CARRO DE COMBATE EE-T1 OSÓRIO - "A MAIOR DE TODAS AS CHANCES"
10 Junho 2003
1ª Parte Histórico e Resultados
No Brasil, o momento propício para desenvolvimento de uma indústria voltada para itens de defesa ocorreu a partir do início dos anos 70 até o final dos anos 80.
A partir daí, o mundo passa por grandes transformações, o mesmo ocorrendo no Brasil, guardadas as devidas proporções, gerando aqui o quase aniquilamento de uma indústria de ponta altamente desenvolvida e sofisticada, com um grande futuro, devido, principalmente, à falta de visão estratégica, somados a uma incompreensão da sociedade brasileira e da classe política que não se preocupou em defender e clamar pela sua sobrevivência. Outro fator negativo foi a disputa interna entre as empresas, na tentativa de competição aniquilarem umas às outras, além da competitividade internacional que, no limiar do século XXI, voltou a oferecer produtos usados a preços módicos como forma de não ver países do terceiro mundo, com algum lampejo de galgar um patamar entre as nações mais desenvolvidas.
O Início
Em meio a todos esses acontecimentos, uma empresa brasileira tentou, no início dos anos 80, dentro de um cenário mundial altamente favorável até então, com a bipolaridade bem presente e uma grande disputa por mercados ávidos em equipamentos bélicos modernos, projetar e construir um Carro de Combate Brasileiro, com premissas tecnológicas inéditas, na expectativa de uma competição com carros de combate já existentes, no momento em que a expansão na aplicação da eletroeletrônica passava a interagir com a mecânica.
É importante salientar que, tanto a ENGESA como a BERNARDINI, ao partirem para conceber o Carro de Combate Brasileiro, guiaram-se por requisitos básicos operacionais elaborados pelo Exército Brasileiro, o qual, tinha como espinha dorsal nas unidades de carros de combate o americano M-41, não pensavam em substituí-los por um conceito MBT (Main Battle Tank), muito distante de nós, tanto que o carro deveria estar na casa das 35 toneladas e tinha limites de tamanho em função das pranchas ferroviárias brasileiras. O fato é que a ENGESA com uma visão mais ambiciosa e percebendo que poderia atender também ao mercado externo, como a Arábia Saudita, Abu-Dhabi, Grécia, Turquia e Omã, partiu para uma sofisticação maior. A outra competidora a BERNARDINI se ateve ao TAMOYO III, versão final do seu projeto, pois tentava se manter o mais fiel possível àqueles requisitos. Outro fator importante é que - todo o desenvolvimento seria arcado pelas empresas envolvidas em seus respectivos projetos, incluindo produção de protótipos, que após serem homologados pelo Exército poderiam vir a ser adquiridos em algumas centenas de unidades para mobiliarem as unidades de Carros de Combate.
A idéia de construir-se um carro de combate moderno, sofisticado e com capacidade de competir com o que havia de mais moderno no mundo, baseado na tríade PODER DE FOGO, PROTEÇÃO e MOBILIDADE tem sido um grande desafio até mesmo para os países mais desenvolvidos do mundo. A predominância prevista pela ENGESA seria mobilidade e poder de fogo sobre a proteção.
Os Caminhos
De imediato pensou-se em parcerias; os alemães nos ofereceram o seu Marder (Thyssen-Henschel) com canhão de 105mm, com o nome de Leopard 3, que no vizinho país tornou-se o TAM (Tanque Argentino Mediano). Pensou-se também em fazê-lo com outra empresa alemã, a Porsche. Os conceitos dos Leopardos 1 e 2 são da empresa alemã produtora de carros esporte), mas não houve receptividade por parte do governo alemão e tentou-se uma parceria com a sul-africana Armscor, para blindagem, a qual não se concretizou em razão dos problemas internos da África do Sul.
A solução encontrada foi desenvolver um projeto próprio, agregando-lhe o que de mais moderno existia no mercado, optando-se por fazer dois modelos, um para uso interno e outro para exportação, nascendo desta forma a idéia de um Carro de Combate com canhão raiado de 105mm (L7/M68) e outro de alma lisa com um de 120mm (GIAT G1) para exportação, cada um deles com seu grau de optrônicos e demais equipamentos, que recebeu a designação de EE-T1 e posteriormente acrescentado "Osório", em homenagem ao patrono da cavalaria brasileira. Já a versão da Arábia Saudita recebeu o nome de Al Fahd, nome de seu monarca. Surgiu assim mais um produto da empresa Engenheiros Especializados S/A – ENGESA
O projeto surgiu em 1982, utilizando o então sofisticado programa dos grandes computadores CAD/CAM e iniciando-se em 1983 a construção em tamanho real de um mock-up, e a seguir a construção do primeiro chassi, que rodou pela primeira vez em setembro de 1984, batizado com a tradicional bebida brasileira, a cachaça. A seguir passou a ser submetido a severos testes num campo de provas da própria empresa, recebendo a designação de P.0. Uma torre e canhão falsos foram a ele incorporados para mostrar o mais real possível como seria sua configuração, recebendo pintura camuflada e emblemas do Exército Brasileiro.
Em razão de não serem dominados tecnologias importantes, como blindagem e torre com seus optrônicos e a integração de sistemas avançados optou-se pela ajuda externa. No caso da blindagem e design do veículo, por contratar serviços de dois renomados engenheiros dessa área, Gerald Cohron e Alan Petit e a partir destes estudos cogitou-se em desenvolver uma blindagem composta com cerâmica e aproveitar a blindagem bimetálica, cujo conceito previa uma grande dureza externa e grande maneabilidade interna, que havia sido produzida na USIMINAS e trabalhada pela ELETROMETAL (Campinas-SP), aplicada com sucessos nos Cascavel e Urutu, que seria aplicada a algumas partes do carro, pois no arco frontal do chassi e torre, era previsto a composta( metal-cerâmica). Nenhum dos dois protótipos hoje existentes possuem a blindagem prevista pela ENGESA, uma vez que paralelamente ao desenvolvimento do veículo, estudava-se também o da blindagem e foram iniciados estudos para desenvolver a blindagem reativa, muito embora nenhum dos protótipos tivesse sido preparado para recebê-las.
No caso das torres (sistema de tiro e armamento), encomendou-se duas, nos respectivos modelos para canhões de 105 e 120mm, intercambiáveis entre elas, à empresa inglesa Vickers Defence System, que a utilizou também num modelo experimental denominado Vickers Mark 7, mas que não foi produzido em série.
Outros itens foram importados como a suspensão hidropneumática Dunlop, as lagartas Diehl, transmissão ZF( LSG3000 ), da Alemanha, periscópios com visão noturna, telêmetro laser e computador de tiro OIP da Bélgica, enfim o que de mais moderno havia no mercado. Descrição e Avaliação Técnica dos Componentes e do Veículos será feita na parte 2 dessa série.
A primeira torre chega ao Brasil em maio de 1985 e é imediatamente acoplada ao chassi do veículo, que recebe a designação de P.1. Após exaustivos testes ele é embarcado em um avião B747 Jumbo de carga, para a Arábia Saudita, em julho do mesmo ano para participar de uma avaliação para a escolha de concorrentes para uma grande licitação que previa a compra de aproximadamente 800 carros de combate, que poderia se desdobrar em outra vendas a diversos países da região.
Os objetivos principais da Engesa era mostrar que de fato existia um carro de combate brasileiro e aprimorá-lo para desempenho naquele tipo de terreno característico de deserto.
O veículo impressionou as autoridades Sauditas que além dele escolheram mais três para participarem da concorrência que ocorreria em 1987, sendo eles o AMX-40 da França, o Challenger da Inglaterra e o M-1 A1 Abrams dos Estados Unidos.
Sem dúvida foi uma grande vitória para o produto brasileiro, oriundo de um país sem tradição alguma nessa área e competindo com o que de melhor havia naquele momento.
A partir de então, os dois protótipos se mantiveram, um, para o Exército Brasileiro e outro para o Exército Saudita, e testes oficiais, feitos pelo Exército Brasileiro, com a versão armada com canhão de 105mm iniciaram em 16/12/1986 e finalizaram em 14/04/1987, gerando dois relatórios, o RETEx (Relatório Técnico do Exército) e o RETOp (Relatório Técnico Operacional), ambos emitidos pelo Exército Brasileiro e muito favoráveis.
Estes testes compreenderam percorrer 3.269km dos quais, 750, no Campo de Provas da Marambaia, em terreno arenoso, no Rio de Janeiro, para avaliarem a mobilidade do carro. Dispararam 50 tiros de 105mm, neste mesmo campo, para avaliação da torre e de seus equipamentos.
O Carro de Combate EE-T1 Osório surpreendeu os militares brasileiros, gerando grande empolgação e esperanças de se ver as unidades blindadas equipadas com ele no futuro.
Nesse período foi construído o P.2 que incorporava todos o itens para exportação e exigidos para a concorrência na Arábia Saudita no ano de 1987 e em Abu Dhabi, 1988.
Na versão P2 estava previsto um canhão de 120mm Rheinmetall, mas devido às restrições impostas pelo governo alemão, optou-se pelo modelo francês, de alma lisa, da GIAT, que mais se adaptava ao projeto, descartando-se o modelo inglês em razão de o mesmo ser raiado e sua força de recuo incompatível com o Osório, que pesava 42 toneladas.
Já os periscópios, dois deles eram franceses SFIM; o do atirador, com visão diurna e telêmetro laser; o do comandante, panorâmico (360º) com os mesmos recursos do periscópio do atirador. Já o terceiro, com visão e tiro noturnos, escolheu-se um modelo PHILLIPS USFA, holandês, com infravermelho e monitores de televisão para o comandante e atirador. Os controles de tiros eram da MARCONI.
Tamanha era a sofisticação dos controles de tiro, que uma "janela de coincidência", analisava a posição do canhão e a mira do atirador, permitindo que ele só disparasse durante as oscilações, e que seu alinhamento fosse coincidente com o dos periscópios, fator que possibilitava grande acerto no primeiro tiro.
O chassi do Osório, estrutura monobloco soldado composto por chapas blindadas monometálicas e bimetálicas, com aplicação de blindagem composta no arco frontal foi projetado com pequenos ângulos de incidência e baixa silhueta para maximização da proteção balística. Externamente possui saias laterais em aço blindado, para proteção das lagartas e sistemas da suspensão.
O monobloco foi dividido em compartimentos para tripulação e power pack, separados por uma parede "corta fogo" e estrutural, com isolamento térmico-acústico. O compartimento do power pack possui três tampas em aço blindado bimetálico, permitindo fácil acesso ao mesmo, com aplicação de grades balísticas em suas entradas e saídas. Sua suspensão é composta de seis unidades hidropneumáticas de cada lado, dispostas externamente ao monobloco.
O sistema de freio do Osório, inovador, combina a atuação de um retardador integrado à transmissão com o conjunto freio hidráulico principal e de emergência, comandada automaticamente por um microprocessador eletrônico que considera a velocidade do veículo e a desaceleração desejada, proporcionando uma frenagem constante e eficaz. O Osório possui ainda um sistema de freio hidráulico de emergência, independente do principal, que opera sempre que este apresente algum tipo de pane e um sistema de freio de estacionamento, de acionamento manual.
O trem de rolamento desse Carro de Combate é constituído por lagartas, rodas de apoio, rodas tensoras, mecanismo tensor e roletes de suporte. A lagarta é Diehl, composta de 92 sapatas fundidas em aço de alta resistência a abrasão com guia central incorporada. As sapatas são conectadas por duplo pino e conectores com extensão para reduzir a pressão sobre o solo, possuindo amortecimento interno visando a diminuir a transmissão de vibração ao monobloco e o nível de ruído. Cada sapata é composta de dois pads de borracha removíveis e o tempo de montagem e desmontagem é de aproximadamente quarenta minutos. As rodas de apoio foram fundidas em aço de alta resistência e abrasão e emborrachadas, sendo seis conjuntos de cada lado, o mesmo ocorrendo com as rodas tensoras, em número de duas e os roletes de suporte fundidos em aço e emborrachados, sendo três de cada lado.
A Produção do Osório
Existe hoje uma grande confusão acerca de quantos Carros de Combate EE-T1 Osório foram realmente construídos pela Engesa, mas o que foi possível constatar é o seguinte:
Tirando o mock-up, foram construídos cinco carros, que deveriam ter sido designados de 1 a 5, mas não o foram. Na realidade quatro foram operacionais, ou seja, o P.0 foi o primeiro; tinha uma torre e canhão falso para mostrar como seria a configuração final do carro, sendo que um meio de identificá-lo com facilidade é reparar-se o conjunto de seis rodas, pois todas são vazadas. Ele foi apresentado nas cores e com emblemas do Exército Brasileiro. Chegou a operar com a torre do que viria a ser o P.1, normalmente aparece muito em catálogos da Engesa, tendo sido desmanchado pela própria empresa.
Já o modelo P.1 armado com canhão de 105mm, na realidade existiram dois, um foi o que participou da primeira fase da concorrência na Arábia Saudita em 1985, sendo o meio mais fácil de identificá-lo é que foi o único a possuir escapamento lateral, bem acima da última roda de apoio próxima à roda tratora. Ele ainda chegou a testar a torre de 120mm do que viria a ser o P.2. no Brasil. Quando ele voltou da Arábia Saudita foi quase todo desmanchado e diversas modificações foram nele efetuadas, surgindo assim a versão P.1 versão Exército Brasileiro, que é o que se encontra hoje no 2º R.C.C. em Pirassununga, SP, e que iria a leilão no ano passado, tanto que o chassi e a torre são idênticos ao P.2.
O modelo P.2 foi a versão Arábia Saudita, equipada com canhão de 120mm e que participou da concorrência de 1987 naquele país e em 1988 em Abu-Dhabi e que hoje se encontra também no 2º RC.C., par do P.1 que iria a leilão.
Quando da falência da Engesa, existia um quinto carro que era o cabeça de série da versão Arábia Saudita, cujo chassi estava quase que totalmente concluído, quando foi interrompida sua produção, sendo posteriormente sido destruído e vendido como sucata.
Isto também explica a existência de três motores, um no P.1, um no P.2 e um outro que consideramos reserva, mas que seria o do cabeça de série.
A designação P.1 e P.2 foi dada apenas para diferenciar o Protótipo 1 com canhão de 105mm (versão Exército Brasileiro) e Protótipo 2 com canhão de 120mm (versão exportação, no caso Arábia Saudita) e o nome do carro sempre foi EE-T1 Osório ou Al Fhad, muito embora tenha sido cogitado o nome EE-T2 para o P.2, isto nunca foi formalmente oficializado, sendo às vêzes usado na Empresa entre parte do pessoal.
Dez Anos de Agonia
Em 1993 foi decretada a falência da ENGESA e todo o conhecimento ali desenvolvido foi literalmente desfeito, muita coisa vendida como sucata, seus empregados ficaram lançados à sua própria sorte, muitos mudando de ramo definitivamente, outros indo para o exterior, parando no tempo o conhecimento até aquele momento desenvolvido. Sua biblioteca reduzida a papel picado e vendido a peso; quatro leilões puseram um fim aos prédios principais da empresa, em São José dos Campos e Barueri, ambos no estado de São Paulo.
Diversos veículos na linha de montagem não foram terminados; muitos, sucateados, como o cabeça de série do EE-T1 Osório da Arábia Saudita, cortado a maçarico e vendido como ferro velho. O maquinário teve o mesmo destino, quando não sucateado, era vendido a muitos interessados em pequenas quantidades, muitos ainda hoje em uso em diversos locais.
Alguns protótipos foram desmanchados pela própria empresa quando ainda em concordata e seus componentes devolvidos aos fabricantes estrangeiros como forma de pagamento; as carcaças foram sucateadas; restam uma ou outra em poder de colecionadores, mas todas incompletas, como o caso do EE-18 Sucuri II e EE-T4 Ogum, além de caminhões e outros blindados. Já outros foram tomados como garantia para pagamento das dívidas da empresa, como os dois protótipos do EE-T1 Osório (P.1 e P.2), dois EE-3 Jararaca, um EE-T4 Ogum (P.1), um EE-11 Urutu versão de exportação que competiu nos Estados Unidos, diferente de todos os do Exército Brasileiro, que hoje estão depositados junto ao 11º Esquadrão de Cavalaria Mecanizada – Esquadrão Anhanquera em Pirassununga, aguardando uma decisão judicial.
Em 2002 foi formalizado o leilão dos Osórios, avaliados ambos em incríveis quatrocentos mil reais. Surgiu um pretendente ofertando, pelos dois, trezentos mil reais. Só para se ter uma idéia, a Engesa gastou cinqüenta milhões de dólares para desenvolver todo o projeto do Osório e cada carro, pronto, seria vendido na faixa de dois milhões e meio de dólares.
Mas, justiça seja feita, após uma mobilização feita através do Site
http://www.defesanet.com.br/ e noticiado pela Folha de São Paulo, sensibilizando o Exército, foi possível reverter este processo e finalmente, neste ano (2003) os Osórios foram oficialmente entregues e entronizados no 2º Regimento de Carros de Combate de Pirassununga, garantindo desta forma sua preservação em estado operacional não só para as gerações futuras que poderão ver este tributo à capacidade tecnológica brasileira, mas também para servir de parâmetro a uma melhor compreensão e desenvolvimento futuro da arma blindada no Brasil.