Indústria bélica espera dobrar de tamanho
Com os incentivos fiscais anunciados pelo governo brasileiro, setor de defesa estima criar 23 mil empregos diretos nos próximos 10 anos. Isso é quase duas vezes mais do que o efetivo atual.
Alexandre Rocha
alexandre.rocha@anba.com.br
São Paulo – A indústria bélica brasileira recebeu na semana passada a melhor notícia desde o lançamento da Estratégia Nacional de Defesa (END), em 2008. A presidente Dilma Rousseff assinou medida provisória que isenta o setor do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e do Programa de Integração Social (PIS) durante cinco anos.
De acordo com a Receita Federal, isso vai resultar em uma redução, em média, de 30% do total de tributos incidentes sobre a cadeia produtiva, um alento em um País onde a carga tributária é uma das principais reclamações dos empresários, junto com a cotação do dólar e a infraestrutura precária.
"A Abimde estima que as novas regras deverão possibilitar a geração de 23 mil empregos diretos e 90 mil indiretos num período de dez anos", disse o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde), Orlando José Ferreira Neto, à ANBA por e-mail.
Na prática, o que ele prevê é que o setor vai dobrar de tamanho. Hoje, de acordo com informações da Abimde, que reúne 144 empresas, a indústria gera 25 mil postos de trabalho diretos e 100 mil indiretos.
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Pierantoni comemora decisão sobre compras do governo
A renúncia fiscal se insere em um dos eixos da END, que é o fortalecimento da indústria nacional. Além disso, o Plano Brasil Maior, lançado pelo governo no início de agosto, dá preferência aos produtos nacionais nas compras governamentais em certas áreas, inclusive a bélica. Para o vice-presidente executivo da Abimde, Carlos Afonso Pierantoni, essa é uma das principais novidades do plano no que diz respeito ao setor.
Ele acrescentou que, no âmbito da END, a criação de uma Secretaria de Produtos de Defesa "facilitou em muito a interlocução entre as indústrias e o Ministério da Defesa". O ministério é comandado pelo ex-chanceler Celso Amorim.
Os incentivos, porém, não têm como metas apenas a estímulo à indústria e a substituição de importações, mas também ampliar as exportações, como disse Dilma na semana passada. De acordo com a Abimde, as vendas de suas associadas somaram US$ 2,7 bilhões em 2009, sendo US$ 1 bilhão em exportações.
"Não queremos produzir só para o Brasil. Temos clareza que a nossa capacidade de sermos competitivos está baseada no fato de sermos capazes de exportar. [A medida] vai ter esse duplo efeito: de afirmar a indústria, mas também de fazer com que tenhamos uma balança comercial mais equilibrada", afirmou a presidente, segundo a Agência Brasil.
Made in Brazil
A criação de benefícios não quer dizer que o Brasil já não tenha uma indústria de defesa estruturada e tecnologias desenvolvidas no próprio País. O exemplo mais conhecido é o da Embraer, fábrica de aviões civis e militares com grande presença internacional, mas existem muitos outros.
Um deles é o da Opotvac, empresa que produz câmeras de visão noturna. “Tudo foi feito no Brasil. Nosso 'core business' são tecnologias bastante restritas e tivemos que desenvolver e aprender sozinhos, com o objetivo claro de contribuir para que o País recupere o tempo perdido em tais tecnologias", declarou o gerente de pesquisa e desenvolvimento da companhia, Henrique Nobre.
Segundo ele, o sucesso da empresa nessa área fez o Brasil entrar para um seleto grupo de países que detém “sistemas óticos com qualificação espacial” e que dominam tecnologias de imagens no “infravermelho térmico”, que permitem localizar pessoas e veículos no escuro e a grandes distâncias, inclusive em matas, pois o calor do corpo humano se destaca em relação ao resto do ambiente. “São sucessos obtidos através do esforço, perseverança e competências totalmente brasileiras”, destacou.
Nobre acrescentou que os equipamentos têm aplicações militares, em segurança pública e privada e mercado no Brasil e no exterior. "A demanda no mercado externo para câmeras térmicas de visão noturna é muito grande. O objetivo da Optovac é fazer com que esta tecnologia de visão noturna se torne totalmente acessível ao mercado brasileiro e a outros países, da América do Sul e, claro, também do Oriente", ressaltou.
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Teixeira: radar 95% desenvolvido no Brasil
Outro exemplo é o da Iacit, empresa de São José dos Campos, no interior de São Paulo, que foi contratada pela Força Aérea Brasileira (FAB) para realizar a atualização tecnológica de seis radares meteorológicos. “Acordo feito com empresa estrangeira permitiu absorção de uma parte menor de conhecimento, mas 95% do desenvolvimento foi feito no Brasil”, informou o presidente da companhia, Luiz Teixeira.
De acordo com a Iacit, o projeto tomou 18 meses e foram realizados investimentos de R$ 2 milhões com recursos próprios, partindo de um modelo de radar já utilizado pela Aeronáutica que “foi modificado quase que em sua totalidade, se tornando um dos mais modernos do mercado mundial”.
O equipamento é utilizado em estudos climáticos e é capaz de monitorar fenômenos meteorológicos a grandes distâncias, segundo Teixeira. Para ele, há mercado para o produto na América Latina e na África. O executivo destacou, porém, que “o maior mercado, de acordo com nossas expectativas, é o Brasil”.
Mais um exemplo é o da Orbisat, que desenvolveu um veículo aéreo não tripulado batizado de Sarvant. Segundo a empresa, trata-se do primeiro produto do gênero no mundo a ter um radar de sensoriamento remoto do tipo SAR, capaz de ultrapassar as copas das árvores. O primeiro vôo da aeronave com o radar está programado para ocorrer em dezembro e a comercialização deve começar em 2012.
A companhia espera abrir um mercado de R$ 25 milhões no Brasil e de R$ 100 milhões no exterior. O desenvolvimento já dura três anos e consumiu R$ 8 milhões em investimentos. Além da área de defesa, o equipamento pode ser usado no mapeamento de fazendas, represas e hidrelétricas.
Parcerias
Mas não é só por meio das compras governamentais e incentivos fiscais que essa indústria recebe apoio do Poder Público. Há dinheiro do estado também no financiamento de projetos. A Optovac e a Iacit, por exemplo, contam com recursos de entidades como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia.
As parcerias internacionais com transferência de tecnologias são também essenciais para a indústria brasileira. Entre os casos mais conhecidos e atuais estão o desenvolvimento do jato de transporte KC-390 da Embraer, que tem fornecedores de diferentes países, o acordo do Brasil com a França para construção de quatro submarinos convencionais e um nuclear e uma grande encomenda estatal de helicópteros à Helibras, companhia brasileira controlada pela Europeia EADS, dona da Eurocopter e da Airbus.
De acordo com Ferreira Neto, da Abimde, a partir da END, os projetos de maior vulto das Forças Armadas Brasileiras, entre eles os citados acima, vão representar pelo menos US$ 40 bilhões nos próximos 10 anos. Para atender outras necessidades militares o valor pode chegar a US$ 120 bilhões, segundo ele, em uma estimativa “conservadora”.
“Nossas empresas aumentam as exportações dos produtos de defesa e segurança, aumenta o entrosamento entre os ministérios da Defesa e da Justiça, especificamente em função da vigilância da faixa de fronteiras, enfim, o cenário é promissor”, acrescentou Pierantoni, também da Abimde.