DOSSIÊ
Marinha do Brasil
As corvetas classe "Inhaúma" afirmam nossa capacidade de construir, integrar e operar navios que estão entre os melhores e mais modernos do mundo
As corvetas classe Inhaúma
n Alexandre Galante
As origens do projeto que resultou nas corvetas da classe "Inhaúma" remontam a 1977, quando a Marinha do Brasil iniciou estudos visando substituir as dez corvetas classe "Imperial Marinheiro" então em serviço nas Forças Distritais, por uma nova classe de navios-patrulha oceânicos (NaPaOc), com um deslocamento carregado de 700t. Em virtude da necessidade urgente de substituir os antigos contratorpedeiros de origem americana, as especificações foram alteradas e o "Projeto NaPaOc" foi então rebatizado como "Projeto Corveta". Em sua versão final os navios ficaram com um deslocamento superior a 1.900 toneladas, portanto, bem maior do que o previsto originalmente. As corvetas podem ser consideradas, na realidade, como fragatas leves, com um armamento ligeiramente inferior ao das fragatas classe "Niterói".
O "Projeto Corveta" foi desenvolvido pela Diretoria de Engenharia Naval (DEN) com consultoria técnica da empresa alemã Marine Technik, através de contrato firmado em 1 de outubro de 1981. Os primeiros dois navios tiveram suas construções autorizadas em 15 de fevereiro de 1982 e o segundo par em 9 de janeiro de 1986. A Marinha planejava inicialmente construir um total de 16 corvetas, em quatro lotes de quatro navios, mas a crônica falta de verbas só permitiu a obtenção de apenas quatro unidades e, mesmo assim, com atrasos consideráveis na construção.
A construção da Inhaúma foi iniciada em setembro de 1983, com lançamento previsto para junho de 1985 e entrega para junho de 1987. Todavia, o navio foi lançado ao mar em dezembro de 1986 e só foi incorporado em dezembro de 1989! A construção da Jaceguai, iniciada em outubro de 1984, deveria ter obedecido a prazos semelhantes (dois anos na carreira e dois em acabamento), mas esta somente foi lançada ao mar em junho de 1987, sendo incorporada em abril de 1991. O financiamento para construção das corvetas foi obtido junto a bancos britânicos.
De acordo com os planos da Marinha de transferir a tecnologia de construção de navios de guerra a estaleiros privados, a construção do segundo par ficou a cargo do Estaleiro Verolme, com um prazo de entrega de 33 meses para a Julio de Noronha e de 36 meses para a Frontin. A Julio de Noronha foi incorporada em outubro de 1992 e a Frontin em março de 1994.
Os Navios
Poder Naval Online
Corveta Inhaúma em visita a Santos: deste ângulo pode-se ver o canhão Mk.8 de 4,5 polegadas na proa, usado contra alvos aéreos e de superfície
As corvetas classe "Inhaúma" foram concebidas para prover escolta a comboios de cabotagem e transoceânicos, com capacidade para guerra anti-submarino, guerra de superfície, guerra antiaérea e apoio de fogo naval em operações anfíbias. A vida útil projetada de cada navio é de pelo menos 25 anos, a um custo de aquisição de US$150 milhões por unidade, com um índice de nacionalização da ordem de 40%. O sistema de armas, que representa 50% do custo da corveta, foi em sua maior parte importado, pois para serem fabricados no Brasil, necessitariam que a Marinha comprasse navios em números bem superiores. A Marinha já nacionalizou o sistema de guerra eletrônica e os foguetes de chaff.
O armamento das corvetas é constituído por um canhão Vickers Mk.8 de 4,5 polegadas (114,3mm) na proa, do mesmo modelo usado nas fragatas, com capacidade antiaérea e anti-superfície; dois lançadores sêxtuplos Plessey Shield de chaff sobre o passadiço; dois lançadores duplos de mísseis superfície-superfície Exocet MM40; dois reparos triplos de torpedos Mk.32 para torpedos anti-submarino Mk.46 à meia-nau e dois canhões de 40mm/L70 em ambos os lados do hangar, na popa.
Um hangar e convés de vôo servem para um helicóptero orgânico Westland Super Lynx Mk.21A (SAH-11A), desempenhando missões de esclarecimento, ataque anti-submarino com torpedos, ataque a navios com mísseis Sea Skua e orientação além-do-horizonte (OTH) para os mísseis Exocet MM40 do navio.
O principal sensor das corvetas é o radar Plessey AWS-4 de vigilância aérea e de superfície (com capacidade IFF), operando na banda E/F. Este radar é dotado de MTI (moving target indicator), que remove o clutter (retorno do mar e de terra) e só apresenta alvos móveis, tornando possível o acompanhamento de alvos em vôo rasante sobre o mar (sea-skimmer). Existe também um radar de navegação Kelvin Hughes e um sonar de casco passivo/ativo Atlas Elektronik DSQS-21C de média frequência. Os canhões são direcionados por um radar de direção de tiro Orion RTN-10X a vante, por uma alça eletro-ótica Saab EOS-400 (TV, infravermelho e telêmetro laser) e por duas alças óticas OFDLSE. Para a guerra eletrônica cada navio dispõe de um sistema Racal Cygnus/Cutlass B1, com capacidade de interceptação, análise e bloqueio eletrônico. Este sistema já foi nacionalizado pelo Instituto de Pesquisas da Marinha (IPqM) e será instalado nas fragatas classe "Niterói" no programa ModFrag.
O sistema de propulsão das corvetas é do tipo CODOG (Combined Diesel or Gas Turbine), com uma turbina a gás General Electric LM-2500 de 27.000hp e dois motores diesel MTU 16V956 TB91 de 3.900hp cada, movimentando dois eixos com hélices de passo controlável KaMeWa e dois lemes, sendo os navios equipados com sistema Voper de estabilização ativa por aletas. A velocidade máxima contínua é de 27 nós com turbinas a gás e de 18 nós com os motores diesel. A autonomia é de cerca de 4.000 milhas marítimas a 15 nós.
Tecnologia & Defesa
Duas corvetas classe "Inhaúma" navegando juntas: embora sejam plataformas de porte relativamente modesto, esses navios têm um grande poder de fogo, graças à sua capacidade de guerra eletrônica e de defesa anti-míssil
Perfil Operacional
As corvetas classe "Inhaúma" são capazes de operar em ambientes saturados de emissões e bloqueios eletrônicos, sob ameaça aérea e de mísseis e podem desenvolver altas velocidades a baixo custo por longos períodos. Podem detectar, coletar, avaliar, informar e reagir em tempo suficiente, frente à ameças rápidas e precisas, graças aos seus sensores modernos, integrados a um ágil sistema de processamento de dados táticos.
A guarnição reduzida, adequada à automação, permite o controle de todos os seus sistemas, seja na propulsão, geração, distribuição de energia e controle de avarias, como também na detecção, coleta de informações e resposta tática. Velocidade, manobrabilidade e baixo consumo foram aliados de forma harmônica nessa classe de navios.
O sistema de combate do navio da série Ferranti WSA-420 é dividido em dois subsistemas: Comando e Controle CAAIS-450 e Direção de Tiro WSA-421, utilizando computadores de 5ª geração e uso dedicado Ferranti FM-1600E. Os subsistemas possuem apenas um programa operacional, o que faz com que troquem informações em tempo real, possibilitando, em caso de avaria ou paralização de um deles, que o outro assuma as suas funções, sem que haja perdas de processamento.
A apresentação dos dados é feita de forma clara e organizada, através de displays, onde podem ser traçadas linhas, círculos, áreas, além de outros recursos gráficos que dão ao comandante a possibilidade de avaliar com clareza e em tempo real a situação tática, permitindo a tomada de decisões precisas e corretas.
Para fins de treinamento, pode-se também gerar alvos fictícios como retornos do mar, bloqueios eletrônicos, alvos aéreos, alvos de superfície, mísseis e outros contatos que tornam o ambiente bem próximo do real para os operadores.
O sistema tem capacidade para abrir e gerenciar contatos radar automaticamente, todos inicialmente designados com categoria aérea (mais alto grau de ameaça), inclusive contatos sobre terra. A ação do homem tem grande importância em todo o processo, pois é o operador quem define para o computador, quais são as características do inimigo ou das ameaças. Ao homem caberá a decisão final, de quando, como e com que armas abrirá fogo.
Tecnologia & Defesa
O sistema de propulsão das corvetas é do tipo CODOG (Combined Diesel or Gas Turbine), com uma turbina a gás LM-2500 e dois motores diesel MTU
O operador definirá ao computador, através de uma série de parâmetros (códigos de IFF, assinaturas eletromagnéticas, números de acompanhamento, velocidades mínimas de vôo), quais as características da ameaça esperada. Assim, a cada informação obtida pelo sensor, o sistema irá comparar com os memorizados. Quando conincidentes, será apresentado ao operador um alerta de possível alvo.
Quando este alerta for dado pelo equipamento de medidas de apoio à guerra eletrônica como uma ameaça do tipo míssil anti-navio, o sistema agirá sem a intervenção do operador, no sentido de defender o navio. Todos os sensores disponíveis são designados para a marcação de onde o míssil esteja vindo; o bloqueador eletrônico é conteirado e ativado de acordo com as respostas pré-programdas e o sistema de chaff será acionado, disparando os foguetes no modo mais adequado.
O computador informará ao oficial de manobra, através de um alarme visual situado no console de governo do passadiço, que é necessário fazer uma evasiva, de maneira a retirar o navio da área onde foi gerado um alvo falso pelos foguetes de chaff.
O sistema de sonar passivo, associado ao sonar de casco, é imensamente valioso não só na detecção submarina, como também na detecção de superfície. O equipamento permite a identificação da fonte emissora no mesmo nível dos submarinos, podendo-se determinar número de pás, hélices e tipo de propulsão. Em alguns casos é possível detectar contatos de superfície pelo sonar antes do radar!
Um sistema multissensor (televisão, IR e laser) possibilita a avaliação de alvos à noite e em mau tempo, permitindo a solução de tiro em todas as condições meteorológicas e o engajamento de alvos de forma totalmente passiva, sem alertar a vítima.
O emprego de mísseis superfície-superfície Exocet, associado ao esclarecimento antecipado feito pela aeronave orgânica, permite estender o braço armado do navio, executando ações de designação e lançamento de míssil pelo helicóptero além do horizonte visual. O sistema de dados táticos permite também a direção do ataque vetorado contra submarinos, realizado pelo helicóptero.
Claudio Lucchesi
Um helicóptero orgânico Westland Super Lynx Mk.21A (SAH-11A) é usado em missões de esclarecimento, ataque anti-submarino com torpedos, ataque a navios com mísseis Sea Skua e orientação além-do-horizonte (OTH) para os mísseis Exocet MM40 do navio-mãe
Aperfeiçoando
Em dezembro de 1994 o AMRJ iniciou a construção do quinto navio da classe "Inhaúma", a Corveta Barroso. Esta será a primeira unidade de projeto modernizado, com alterações que visam atualizar e melhorar o desempenho geral em relação aos outros navios da classe.
Entre as modificações introduzidas no novo projeto, destacam-se: modernização do sistema de combate, aumento da velocidade no modo diesel, aprimoramento do arranjo interno quanto à funcionalidade e redução das assinaturas radar, térmica e acústica.
O comprimento do casco foi aumentado para 100,95m e o deslocamento subiu para 2.350t, medidas estas que aumentarão a estabilidade do navio. Os sensores serão compatíveis com os das fragatas modernizadas da classe "Niterói" e o sistema de armas será quase igual ao das primeiras "Inhaúma", com exceção do armamento de tubo secundário, reduzido para apenas um canhão Bofors Trinity de 40mm, que ficará sobre o hangar.
É provável que nos próximos anos a Marinha venha a submeter as primeiras unidades da classe "Inhaúma" a uma modernização de meia-vida, para atualizá-las e com sistemas compatíveis com os navios mais recentes. Novos sistemas de armas e sensores, um sistema de mísseis antiaéreos de defesa de ponto e um sistema de sonar rebocado, poderão ser instalados nas corvetas, de acordo com os recursos disponíveis.
Conclusão
A defasagem do cronograma das corvetas, juntamente com a desativação dos antigos contratorpedeiros das classes "Gearing" e "Allen M. Sumner", obrigou a Marinha a adquirir navios de segunda-mão no exterior, como as fragatas da classe "Garcia" da U.S. Navy e as Type 22 da Royal Navy. Essa solução, embora aparentemente satisfatória, não é melhor do que se a Marinha tivesse construído mais oito "Inhaúmas".
É imperativo que a Marinha possa continuar o processo de nacionalização de meios e sistemas com a construção de mais corvetas, para que não se perca o que foi feito até aqui com tanto sacrifício. É preciso obter o mínimo essencial para manter a massa crítica de engenheiros e técnicos e assim não nos desatualizarmos tecnologicamente em relação ao resto do mundo.
A construção naval militar deve ser uma das prioridades do nosso País. A pouco provável iminência de guerra, que leva no presente a uma segurança aparente nesta parte do planeta em que vivemos, pode se modificar no futuro. A capacidade de se defender e de demonstrar poder para alcançar objetivos políticos sem guerra será vital para um país grande e rico em recursos naturais como o Brasil, no século XXI.
Com o "Projeto Corveta" a Marinha alcançou a capacitação tecnológica para conceber, controlar e executar todas as fases de obtenção de navios de guerra. O caminho agora é prosseguir para preparar o nosso Poder Naval para o futuro.
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"Inhaúma" em detalhe
Fotos de Alexandre Galante e José da Silva
Mastro de combate da "Inhaúma", mostrando da esquerda para a direita: Radar Kelvin Hughes 1007, radar Plessey AWS-4 de busca combinada e o sistema MAGE Cutlass B1 no alto Mastro treliçado do equipamento de CME Racal Cygnus, que fica protegido dentro de um radome de forma esférica. Em alguns navios o equipamento fica exposto, sem o radome Superestrutura da Corveta Júlio de Noronha, onde se pode observar o antena circular do radar Orion RTN-10X, o lançador sêxtuplo de chaff/flare Plessey Shield e o mastro do CME à esquerda
Meia-nau de uma corveta vista por boreste, onde se pode ver a chaminé, logo abaixo da lancha o lançador triplo Mk.32 de torpedos anti-submarino Mk.46 e o canhão de 40mm à esquerda Outro ângulo da superestrutura onde se pode observar os lançadores de mísseis Exocet MM40 à meia-nau
Os navios do 1° Esquadrão de Corvetas
Nome IV Estaleiro Batimento de quilha Lançamento Comissionamento
Inhaúma V30 AMRJ 23 setembro 1983 13 dezembro 1986 12 dezembro 1989
Jaceguai V31 AMRJ 15 outubro 1984 8 junho 1987 2 abril 1991
Julio de Noronha V32 Verolme 8 dezembro 1986 15 dezembro 1989 27 outubro 1992
Frontin V33 Verolme 14 maio 1987 6 fevereiro 1992 11 março 1994
Ficha Técnica
Dimensões 95,8m de comprimento, 11,4m de boca e 5,3m de calado (com o domo do sonar)
Deslocamento 1.600t standard e 1.970t carregado
Propulsão CODOG: Uma turbina a gás GE LM2500 de 27.500hp e 2 motores diesel MTU 16V 396 TB94 com 5.800hp; 2 eixos; hélices de passo controlávels KaMeWa
Velocidade/autonomia 27 nós; 4.000 milhas a 15 nós
Tripulação 122 (15 oficiais)
Armamento Mísseis: (7) Quatro Aerospatiale MM40 Exocet; guiagem inercial/radar ativo até 70km (40 milhas) a mach 0,9; cabeça de guerra de 165kg; sea-skimmer
Canhões: (1) Um Vicker Mk.8 de 4.5" (114,3mm); 55° de elevação; 25 tiros/min até 22km (12 milhas) para alvos de superfície e 6km para alvos aéreos; peso do projétil, 21kg
(12) Dois Bofors 40mm/L70; 300 tiros/min até 12km (6,5 milhas) para alvos de superfície e 4km (2,2 milhas) para alvos aéreos; peso do projétil, 0.96kg
Torpedos: (9) Dois reparos triplos Mk.32 para torpedos Honeywell Mk.46 mod.5 anti-submarino; busca ativa e passiva até 11km (5,9 milhas) a 40 nós; cabeça de guerra de 44kg
Contramedidas eletrônicas (4) Dois lançadores sêxtuplos Plessey Shield de foguetes chaff e/ou flare nos padrões de distração, sedução e centróide;
CME/MAGE: (8) Jammer Racal Cygnus ou IPqM Elebra SLQ-1 e (6) Cutlass B1 ou IPqM SDR-7
Sistema de dados táticos Ferranti CAAIS 450/WSA 421; Link de dados YB
Controle de armas (3) Um Radar de DT Orion RTN-10X, banda I/J, (10) Alça eletro-ótica Saab EOS-400 FCS (TV, IR e laser) e duas alças óticas OFDLSE (2, 11)
Radares (5) Um radar Plessey AWS-4 de busca combinada, banda E/F; radar Kelvin Hughes Type 1007, banda I/J
Sonar Atlas Elektronik DSQS-21C de casco, busca ativa/passiva, média frequência
Helicóptero (13) Westland Super Lynx, armado com torpedos Mk.46 e/ou mísseis anti-navio BAe Sea Skua
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