Cabos submarinos podem “amarrar” a Portugal mais de 10 mil milhões em investimento estrangeiro
Os cabos submarinos não eram prioridade até há pouco tempo, mas são uma infraestrutura vital para as telecomunicações, centros de dados e energia. UE quer mais ligações e Portugal procura afirmar-se como um porto seguro no mar da conectividade, mas enfrenta concorrência de Espanha e França.
Quase 1,4 milhões de quilómetros de cabos submarinos no fundo dos oceanos e mares asseguram entre 97% e 99% do tráfego de internet em todo mundo, mas até há pouco tempo este tipo de infraestrutura não era uma prioridade para Portugal. Com a digitalização da economia e o consumo de serviços digitais em franca expansão, o país, seguindo orientações de Bruxelas, tem-se promovido nesta indústria com o objetivo de se tornar um autêntico entroncamento subaquático, esperando beneficiar diferentes setores da economia. Estão identificados projetos relacionados com os cabos submarinos que podem trazer à tona mais de dez mil milhões de euros em investimento estrangeiro.
O país tem sido promovido lá fora como “pioneiro na dupla transição energética e digital”, segundo Filipe Santos Costa, com os cabos submarinos a serem um dos pontos de atração para definir Portugal como um destino de investimento tecnológico.
“O nosso pitch é o do ‘Portugal Sustentável’”, conta o presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), que concluiu no início de maio uma campanha nos EUA.
A AICEP “trabalhou muito a atração de cabos submarinos”, sobretudo para convencer players internacionais da indústria a investir em estações de amarrações de cabos e centros de dados - dois eixos centrais para interligar Portugal ao mundo digital. Tudo para agora “potenciar a atração de investimentos subsequentes da economia digital, que farão o Portugal Tech Hub e catapultarão o país na nova economia”. “Eletricidade verde a bom preço, por um lado, e uma excelente infraestrutura de telecomunicações, por outro”, são os argumentos. “O sucesso é evidente”, defende Filipe Santos Costa.
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Só nos últimos seis anos, Portugal garantiu a amarração dos sistemas internacionais de cabos submarinos Ellalink e Olisipo, que ligam a Europa, via Portugal, à América do Sul e já estão em operação; o 2Africa (amarrado este ano) e o Equiano (entra ao serviço em 2025), que ligam África ao Velho Continente; o Medusa, que conecta o país aos cabos do Mediterrâneo e do Oriente, junto ao Canal Suez; e o Nuvem, que liga a Europa, via Portugal, aos EUA e que deverá estar operacional em 2026. Está ainda em discussão o Pisces, uma iniciativa da UE para ter um cabo que ligue a Irlanda a Portugal e Espanha, para vir a interligar e a complementar os cabos internacionais a sul com o norte do espaço europeu.
O mercado dos cabos submarinos estava avaliado em cerca de 24 mil milhões de euros pela consultora Straits Research, no final de 2022, estimando uma taxa de crescimento anual de 6,1% até 2031, atingindo os 41 mil milhões de euros. Este valor incluirá apenas a construção e implementação dos cabos. Se se tiver em conta que os cabos reduzem a latência e aumentam a largura de banda da net, só o Equiano, no caso português, irá injetar 500 milhões de euros/ano na economia nacional, estima a Copenhagen Economics.
O presidente da AICEP prevê que estes cabos representem investimentos na ordem dos 200 milhões de euros em Portugal. Pode parecer pouco, mas o gestor alerta para “o efeito multiplicador” dos mesmos, que não só são “um decisivo contributo para a infraestruturação nacional” como “são habilitadores da economia de dados”. O importante é capitalizar o tráfego de dados
“O importante”, realça, é que o país “não fique a ver passar cabos” e que “em cima da amarração se gerem clusters de interconexão e centros de dados, que a computação, processamento e armazenamento dos dados seja feita em Portugal”. Ou seja, a oportunidade dos cabos não é só fazer de Portugal apenas mais um eixo de interligações intercontinentais, mas sim, capitalizar o tráfego que chega.
Pelo menos, nove biliões de euros em transações financeiras são asseguradas, diariamente, pelo tráfego de internet suportado por cabos submarinos, segundo o estudo “Undersea Cables: Indispensable, insecure”, escrito pelo atual primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, em 2017. Só este dado permite depreender as portas que o fundo do mar pode abrir a uma economia de escala reduzida como é a portuguesa. É neste ponto que entram os centros de dados, que são pontos neutros para interligações, ou troca de tráfego, entre telecoms, prestadores de serviços de internet e cloud ou empresas que procurem serviços específicos para modelos de negócios digitais.
Desde 2018, destacam-se seis grandes investimentos em novos centros de dados para segurar o tráfego dos cabos: Start Campus, em Sines, com um investimento inicial de 3,5 mil milhões de euros; o data center da espanhola Merlin, em Vila Franca de Xira, onde está a construir um parque logístico, que deverá rondar os 1200 milhões de euros; a expansão do centro de dados da Equinix, em Loures, a rondar os 100 milhões; e a aposta de 500 milhões da Atlas Edge num centro de dados em Oeiras.
Resultam de “um enorme esforço de atração” da AICEP. Mas há mais. A agência está a namorar mais dois grandes centros de dados para Portugal. O responsável não entra em detalhes - “ainda é confidencial” e as empresas “estão a estudar várias localizações na Europa” - mas avalia-os “em torno de cinco mil milhões de euros” de investimento. “Diria [que o pipeline é de] cerca de 10,3 mil milhões de euros, metade mais firmes e metade mais prospetivos”, diz o gestor, notando que o país está a competir com Espanha, França, Reino Unido, Alemanha e Holanda.
Procura há, mas também há problemas por resolver
Em terra, Portugal é um país periférico na Europa, mas no mar é central. Está mais próximo de África e das Américas do que Espanha ou França, o que é uma vantagem no contexto do tal efeito multiplicador dos cabos submarinos na economia digital. O novo Governo sabe isso e procura dar seguimento à estratégia iniciada pelo anterior Executivo.
“Portugal ocupa uma posição crucial na rede global de cabos submarinos”, reitera fonte oficial do Ministério das Infraestruturas, indicando o objetivo de “reforçar a posição do país como um hub de dados muito importante”.
A mesma fonte diz que há dez sistemas de cabos submarinos amarrados em Portugal (Equiano, 2Africa, EllaLink, WACS, EIG, MainOne, SAT3, ACE, SeaMeWe3, TATA-TGN), além dos sistemas de cabos submarinos nacionais, principalmente o Anel CAM, que assegura as comunicações entre o continente, os Açores e a Madeira, e que está em curso a sua substituição pelo Atlantic CAM, que beneficiará também as regiões insulares com eventuais ramais aos cabos internacionais.
O que está em desenvolvimento “está em linha com a estratégia nacional para a conectividade e infraestruturas” e com a estratégia europeia, no âmbito da agenda da Década Digital da Europa, que tem o objetivo de garantir redes de alta velocidade a todos os residentes da UE até 2030. Ora, a estratégia europeia de conectividade extra e intra comunitária designa Portugal “como um das quatro portas de entrada europeias de dados, consideradas pela Comissão Europeia como elementos fundamentais da estratégia global”.
Problema? Embora o caminho feito seja positivo e haja procura, faltam criar mais condições no país, desde mais estações de amarração até à simplificação dos processos de licenciamento e certificação, tendo em conta que o investimento já realizado tem sido inteiramente privado. Foi esta uma das conclusões do CC-Submarine & TIS Summit 2024, organizado pela Carrier Community, uma associação mundial para empresas e empresários da indústria, em Cascais, no final de abril, que contou com a participação de gestores de topo da Altice, da Equinix ou do cabo Ellalink, entre outros.
Alexander Freese, chief operations officer (COO) da Altice Portugal, diz que o país “está no centro deste hype” e “tem boas condições para amarrar mais cabos”. No entanto, considera que “os processos têm de ser mais rápidos, em termos regulatórios e de licenciamento. “As necessidades são muitas nesta área”, alerta, notando que o lado positivo desta indústria é que se está a optar por “criar complementaridade, não concorrência”.
A Altice é a única telecom nacional com operação nesta área. Controla estações de cabos em Carcavelos, Sesimbra, bem como em Porto Santo e nos Açores. O COO não revelou planos, mas numa apresentação naquele evento, Jorge Andrade dos Santos, head of international wholsesale da Altice Portugal, revelou: “Estamos a desenvolver um novo projeto para uma estação de amarração de cabos, em Portugal”. O Dinheiro Vivo apurou que a dona da Meo está a estudar a região do Porto para o efeito, sendo o objetivo dar resposta a necessidades de tráfego no norte do país e, simultaneamente, concorrer com o norte de Espanha por mais ligações.
Carlos Paulino, managing director da Equinix Portugal, por sua vez, explica que “só o consumo interno de países como Espanha, Reino Unido França e Alemanha justifica grandes desenvolvimentos de projetos de dimensão que não vemos em Portugal”. Por isso, apela: “Todo o ecossistema digital, dos data centers, deveria ser uma prioridade para os governos”. Defende também que é “mandatório” mais promoção do país no estrangeiro e classifica de “pesadelo” os procedimentos de licenciamento. Refere que já foram “dados passos realmente significativos” e que “há mais flexibilidade”, mas pede mais “simplificação da regulação e do licenciamento de novos projetos”.
“Qualquer investidor que procure desenvolver um projeto em Portugal deve ser recebido de braços abertos e não com dificuldades de ter de andar de guichê em guiché”, afirma.
No final de novembro de 2023, o anterior Governo emitiu um despacho, assinado por João Galamba, com medidas para simplificar a instalação de cabos submarinos e de infraestruturas associadas, incluindo a criação de um portal de licenciamento único. Todavia, esse despacho é citado pelo Ministério Público no âmbito da Operação Influencer, que levou à queda do anterior Governo. Os procuradores acreditam que a conclusão e assinatura do referido despacho foi acelerada por influência do arguido Vítor Escária, antigo chefe de gabinete de António Costa, para, alegadamente, favorecer, pelo menos indiretamente, os interesses da Start Campus.
Philippe Dumont, CEO da Ellalink, empresa que controla o cabo que está amarrado em Sines e que será complementar ao centro de dados em híper escala da Start Campus, considera “um desastre total” para Portugal a suspeição que recai sobre o projeto de Sines. “É uma vergonha, ridículo”, acrescenta, notando que o processo “vai atrasar certamente o projeto” do centro de dados em Sines, “para nada”.
“É um dos maiores projetos da Europa, as pessoas não sabem da sua importância, e eu não trabalho para eles, mas são estas coisas que tornam os negócios difíceis para o futuro”, comenta, realçando que Espanha tem sido “mais proativa e favorável às empresas deste ecossistema do que Portugal”.
“Em França ou nos EUA, o licenciamento leva 18 meses. Em Portugal nunca sabemos. No entanto, a Anacom e a AICEP têm feito um grande trabalho, mas é preciso mais. Existe uma oportunidade gigantesca para Portugal, mas há poucos sinais de investimento.
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