Miguel Frasquilho
9.3%: O défice que José Sócrates quis?!...
Já se sabe que a relação do primeiro-ministro (PM) com as contas públicas é muito complicada. Não pelas contas públicas em si, mas porque José Sócrates (JS) insiste em fazer avaliações e declarações absolutamente surpreendentes e que em nada...
Já se sabe que a relação do primeiro-ministro (PM) com as contas públicas é muito complicada. Não pelas contas públicas em si, mas porque José Sócrates (JS) insiste em fazer avaliações e declarações absolutamente surpreendentes e que em nada abonam a sua imagem. De facto, já em 2006 JS tinha puxado para si louros a propósito da redução do peso da despesa pública no PIB que, afinal… não lhe deveriam pertencer1. E, ainda em Julho do ano passado, o PM dizia, a propósito do défice público de 2007 - 2.6% do PIB, o menor na história da democracia - que "está para nascer o primeiro-ministro que tenha feito melhor do que eu com o défice"2. Sucede que, depois de 2007 vieram 2008 e 2009 - e, com o ano passado, veio também um défice público de 9.3% do PIB, conhecido há quinze dias - o défice mais alto de sempre em democracia. Sendo que, para 2010, os 8.3% projectados para o défice surgem na terceira posição nesta escala. Parece, assim, justificado, que os portugueses possam pensar que está para nascer, isso sim, o PM que faça pior com o défice do que JS…
Julguei que, em matéria de contas públicas e de declarações, digamos, "espantosas" por parte do PM não poderia ser mais surpreendido… Puro engano meu!... É que, ainda na semana passada, e no rescaldo do conhecimento do tal défice de 9.3% do PIB referente a 2009, JS não se coibiu de referir que "decidimos aumentar o nosso défice não por descontrolo, mas para ajudar a economia, as empresas e as famílias", tendo vincado que "o défice orçamental português aumentou por uma boa razão, [aumentou] para responder à crise". Para o PM, "o facto de o Estado Português ter decidido aumentar o seu défice foi para resolver os problemas e numa dimensão em linha com as outras economias". E considerou que o aumento do défice de 2007 para 2009, de 6.7 pontos percentuais (pp) do PIB, estava em linha (até abaixo) com o verificado nos países do G-20 (6.9 pp) e da OCDE (6.8 pp). Finalmente, JS ainda revelou que "foram os gastos adicionais do Estado Português os causadores do aumento do défice". Helas!... Ora vejamos.
Primeiro. Desde que o défice de 2009 foi conhecido, quer o ministro das Finanças, quer o governador do Banco de Portugal referiram, por mais do que uma vez, que a dimensão do buraco orçamental tinha sido uma verdadeira surpresa. O que está em conformidade com o facto de, no segundo Orçamento Rectificativo para 2009, discutido no Parlamento em Dezembro último, Teixeira dos Santos ter tomado a projecção da Comissão Europeia, de um défice de 8% do PIB, como uma boa referência… para, pouco mais de um mês depois, quando foi conhecido o Orçamento do Estado para 2010 (e o défice de 2009), afinal, se chegar a 9.3%. Mas para JS… não - estava tudo programado: o défice foi de 9.3%... por decisão do Governo!... Que magnífica imagem de coerência entre membros do Governo (e logo quais…), e entre Governo e Banco de Portugal, não acha, caro leitor?...
Segundo. Até podia ser que, para auxiliar a economia, o Governo tivesse decidido gastar mais do que o previsto, ou tivesse decidido descer impostos. Sucede que a despesa pública em 2009 se situou em linha com o que tinha sido projectado no Orçamento Rectificativo em Janeiro do ano passado (e confirmado no Relatório de Orientação de Política Orçamental, de Maio de 2009), isto é, pouco acima de EUR 84 mil milhões3. E não houve nenhuma redução de impostos: a receita afundou em mais de EUR 5 mil milhões (ou mais de 3% do PIB) face ao previsto devido à quebra de actividade resultante da crise global. Não por qualquer decisão do Governo. Perante estes números, como qualificar os "gastos adicionais" (onde andam eles?...) do Estado Português que, segundo JS, terão sido os responsáveis pela deterioração do défice?!... O descaramento devia ter limites…
Terceiro. Comparou JS a evolução do "nosso" défice entre 2007 e 2009 com o do G-20 ou da OCDE. Podia ter comparado, por exemplo, com o défice da União Europeia (UE), região em que nos inserimos. Ou a subida entre 2008 e 2009… E, aí, repararia que a subida do défice português foi de 6.7 pp contra 6.1 na UE (a 9ª subida entre os 27)… Já de 2008 para 2009, a diferença é bem maior: 6.6 pp contra 4.6 pp na UE (a 4ª maior subida). Portanto, uma deterioração maior do que na Europa - que levou, no ano passado, o défice português a ser o 6º maior dos 27.
Entendamo-nos: perante a enorme e desagradável surpresa que foi a dimensão real do défice de 2009, as declarações totalmente despropositadas do PM, e absolutamente desalinhadas com as do ministro das Finanças e do governador do Banco de Portugal já teriam sido perfeitamente dispensáveis em circunstâncias normais… imagine-se quando, como agora, Portugal está sob um apertadíssimo escrutínio dos observadores e mercados internacionais, e também das temidas mas incontornáveis agências de rating!... Espero, por isso, que sejam encaradas como uma piada (de mau gosto…) e não levadas a sério (embora tendo sido proferidas pelo PM). Porque, nesse caso, elas só ajudam a minar a nossa imagem e credibilidade… que, como se sabe, já conheceram dias bem melhores.
1 Ver, para o efeito, o texto que publiquei, em 19 de Setembro de 2006, no blog "Quarta República", intitulado "Despesa Pública: Cair? Até talvez… mas não pela primeira vez em 30 anos!...".
2 Ver, para o efeito, o texto que publiquei nesta mesma coluna no Jornal de Negócios em 04 de Agosto de 2009, intitulado "José Sócrates e as Contas Públicas: Uma Relação Difícil".
3De acordo com a metodologia actualmente em vigor em termos internacionais e que é validada pelo INE e o Eurostat. Recorde-se que o Governo resolveu alterar unilateralmente, aquando da apresentação do OE'2009, a forma de registo das "despesas com pessoal" e das "contribuições sociais", o que, não modificando o valor do défice, altera o valor daquelas rubricas e, bem entendido, dos agregados da receita e da despesa pública em que se inserem, inviabilizando comparações com o passado.
Economista
Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PSD
miguelfrasquilho@yahoo.com
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