Forças Armadas: em frente… marche!
Miguel Machado
Tenente-coronel na reforma
Foram tomadas medidas que podem vir a ter efeitos a médio prazo, mas será isso suficiente? Aumentar 100 ou 200 militares por ano quando nos faltam milhares? Apenas para alcançar os números de 2016, ao ritmo actual, são 25 anos!
O governo actual entrou em funções em 2 de abril de 2024, passou um ano, aguardam-se novas eleições legislativas já em maio. O balanço será sempre ingrato, deviam-se avaliar quatro anos de trabalho. Mesmo não havendo informação pública oficial com o “quadro completo”, vamos olhar para quatro áreas relevantes: o cunho pessoal do ministro que naturalmente influencia o trabalho do ministério e as suas prioridades, os antigos combatentes, as indústrias de Defesa e o pessoal. Não se aborda a questão dos grandes sistemas de armas e explica-se porquê.
O ministro tem uma retórica pública mais interventiva que os seus antecessores próximos e, sendo oriundo de um partido de centro-direita, as declarações relativas à instituição militar são por regra mais afirmativas, com um cunho patriótico vincado. Percebe-se que a postura agrada aos chefes militares, facilitará o trabalho, é positivo. Já as declarações políticas como as respeitantes a Olivença ou aos F-35 nada acrescentam de útil à Defesa Nacional.
Não tem medo de elogiar os antigos combatentes, a grande maioria lutou em África na defesa do Ultramar Português, cumpriram com as suas obrigações. Dez mil morreram, uns trinta mil ficaram feridos ou estropiados. Faz bem o governo em os apoiar, Nuno Melo desenvolveu este apoio, houve melhorias.
Sobre as indústrias de Defesa, no discurso muita coisa parece estar em marcha, de uma fábrica de munições várias vezes falada – com o Estado Português a investir uma parte – a investimentos nas áreas tecnológicas mais avançadas, mas, na realidade, nada de concreto está no terreno que não viesse de anteriores governos. Navios, aviões – mesmo o discutível Super-Tucano já vinha sendo negociado pelo menos desde 2023 pela dupla Costa & Lula – helicópteros.
Parece ir haver um ou outro novo investimento em meios para o Exército. O ministro, com sucessivas declarações, cria altas expectativas; reconheça-se, contudo, não ser fácil ou ser mesmo impossível concretizar projectos desta natureza em pouco tempo. São sempre processos que demoram anos e não raramente atravessam governos. A realidade impõe-se e há que dar tempo para se verem resultados.
A vontade de investir em firmas nacionais para desenvolver de raiz equipamentos militares também está declarada, à semelhança de anteriores governos. Espero que se tenha aprendido com erros e desperdícios, no passado. Sendo esses investimentos óptimos para a indústria e universidades envolvidas, assim financiadas, têm de ser muito bem selecionados. Podem acabar por ser contraproducentes em termos de preços e capacidade de produção e distribuição. Quando “se inventam” artigos únicos no mundo para fazer o que outros países de muito maior dimensão já fizeram, testaram e usam, as realidades impõem-se e os valores “per capita” desses equipamentos não raramente acabam por ser incomportáveis ou muito superiores “aos do mercado”. Caso paradigmático é o padrão “camuflado” criado a pedido do Exército, o qual começou a ser introduzido em 2019 depois de anos de investimento e estudos e ainda hoje – passados seis anos – o ramo não conseguiu a total cobertura com o novo padrão;
Um documento recente do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas mostra-nos a evolução dos efectivos militares desde 2016 a fevereiro de 2025. É à luz destes números oficiais que se podem comentar as sucessivas declarações de Nuno Melo sobre o que garante ser o sucesso das medidas já tomadas por este governo. A diferença entre o número de militares em 2023 e fevereiro de 2025 são ridículas: mais 89 militares num universo de 23.000. O Exército aumentou no mesmo período 167 militares (+1,52%); a Marinha perdeu 191 (-2,79%); a Força Aérea aumentou 113 militares (+1,94%).
Em relação a 2016 a Força Aérea é o ramo mais estável, perdeu “apenas” 98 militares, a Marinha 1364 e o Exército 3800. Ou seja, mesmo para voltar a números de 2016 – e estes estão longe do previsto na Defesa 2020 – há muito caminho para andar, sem novos recuos. As medidas foram implementas em outubro de 2024, é muito cedo para saber a sua real influência. Os políticos não se importam de ser, a prazo, desmentidos pelos factos, preferem marcar a actualidade, mas parecem no mínimo exageradas, as declarações “de vitória” do ministro acerca dos efetivos.
É um facto que aconteceu um travão na sangria no Exército e na Força Aérea, mas na Marinha a situação continua a piorar, apesar dos aumentos em alguns suplementos remuneratórios, que na Marinha até foram mais abrangentes (suplemento de embarque). Nas unidades estes aumentos dos efetivos, para já, nem se notam. Porquê? Imagine-se por exemplo o Exército que, de 2023 para 2025, aumentou o efetivo total em 167 militares, mas tem talvez mais de 100 instalações em Portugal, das quais uma componente operacional com uns 25 regimentos, parte substancial dos quais integrados na Brigada de Reacção Rápida e na Brigada de Intervenção e ainda a Brigada Mecanizada.
Concluindo.
Já se ouviu o toque de “em frente….marche?”. Pode-se dizer que sim, aos primeiros compassos do toque (recordarão os que cumpriram o serviço militar que têm vivacidade e são algo prolongados), seguiu-se o compasso de execução, aquele que determina o início da marcha. Falta agora o mais significativo, percorrer a parada com o passo certo e aprumo, olhar em continência à direita e continuar a marcha mantendo a postura e o brio. Há sempre o risco de alguém trocar o passo…e as vergonhas acontecem.
As medidas tomadas estranhamente esqueceram umas largas centenas de militares no Exército e na Marinha. Os paraquedistas, sendo “pessoal navegante”, viram o seu suplemento de serviço aerotransportado (SSA) não actualizado, ao contrário do congénere suplemento de serviço aéreo, atribuído ao “pessoal navegante” da Força Aérea. Sempre em percentagens diferentes, mas condições semelhantes, uns têm de cumprir saltos em paraquedas, outros horas de voo. Pior, o Programa Eleitoral da AD inexplicavelmente refere que sim, que foi actualizado, e recordo que desde há 34 anos se têm repetido as promessas de actualização. Submarinistas e mergulhadores, que têm de cumprir tempos de imersão e de mergulho para receberem os respectivos suplementos, também esquecidos foram.
O discurso mudou é verdade, criou-se grande expectativa, mas isso não é inédito na Defesa Nacional nos últimos 40 anos. Foram tomadas medidas que podem vir a ter efeitos a médio prazo, mas será isso suficiente? Aumentar 100 ou 200 militares por ano quando nos faltam milhares? Apenas para alcançar os números de 2016, ao ritmo actual, são 25 anos! Para um horizonte de cinco anos, seriam necessários mais 1050 por cada ano em saldo positivo, entre os que saem e entram.
Refere o Expresso, de 18 de abril: “Montenegro e Pedro Nuno omitem custos na Defesa” e não os inseriram nos respectivos programas eleitorais. Não parece bom sinal, não corresponde às declarações públicas dos responsáveis partidários em causa. Seria bom que falassem aos portugueses sobre isto com clareza.
Neste primeiro ano de governo, o que se procurou fazer foi aperfeiçoar o que vinha do antecedente e parece-me que isso foi conseguido. Nos tempos que correm, no entanto, exige-se mais, muito mais. Há que introduzir novas soluções. Espero que um novo governo, este ou outro, tenha esse desígnio e se rompa a sério com as tradicionais resistências políticas e militares.
https://expresso.pt/opiniao/2025-04-23- ... e-fabfd565