O mais potente de todos
Já pensou como foi criado o mais potente motor que a Formula 1 já conheceu? Tenho a receita em meu bolso. Papel e caneta na mão.
Fonte:
https://www.ricardoeletro.com.br/Pedido/Status/1524193
Pegue um pequeno bloco 4 cilindros 2.0L de ferro fundido, ano-base 1961, usado em modelos de rua. Reduza-o para 1.5L – sim, é isso mesmo, reduza para que esteja dentro das regras. Junto a toda uma parte baixa móvel bem reforçada (pistões, virabrequim etc.), coloque cabeçote de alumínio com 16 válvulas em duplo comando bem nervoso. Agora providencie uma injeção mecânica direta de combustível alemã parecida com a usada em motores diesel nos anos sessenta, gerida por um sistema eletrônico Bosch bastante primitivo. Está anotando?
O próximo passo é redimensionar bombas e radiadores para água e óleo – este, obviamente sintético. Agora coloque no conjunto um turbo monstruosamente grande, com um intercooler tão grande quanto. Garantido: você vai passar de usuais 80 cavalos para, acredite, 650 cv. E com um pouco de pesquisa e paciência, vai chegar ao patamar estratosférico de uns 1400 cv – isso se conseguir dinamômetro para aferir tudo isso.
Antes que alguém diga que é sandice, eu retruco: isso é História.
Esta foi a receita básica usada pelo brilhante engenheiro alemão Paul Rosche para a criação do propulsor BMW M12/13 Turbo, o mais potente de todos os tempos. Esse motor foi usado entre 1982 e 1987, no auge da Era Turbo, um período dos mais fantásticos que a F1 já teve.
A Ligier usou Megatron sem sucesso - este é Piercarlo Ghinzani, Spa 1987 - Clique para ampliar
O turbo, como se sabe, foi introduzidos na F1 pela Renault no GP da Grã-Bretanha de 1977, na estreia da equipe. Tudo não passava de uma aposta furada até o GP da França de 1979, disputado no “anti-tilkeano” traçado de Dijon-Prenois. A Reggie, que havia lançado o modelo RS10 quatro GPs antes, estreou nova configuração do motor EF01, que passava a ser biturbo – um para cada bancada de cilindros do V6.
Jean-Pierre Jabouille ganhou a prova com autoridade e René Arnoux chegou em terceiro, após se engalfinhar com Gilles Villeneuve naquele que é considerado um dos mais fantásticos duelos roda-a-roda de todos os tempos. A vitória de um motor turbo certamente mudou os rumos do esporte por toda a década seguinte. Era uma homeopática sentença de morte para o Ford-Cosworth DFV, que já prestava serviços à F1 há mais de década.
A raposa Bernie Ecclestone não tardaria em perceber o quanto esta nova filosofia de motores era importante para o futuro da ascendente Brabham. Isso casou com o interesse da BMW em ingressar na F1, impulsionada pelas ideias do próprio Paul Rosche e do então diretor de competições, Jochen Neerpasch - logo substituído por Dieter Stappert. Em 24 de abril de 1980, um acordo entre Brabham e BMW foi fechado.
Teo Fabi e a bela Benetton-BMW, Silverstone 1986 - Clique para ampliar
A opção pela configuração 4 cilindros em linha parece um tanto esdrúxula ao primeiro olhar, mas fazia todo sentido. A BMW tinha o bem-sucedido bloco M12 usado no turismo europeu e na F2, filho direto do bloco M10 criado em 1961 para a linha de passeio da marca. E essa configuração estreita ajudava em muito o pirado projetista Gordon Murray a “cavar” ainda mais as laterais da Brabham para extrair efeito-solo de modo mais eficiente possível.
Enquanto Paul Rosche e equipe seguiram os passos da grosseira receita acima descrita, Bernie convocou Nelson Piquet para desenvolver tudo isso na pista, o que aconteceu a partir de abril de 1981 na pista de Paul Ricard. Este período certamente ajudou Nelson a amadurecer seu espetacular feeling para acerto e desenvolvimento de carros de competição.
A primeira unidade, segundo relata a própria BMW, tinha cerca de 650 cv, conseguidos com uma gasolina especial desenvolvida por uma subsidiária da Basf chamada Wintershall, em conjunto com a Castrol. A concorrência, que jurava se tratar de uma fórmula ilegal, maldosamente chamava-a de “combustível de foguete”. O M12/13 pesava, com turbo e intercooler, 170 kg - uma âncora se considerarmos que os motores atuais da F1 têm apenas 95 kg (mas, claro, sem nenhum charme).
Nem Rosche, nem Piquet, nem Murray e nem os técnicos de eletrônica da Bosch sabem ao certo precisar a miríade de motores e turbos que espetacularmente explodiam durante os trabalhos de aperfeiçoamento. Os problemas, entre outros, iam desde simples questões estruturais (de tão forte, motor e turbo torciam o chassi), termodinâmicas (radiadores e intercooler precisavam ser enormes e bem instalados) e o complicado funcionamento do sistema eletrônico que comandava a injeção mecânica direta Kugelfischer – injeção hoje considerada obra de arte e disputada à tapa por preparadores e tunadores, pois há muito não é mais fabricada.
A escalada de potência foi vertiginosa. Segundo material do site Gurneyflap.com, especializado em carros de competição “aposentados”, da primeira unidade, com 650 cv, o motor alcançou seu auge de potência em 1986, mas sempre estimada e jamais precisada, pois desde 1984 o M12/13 havia ultrapassado os 1250 cv que o dinamômetro da BMW conseguia aferir.
Nos anos seguintes a 1986, quando a BMW se retirou e os motores restantes foram rebatizados como Megatron (Arrows e Ligier), surgiu a famigerada válvula pop-off que limitava a pressão do turbo, primeiramente em 4 bar em 1987 e depois para drásticos 2.5 bar no último ano da Era Turbo, em 1988.