O Globo
A PÉ ATÉ O DF
Na tropa de 230 fuzileiros navais que marcha do Rio a Brasília, apenas uma mulher
Marcelo Alves
RIO - Em comemoração aos bicentenário do Corpo de Fuzileiros Navais e aos 48 anos da fundação de Brasília, um grupo de 230 fuzileiros navais reeditou uma marcha do Rio de Janeiro até a capital . A diferença é que desta vez, há uma mulher. A suboficial Sônia Brilhante, de 44 anos, se impôs o desafio de resistir aos 1.170 quilômetros de caminhada para superar barreiras que até então a impediam de realizar um sonho alimentado em 24 anos de Marinha.
Emocionada por chegar ao Distrito Federal depois de muitas dores e dificuldades a cada trecho que nunca era inferior a 50 quilômetros por dia da viagem, Sônia está se sentindo realizada.
- Já chorei muito e sei que vou chorar ainda mais - disse ela depois de 20 dos 23 dias previstos para a caminhada. - Sempre quis fazer uma marcha e nunca pude. Primeiro porque eu era da gola (o grupo de marinheiros que embarca em navios, diferentemente dos fuzileiros). Depois eles nunca deixavam, acho que por eu ser mulher e achavam que eu não ia agüentar. Acho que eles podiam ter medo de fragilidade e algumas pessoas ainda pensam que a gente não pode exercer determinadas funções. Mas quando eu fiz aniversário em fevereiro entrei em contato com o almirante Carlos Augusto, que é o meu comandante, e ele batalhou para que eu pudesse participar - completa ela, agradecida pela oportunidade.
Superada a desconfiança, Sônia virou o centro das atenções da tropa. Ela lembra, no entanto, que o momento mais difícil foi o início da caminhada.
- Na marcha você tem que brigar contra a dor. Até o quinto dia foi muito sofrido. Cheguei a ter atendimento médico por não agüentar de dor nos pés e nos joelhos. Tomei uma medicação e depois fui me acostumando. No dia-a-dia aprendi que temos que proteger os pés. Eu os cobria de esparadrapo, que não lhe impediam de sentir as dores, mas as bolhas diminuíam - conta.
Divorciada e com um casal de filhos de 21 e 17 anos, respectivamente, esta cearense de Crato não teve que superar apenas os problemas físicos, mas a saudade dos filhos, que chama de "meus orgulhos".
- Nesta reta final você vai sentindo mais a ausência, mas eles estão muito presentes e me acompanhando diariamente postando mensagens no blog criado pelos fuzileiros (
http://www.marcha200anoscfn.blogspot.com). É quando a gente mata a saudade e recebe uma carga de ânimo. Eles são meus maiores incentivadores. Meu maior presente seria que o meu filho, que também é da Marinha, estivesse presente quando chegássemos na Esplanada dos Ministérios na segunda-feira. Infelizmente sei que isso não será possível, mas me conforta ter uma mensagem deles.
Admirada por sua coragem, Sônia é um orgulho da tropa e conta com o respeito do capitão-de-mar-e-guerra e comandante da tropa Luiz Corrêa, um dos mais velhos entre os participantes da marcha com 48 anos de idade e 32 de Marinha.
- É gratificante para nós saber que temos uma mulher participando da marcha. Sei que se tivessem tido a oportunidade, teríamos mais mulheres, mas ela foi corajosa o suficiente para se candidatar, fez os treinamentos e está capacitada - diz Corrêa que lembrou que Sônia participa de corridas de rua, tendo, assim, grande resistência para fazer longos percursos.
- É verdade. Eu participo de meias-maratonas, campeonatos da Marinha. Sou uma atleta e por isso achei que era capaz de participar de uma marcha.
Mais de 30 cidades e histórias emocionantes
Depois de passar por mais de 30 cidades entre Rio, Minas e Goiás até chegar ao Distrito Federal e contando com um grupo de apoio que ajuda na realização de ações sociais como a pintura de escolas e doações de livros, histórias são o que não falta nesta experiência descrita quase sempre pelos fuzileiros como única.
Luiz Corrêa lembra com carinho o apoio da população nos municípios pelos quais passou desde o início da caminhada no dia 29 de março. Ele diz, porém, que o que mais lhe marcou foi ser recebido numa cidade de Minas pela filha de uma senhora que acolheu a marcha original de 1960, que inspirou a nova edição da caminhada.
- Quando passamos por Ewbank da Câmara, ela fez uma manifestação de apreço à marcha levando crianças da escola para a rodovia para uma manifestação muito bonita. Naquela posição da marcha, isso deu um estímulo muito grande, pois estávamos em plena subida em Barbacena - recorda Corrêa.
Sônia também guarda boas recordações da viagem. A mais marcante aconteceu numa cidade do interior de Minas e a leva às lágrimas ainda hoje, mesmo depois de mais duas semanas de caminhada.
- A rua principal desta cidade era paralela à rodovia. Então nós saímos da rota porque foi pedido que passássemos por dentro da cidade. Tinha uma escola onde os alunos ficavam na rua com bandeiras e aplaudindo. A gente já tinha um certo tempo de marcha e a emoção, você lembra do sofrimento, o dia-a-dia, a superação e vê o valor que eles dão para a gente. Essa me marcou muito - lembra ela, emocionada.
Um balanço positivo da aventura
Luiz Corrêa conta que resolveu participar da marcha como um desafio pessoal. Ele considera que o resultado foi além da expectativa.
- Inicialmente eu queria conhecer meus próprios limites e saber se poderia superá-los. O resultado foi além da expectativa. Só vivendo isso para saber como é que foi a marcha.
Com o sonho realizado, Sônia espera que outras mulheres tenham a oportunidade de passar pela experiência pela qual ela passou.
- Creio que com a minha abertura talvez agora abra mais brechas e liberem mais. Sei que é complicado, pois cada um tem as suas obrigações nos quartéis, mas é indescritível a emoção que você sente - conclui.
O Globo
EFEMÉRIDE
Reedição de marcha comemora 200 anos do Corpo de Fuzileiros Navais e 48 anos de Brasília
Marcelo Alves
RIO - Entre tantas efemérides que marcam o ano de 2008, o bicentenário do Corpo de Fuzileiros Navais passa quase despercebido. Para comemorar a data a Marinha resolveu reeditar a marcha Rio-Brasília, feita em 1960 quando da fundação da capital federal em Brasília. A expedição conta com 230 militares, fuzileiros navais e marinheiros, entre eles apenas uma mulher, que estão fazendo, a pé, o percurso de 1.170 quilômetros até a Praça dos Três Poderes. Os fuzileiros chegam neste sábado em Brasília e na segunda-feira, aniversário da cidade, estarão na Esplanada dos Ministérios para encerrar a caminhada depois de 23 dias.
A marcha repete a Operação Alvorada, que em 27 de março de 1960 levou um contingente de 124 fuzileiros navais até Brasília, numa viagem de 24 dias, para celebrar a inauguração da nova capital federal. Para diminuir em um dia, o tempo de percurso na marcha deste ano, os fuzileiros cumprem uma rotina diária de pelo menos 55 quilômetros de caminhada. Auxiliando os fuzileiros, apenas um grupo de apoio que conta com médicos e fisioterapeutas.
Além de comemorar duas datas importantes, o corpo de fuzileiros navais aproveita a passagem por três estados - Rio, Minas Gerais e Goiás - e mais de 30 municípios para praticar uma série de ações sociais como a pintura de escolas e a doação de livros para as crianças.
Segundo o capitão-tenente Eduardo Saleh Rabello, contribuir para a melhoria das escolas e da condição de estudo das crianças é um dos pontos fundamentais da marcha.
- Muitas escolas que encontramos estavam em situação difícil e a ajuda, pelo que percebemos das diretorias das instituições, veio em momento oportuno - diz.
Antes de receber a visita da tropa, as escolas foram selecionadas pelas secretarias de Educação dos municípios. Elas informavam as instituições que mais precisavam de ajuda. Em seguida, a Marinha ia até elas, fazia um levantamento do que seria preciso e quantificava o material que seria gasto antes que a escola recebesse a visita dos fuzileiros para os reparos necessários.
Grande parte do material foi patrocinado pela própria Marinha, que contou com a ajuda dos fuzileiros não apenas na mão-de-obra, mas na doação de livros.
- Ao saber que haveria doação de livros, os próprios militares foram pegando alguns exemplares em suas casas e levando. Também compramos livros de ensino fundamental para a doação, além de livros institucionais da Marinha. A finalidade foi o ensino - explica.