhar mais dinheiro” estariam usando o tomate como fator de pressão para que o Banco Central aumentasse a taxa de juros. Mas, claro, por que cargas d’água ninguém pensou nisso antes?
Bem, a contra-argumentação precede de duas hipóteses: a primeira, de que realmente tais setores malignos para o Brasil (mwahahahaha!), usaram o tomate como “arma” para justificar o aumento da Selic.
Mas qual o conceito de inflação mesmo? Ah, se trata de uma alta generalizada de preços na economia de um país, certo?
Certo! Com base nisso, qual a chance de que mexer em um indicador macroeconômico (como a taxa de juros) com base na alta do preço de UM produto? Simplesmente ridícula, para não dizer zero! Se esses lobistas que torcem tanto contra o nosso incrível e maravilhoso país conseguiram convencer o Copom a subir a Selic por causa do aumento de um único produto, parabéns a eles por que a lábia que eles tiveram para convencer Tombini e sua trupe foi impressionante! Quanto aos membros do comitê, a lixeira para jogar seus livros de economia é logo ali.
Tá, mas vamos pensar que essa explicação não convenceu, ou ainda considerar a segunda hipótese: de que o “lobby do tomate” é apenas um nome simbólico (assim como o tomate apenas é um mero símbolo do atual momento da inflação), para dizer que existe uma pressão da imprensa, da oposição e de especuladores financeiros para que a taxa de juros aumentasse de forma a aumentar os ganhos no Brasil (ora, não é mais fácil dar nome aos bois? Para quê, então, esse rodeio todo? Ah, antes de mais nada, não estou afirmando necessariamente que esse lobby não existe). Tomemos então as explicações sobre a inflação (especialmente a inercial) e seus efeitos negativos, além de claro, uma breve identificação dos fatos:
· Em 2010, a inflação fechou acima do centro da meta;
· Em 2011, também. Mais precisamente, fechou no TETO da meta;
· Em 2012, também;
· Neste ano, espera-se que ela feche acima do centro da meta. E neste momento está, inclusive, acima do TETO da meta;
· E, para o ano que vem, a expectativa é a mesma: acima do centro da meta;
· Em tempo: diferente de 2010, NÃO está havendo um crescimento do PIB que justifique tais valores de inflação.
Se a equipe econômica do Governo Federal não está conseguindo cumprir a meta estabelecida de inflação e espera que isso também se repita para o próximo ano, das duas, uma: ou o centro do target não é realista ou simplesmente não está sendo feito o esforço necessário para se chegar a esse resultado (uma possibilidade não necessariamente exclui a outra).
E se pensarmos que o conceito de inflação inercial também se aplica às expectativas futuras, temos uma verdadeira armadilha para este ano: a expectativa da inflação para o ano que vem pode tornar difícil o combate à atual, que no final torna mais difícil ainda o combate dessa para o próximo ano.
Considerando isso e os fatos apresentados, além de que ambientes com alta inflação podem servir de isca para aqueles que querem ganhar dinheiro com especulações, poderíamos dizer que na melhor das hipóteses, supondo que o “lobby do tomate” venceu, o governo ajudou a “se derrotar”.
Resumindo: de qualquer forma querer colocar os especuladores financeiros no centro do problema, apenas para tirar a culpa do governo federal na condução da economia, me soa um tanto infundado.
Só lembrando que o tomate já deixou de ser o vilão da inflação. O feijão e o leite são os candidatos a serem os próximos.
Encerrando
Diferente de três anos atrás, os ventos favoráveis à nossa economia pararam de soprar. E, sim, devemos estar de olho na alta dos preços dos produtos e serviços no Brasil. Até porque, além dos dados apresentados, nos próximos anos espera-se uma forte demanda, principalmente dos turistas estrangeiros, devido aos grandes eventos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Se considerarmos que nossa capacidade produtiva pode não ser suficiente, pode estar por vir um momento de forte pressão inflacionária. Quem viver, verá.
Marcos Jr.
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