1TEN MÓNICA PEREIRA MARTINS
Primeira Piloto Naval
Temo-la, agora, diante de nós envergando o fato de Piloto da Aviação Naval mas conhecemo-nos em 1998, ainda era cadete, já no 4º ano, a que é e afinal sempre será a primeira mulher Piloto da Armada, uma das três primeiras mulheres a frequentar a Escola Naval onde, então, dávamos corpo a uma ideia tão peregrina como o Colóquio fundador das Jornadas do Mar. Recorda-se?
A 1TEN Mónica Pereira Martins
1º Tenente Pereira Martins – Claro! Muito bem.
RA – Como foi, Senhora Tenente, a sua carreira até aqui?
TEN PM – Entrei para a Escola Naval em 1994 e depois, como Aspirante, até Agosto de 1999 estive a estagiar na fragata «Comandante João Belo», depois de terminado o Estágio, já promovida ao posto de Guarda-marinha destaquei para a corveta «João Roby» e depois na fragata «Vasco da Gama»...
RA – Ah! Isso deve ter sido uma belíssima experiência. Mas diga-nos, em que funções?
TEN PM – Na «Roby», entre Outubro de 1999 e Maio de 2001, fui Chefe do Serviço de Operações, portanto além de fazer quartos à ponte, como todos os oficiais de Marinha, era responsável pela operação das Armas a Fiscalização da Pesca e a Busca e Salvamento.
RA – E na «Vasco da Gama»?
TEN PM – Aí, depois de termos feito o OST, o Operational Sea Training, em Inglaterra, participei em duas STANAVFORLANT’s onde além de Oficial de Quarto à ponte, fui Adjunto do Oficial Navegador e Responsável pelas Equipas de Abordagem, assim como Chefe de uma das Equipas. Isto em 2002 e 2003.
RA – E por onde andaram?
TEN PM – Em função do 11 de Setembro de 2001 e a pedido dos Estados Unidos, invocando o artigo 5.º da NATO, permanecemos no Mediterrâneo Oriental envolvidos na operação «Active Endeavour», ao largo da Síria, e depois nas actividades correntes desta Força Naval.
RA – E fizeram abordagens?
TEN PM – De facto apenas duas e mesmo assim com a concordância, como decorre da Lei, do Capitão do navio mercante pois, em águas internacionais, apenas interrogávamos os navios. Tratava-se de afirmar uma presença naval.
RA – E como foi o salto para os Helicópteros?
TEN PM – No Estágio de Aspirante visitámos a Esquadrilha mas só em 2.º Tenentes é que poderíamos concorrer. De qualquer modo tive oportunidade de contactar com as operações dos Hélis enquanto Oficial de Quarto à Ponte na «Vasco da Gama».
RA – Quanto mais não seja pelo monitor do circuito de televisão existente na ponte...
TEN PM – E pessoalmente, pois como oficial de abordagem fiz diversos voos de treino de guincho. Já tinha um grande contacto com o Helicóptero e com alguns pilotos, já sabia as missões que faziam. Já não tinha dúvidas que queria e foi então que concorri. Só havia duas vagas para a Classe de Marinha e éramos cerca de vinte.
RA – E como foi feita a selecção?
TEN PM – Foi tudo feito na Força Aérea. Nos exames psicotécnicos passámos todos mas nos médicos, pensados para jovens de 17 anos, já não foi assim e a informação final era apenas apto ou inapto. Tudo feito no Hospital do Lumiar. Ficámos aprovados cerca de oito e eu era o mais antigo e a Armada convocou-me. Foi uma questão de sorte.
RA – Sempre necessária mas ser o mais antigo é, convenhamos, um mérito. E depois?
TEN PM – Foi, mais uma vez, tudo feito na Força Aérea, a Asa Fixa e o Héli. No início, em Janeiro 2004, na Ota, tivemos, com mais catorze PIL. (Pilotos Contratados da FAP), a Teoria e em Junho de 2004 fomos para a Base Aérea n.º 11, em Beja, fazer, até Fevereiro de 2005, na Esquadra 101, a Asa Fixa...
RA – Em que avião?
TEN PM – No Epsilon, uma aeronave de instrução e acrobacia.
A 1TEN Mónica Pereira Martins e o 1TEN Mendes Coimbra durante o curso de especialização.
RA – Presumimos que grandes emoções...
TEN PM – Sim, nós não fizemos acrobacia mas num ou noutro momento de relaxe o nosso Instrutor fez algumas manobras acrobáticas.
RA – Lado a lado? E a largada?
TEN PM – Não, no Epsilon o Instrutor vai atrás, às vezes é... melhor. Mas depende das missões.
A largada e a Meia Asa foi, claro, muito festejada... com um grande banho... três vezes... um em cada largada.
RA – A nós rasgaram-nos a camisa toda, só fiquei com o colarinho que guardo, não podia deixar de ser, como uma relíquia. Há pouco, no carro, ouvi o «Volare... nel blu dipinto di blu... felice di stare la su...» é, não é? Conhece?
TEN PM – Conheço e de facto... era assim que se sentia o meu instrutor na FAP que tirava imenso gozo nos momentos em que tomava os comandos e eu me sinto. Nos sentimos todos...
RA – Acreditamos bem.
TEN PM – É uma fase muito gira. É tudo novo. Nunca tinha voado. Aprendemos as Manobras Básicas, a Recuperação de Atitudes Anormais, por aí fora até que passámos à Esquadra 552 onde tirámos, em oito meses, o Curso Básico de Helicóptero, no Alouette III.
RA – O Héli da Guerra de África...
TEN PM – Em Outubro de 2005 concluímos o Brevet da FAP e recebemos as Asas, a asa... dupla, que me foi colocada pelo meu instrutor de Epsilon, o CAP PILAV Natalino Pereira!
RA – Aí o regresso à Armada...
TEN PM – Sim. Agora tratava-se da Qualificação no Super Lynx Mk 95 com que operamos. O Comandante Antunes Dias foi o nosso Instrutor, ele que foi, desde o início, nosso tutor naval.
RA – Ah! Portanto o contacto com a Esquadrilha manteve-se sempre...
TEN PM – Sim, sim. Aqui o curso durou um ano pois acabo de o concluir.
RA – Como foi? Em traços largos...
TEN PM – Começámos pela Teoria da Aeronave e os Sistemas da Aeronave (umas três semanas) e só depois veio o Voo. Contacto inicial com a aeronave e os instrumentos, Descolagens e Aterragens em terra (no mar é das últimas coisas), Voo Alto, Navegação Visual (Visual Flight Rules - VFR) e Radar e por Instrumentos (IFR), Voo Sobre o Mar, Compilação (de ecos de alvos) de Superfície, e os Secondary Roles como o Fast Rope, a Carga Suspensa e o Guincho que é feito aqui e no rio, com uma vedeta, e, após Acções de Manutenção, ainda os Voos de Experiência...
RA – Também passámos por essa... violência!
TEN PM – Depois fizemos a tal fase de Deck Landings, Aterragens e Descolagens, a navegar, no convés de voo da «Corte Real», de dia e de noite...
RA – Acertando sempre na, chamo-lhe eu, grelha de atracação. Como é que vão sentados?
TEN PM – Sempre na grelha (quase sempre!...). O Piloto à direita e o Piloto Táctico à esquerda, mas o mais antigo ou mais qualificado é o Piloto Comandante.
RA – Ao contrário do que conheço na Asa Fixa mas o critério referente ao Comandante do Serviço é, sem dúvida, o mesmo. Continue...
A Tenente Mónica Martins testando os equipamentos do Lynx.
TEN PM – A última fase foi dedicada à Operação do Sonar. Trata-se de voar sobre o mar, claro, mas muito baixo e de assegurar o Voo Estacionário para arriar o Transdutor e manter a sua estabilização enquanto submerso, ficando entregue ao cuidado do Operador de Sistemas do Héli sentado atrás. É aliás ele quem opera o guincho e quem recupera os náufragos.
RA – Meio Homem-rã... Como é com mar picado?
TEN PM – Mais ou menos. De dia e de noite, com o Sistema de Transição Automática (mantém o estacionário) ligado com a ondulação ficamos num sobe e desce constante, como que «boiamos» uns vinte metros acima da crista da ondulação, o que, dentro dos limites, não afecta assim tanto. Mas temos também de ser capazes de o manter estável à mão, mas só de dia.
É uma fase muito delicada pois estamos muito baixo e em Voo Estacionário. É uma situação em que a entrada em Emergência é a mais perigosa que podemos ter.
O Lynx tem dois motores e embora possa voar só com um (no caso de falha do outro), manter o estacionário só é viável em condições ideais que são raras.
RA – São Turbo-hélice?
TEN PM – Não, são turbo-veio, mas o princípio de funcionamento é o mesmo.
RA – Não há umas limitações na aterragem e descolagem dos Hélis em navios?
TEN PM – Sim. O navio tem de adoptar, em relação ao vento, uma proa adequada para nós nos aproximarmos por uma Gate (sector de aproximação). Para cada navio e tipo de Helicóptero, há um SHOL a respeitar.
RA – Era a isso que me queria referir. O Ship-Helicopter Operation Limits que …
TEN PM – Define os limites do vento relativo e balanço para um dado Héli nele aterrar e que o navio tem de procurar proporcionar. Não podemos aterrar com ventos de popa com mais de 30 nós e de proa vai até aos 50 mas depois depende do tipo de navio.
RA – E nas corvetas, também aterram?
TEN PM – Não. Nas corvetas, como nas fragatas da classe «Comandante João Belo», apenas fazemos Vertrep...
RA – O quê? O que é isso?
TEN PM – O Vertical Replenishment é o guincho, fast-rope ou carga suspensa. Naqueles Navios, como ia a dizer, nem o Helicóptero lá caberia, nem a estrutura suportaria o Lynx.
RA – Nessas fragatas, o Vertrep é feito no parque da Torre 103, a que foi retirada?
TEN PM – Não. Era aí mas recentemente passou a ser na tolda, por ante a ré da Torre de 100 mm, n.º 2.
RA – Não resistimos a fazer uma pergunta a que deve ter respondido inúmeras vezes. Como ocorreu a opção por uma carreira militar e logo militar-naval? Tem antecedentes na família? Sei lá...
TEN PM – De facto muitas vezes (sorrindo)... Na altura não tinha sequer familiares na carreira militar, apenas um vago parente, que nem familiar directo é, ligado ao Exército. Não teve qualquer peso.
No 12º ano, tencionava concorrer para matemática, na vertente ensino, quando um colega me mostrou um panfleto em que a Força Aérea admitia cadetes do sexo feminino para a sua Academia e isso fez-me repensar o futuro. Fiz o concurso à universidade e fui admitida em Coimbra, onde os meus Pais me matricularam.
RA – É de lá?
TEN PM – Não. Sou de Tomar... e a par concorri à FAP a PILAV, chumbei nos psicométricos mas fui admitida para Engenharia Aeronáutica.
RA – Desculpe. Chumbada? Não acredito!
TEN PM – Foi e ainda bem, porque se assim não fosse talvez não tivesse vindo para a Marinha. Mas entretanto os testes foram, felizmente para mim, actualizados e passei.
Ainda, por essa altura, um amigo falou-me do concurso da Escola Naval e agradou-me e foi até ele quem me explicou, dos parcos conhecimentos que tinha do assunto, o que se fazia nas funções da Classe de Marinha e achei interessante. Só não concorri ao Exército porque não havia nenhuma opção para mulheres dentro do que queria, pois vinha da área Científica.
Como os exames foram feitos no Alfeite pude falar com cadetes e alguns oficiais, contactar com a Escola e com a Base Naval... via os navios e gostei. Ali fiquei decidida por uma carreira na Marinha.
RA – Na Marinha ou na Armada?
TEN PM – Na Marinha de Guerra Portuguesa, mas ainda há dias se falou dessa... confusão ou dúvida.
RA – Já nos apercebemos dessa situação. Eu sou e sempre serei Oficial da Armada, da Classe de Marinha. Ia a dizer...
Refeição na Câmara de Oficiais.
TEN PM – Com tantas opções em aberto foi de facto esta a que mais me agradou. Caí aqui, como costumo dizer, de pára-quedas e tive a sorte que muitas pessoas não têm, de gostar muito do que faço.
RA – E depois como foi?
TEN PM – Admitida, fiz, com os restantes camaradas, o 1.º Ano de Formação Geral Comum na Academia Militar, na Amadora, e ali tivemos, desde o início, uma relação espectacular com os cadetes da FAP (e tínhamos acabado de entrar!) o que foi óptimo quando nos encontrámos de novo em Beja...
RA – Recordamo-nos que o nosso Curso o «Duarte Pacheco Pereira» foi, em 1957, o último a fazer os Estudos Gerais Preparatórios na Escola do Exército como, segundo a tradição dos países latinos, se chamava. Aliás passou a AM por um seu comandante pretender instalá-la no Alfeite e nela integrar a Escola Naval...
TEN PM – Tivemos instrutores que eram do nosso ano de entrada e esse relacionamento anterior foi muito positivo.
O CTEN C. Sobral, o CMG S. Pereira, o 1TEN G. Brás e a 1TEN Mónica Martins.
RA – Mas tem razão, de facto as Culturas Militares da Armada e da Força Aérea têm pontos de contacto que surgem espontaneamente. Na FAP ainda se notam vestígios da terminologia naval.
E esse emblema no seu fato de voo?
TEN PM – Ah!? É o emblema que eu e o TEN Mendes Coimbra adoptámos para o nosso Curso. É um tubarão com um ar feroz, um rotor no dorso e um torpedo debaixo duma barbatana.
RA – Nada a ver com os «tubarões» que andam em terra. E porquê, o nome «Impermeáveis»?
TEN PM (ainda a rir-se) – Isso é uma história...
RA – Conte-nos lá.
TEN PM – Numa «exchange» com Pilotos da Marine (Nationale) francesa, em Beja, ainda antes da nossa largada na Esquadra 101, num Pôr-do-Sol que lhes foi oferecido, já quando a animação era muita começaram a atirar baldes de água uns aos outros e quando deram connosco alguém se perguntou alto e bom som: «Então? Os marujos ficam de fora?» a que o meu camarada de Curso, respondeu: «Podem mandar à vontade que nós somos IMPERMEÁVEIS!» e, claro, ninguém fez cerimónia. Foi desse animado banho de confraternização aérea que nos lembrámos de o adoptar como nossa divisa.
RA – Se não lho perguntasse perdíamos uma boa e sadia história...
TEN PM – E foi, faz parte das nossas memórias.
RA – Lembro-me, na Naval, da sua potentíssima moto. Tem uma nova moto ainda mais potente?
TEN PM – Ah! A minha moto. Não, tenho a mesma e não é assim tão potente. É uma Yamaha, Virago de 250 cm3. É um tipo de moto que não dá grandes velocidades, como a Harley-Davidson, mas em que se aprecia o andar de mota.
RA – Que velocidade dá?
TEN PM – 140 Km/hora. Acontece que os meus Pais sempre tiveram moto, sempre se deslocaram de moto, desde que nasci que ando de moto, o meu irmão tem uma moto. Assim que atingi a idade necessária tirei a carta, primeiro de motociclo e depois de moto e nem pensei em carros.
RA – Já vejo que é... genético. Na minha última comissão em África tinha a bordo uma Vespa de 50 cm3, que, quando o vento era favorável dava 40 km/hora. Usei-a na Base Naval (com algum escândalo) pois não era, então, um meio de transporte suficientemente... isso mesmo... digno. Mas já tem carta de automóvel?
TEN PM – Sim, claro.
RA – E como reagiram as Guarnições, sobretudo os elementos da geração mais antiga, perante as primeiras mulheres, futuras Oficiais da Armada dos cursos tradicionais?
A Tenente Mónica Martins com o Comandante do Navio.
TEN PM – Eu penso que entre os meus superiores fui aceite com bastante naturalidade. Ainda na Escola Naval, nas viagens de instrução mas mais nos embarques de fim de semana, entre os meus futuros subordinados hierárquicos, sobretudo os que poderiam ter filhas da minha idade, foi muito curiosa a reacção. Era uma situação engraçada, quase caricata que me não choca de maneira nenhuma e que era uma atitude um pouco paternalista.
Se eu lhes parecia meio enjoada ou enjoava mesmo perguntavam-me logo como me sentia, se precisava de alguma coisa, qualquer coisa como «olha se fosse a minha filha...». Não sei... foi uma experiência... simpática, que naturalmente se foi esbatendo.
RA – E as multas a bordo? Quando se entra pela primeira vez num espaço doutro, agora, Departamento?
TEN PM – Não, isso já se não faz. Quando nos enganamos nalguma coisa, isso sim, a praça mais moderna faz logo uma lista de todas as «testemunhas» e traz-nos um vale de uma grade de cerveja para assinarmos.
RA – Assistimos à transição do garrafão de cinco litros para a grade de cerveja durante a Guerra de África. Foi tudo?
TEN PM – Não. Não. Quando embarquei como Cadete do 2º ano na «João Roby» tinham-me feito «a cama à espanhola», mas eu achei muito estranho, «A cama feita? São privilégios a mais...» e fui ver tudo... (risos).
RA – Foi com certeza uma conversa muito agradável, em que pudemos rememorar experiências comuns decorrentes dum ambiente que se mantém são e onde se podem viver novos desafios que já nos proporcionaram e certamente nos proporcionarão sensações que constróem a nossa reserva de memórias, as menos boas que se venceram e as que guardaremos para sempre. Fazemos votos das maiores felicidades não só na Carreira Militar Naval por que optou mas ainda e muito especialmente nesta sua restaurada vertente Aeronaval.
Dr. Rui Manuel Ramalho Ortigão Neves
1TEN