Artista plástico é censurado por mostrar líder sul-coreana de forma pouco convencional
Hong Sung-dam pintou um quadro que faz referência a morte de 250 jovens em um naufrágio no país asiático
por Choe Sang Hun
13/09/2014 | 05h50
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Artista plástico é censurado por mostrar líder sul-coreana de forma pouco convencional Jean Chung/NYTNS
Foto: Jean Chung / NYTNS
Depois que 250 jovens sul-coreanos morreram no naufrágio do Sewol, em abril, o artista Hong Sung-dam atacou a elite política e financeira que ele considera responsável pelo desastre, fazendo-o da maneira que sabe melhor: usando a pintura, derramando seu protesto nas telas como fez durante os longos anos da ditadura militar no país. Hong não foi preso dessa vez, como normalmente acontecia nos derradeiros anos do antigo regime, mas seu quadro de 10 x 2 metros, que inclui uma caricatura da presidente Park Geun-hye, foi retirado da mais famosa exposição de arte internacional da Coreia do Sul, em um tipo de censura geralmente reservada para os acusados de apoiar a Coreia do Norte comunista.
— Isto é um insulto ridículo — disse Hong sobre o tratamento recebido por sua obra, na qual Park é retratada como uma marionete controlada por seu falecido pai, que liderou o país por quase duas décadas depois de um golpe. — O que eles fizeram comprova o que tento mostrar na pintura. Sob o governo de Park Geun-hye, o país está voltando às velhas práticas da era de seu pai, reprimindo a liberdade de expressão —
A administração de Park vem recebendo duras críticas desde o desastre, primeiro pelo esforço de resgate fracassado, depois, por resistir a uma investigação ampla e independente que as famílias das vítimas exigiam e pelo sistema regulatório negligente do governo, que muitos dizem ter contribuído para o naufrágio. A obra, que Hong elaborou juntamente com outros artistas convidados, mostra a fatídica embarcação ao centro, de cabeça para baixo. Duas figuras enormes a levantam da água, e — em um final mais feliz — os passageiros saem do barco, sorrindo e acenando. Em torno dessa cena há uma galeria de imagens fantasmagórica da história da política sul-coreana, algumas datando do regime militar no país.
Um prisioneiro é torturado em um interrogatório e figuras sinistras espreitam, usando óculos escuros e uniformes do exército. As autoridades locais defenderam a recusa inicial em permitir a exibição do quadro na mostra, a Bienal de Gwangju, ato inesperado em uma cidade com uma longa história de resistência ao poder político conservador.
— Exigimos a exclusão da pintura de Hong por causa de sua explícita intenção política, como a paródia à presidente — disse em agosto Oh Hyung-guk, vice-prefeito de Gwangju, acrescentando que a cidade não podia tolerar um trabalho como esse em uma exposição de arte que ajudou a financiar, mas, como a crítica foi aumentando, a cidade acabou cedendo um pouco, deixando a decisão final para as autoridades do festival, que acabaram por proibi-la. Alguns artistas abandonaram a Bienal em protesto e funcionários do alto escalão se demitiram, dizendo que tiveram que escolher entre defender a liberdade de expressão de Hong e respeitar os desejos da cidade, principal financiadora do evento.
A controvérsia, que não recebeu nenhum comentário da administração Park, trouxe de novo à baila as questões antigas sobre os limites da expressão artística na Coreia do Sul. Artistas sul-coreanos estão muito mais livres hoje do que sob o regime militar, quando o giz de cera chamado Picasso foi banido por causa das associações comunistas do artista, mas aqueles que se aventuram na sátira política — como outros críticos do governo — muitas vezes se sentem isolados e perseguidos, e representações pouco elogiosas de líderes políticos podem levar a processos judiciais e até mesmo a acusações de difamação. Para Hong, artista plástico de 59 anos, que há décadas foi preso e torturado por sua opinião política, a luta em defesa da pintura é a mais recente escaramuça em uma longa batalha contra as forças repressivas, que ele acredita ainda estarem em ação.
— Ele é o último artista remanescente da resistência nos tempos da ditadura — disse Gim Jong-gil, crítico de arte. Quando jovem, Hong estudou arte em Gwangju, que na década de 70 foi um centro de ativismo contra a ditadura de Park Chung-hee, pai do Park Geun-hye. Quando o governo de Park Chung-hee terminou com seu assassinato, no final de 1979, Hong era um pintor premiado e participante do movimento clandestino pró-democracia da cidade. As esperanças de que a morte de Park levaria à democratização foram logo esmagadas quando o General Chun Doo-hwan tomou o poder, um dos protegidos de Park, chefe da inteligência militar durante o último ano de seu governo.
Gwangju eclodiu em protestos e o regime enviou tanques e paraquedistas para a cidade em maio de 1980, matando centenas de pessoas.
— Eu vi com meus próprios olhos muitos de meus amigos e colegas mortos. Decidi que minha missão de vida seria registrar e denunciar a brutalidade do Estado. A pintura é minha língua, meu protesto, meu cartaz — disse Hong. No governo de Chun, Hong, que vivia fugindo das autoridades, produziu litografias retratando cenas do massacre de Gwangju. Ele, porém, é mais conhecido pelas grandes telas, que muitas vezes mostram os sul-coreanos que sofreram nas mãos de seus líderes. As obras do artista foram aproveitadas pelo movimento democrata estudantil dos anos 80. A polícia, usando gás lacrimogêneo, invadiu universidades e destruiu pinturas. Embora Hong tenha se livrado da prisão durante os anos mais sombrios da ditadura, foi preso em 1989, quando o país se movia rumo à democracia, depois de enviar slides de alguns de seus trabalhos, incluindo uma pintura que retratava a revolta de Gwangju, para coreanos americanos que estavam indo para um festival da juventude em Pyongyang, na Coreia do Norte.
Considerou-se que ele violou a lei de segurança nacional, ainda em vigor hoje, que proíbe qualquer ato que possa ser visto como "ajuda ao inimigo", o vizinho do norte. Foi torturado e passou três anos na prisão. Depois que a Coreia do Sul migrou para a democracia, na década de 1990, a maioria dos artistas ativos na resistência ao regime militar optou por outros temas, mas Hong continuou a produzir um trabalho com orientação política.
Em 2012, quando a conservadora Park concorreu à Presidência, ele a transformou em alvo. Um quadro sarcástico a mostrava dançando o "Gangnam Style", a famosa coreografia criada por Psy, sob a corda de uma forca, em uma alusão ao enforcamento de dissidentes sob o regime de seu pai. Furiosos, os políticos conservadores compararam Hong a Joseph Goebbels. O Comitê Eleitoral Nacional o acusou de violar a lei eleitoral sul-coreana, que proíbe a difamação de candidatos com a intenção de impedir sua eleição. Mas ele não foi acusado. "Sewol Owol", a obra de Hong sobre a balsa afundada, alude tanto ao desastre da Sewol quanto às mortes de Gwangju ("owol" significa maio, mês em que ocorreu o massacre). Ambos os eventos ocorreram em locais familiares a Hong, que não só testemunhou os assassinatos de Gwangju, mas viveu durante anos em Ansan, a cidade de onde vinham os jovens que morreram a bordo do Sewol. Segundo ele, dentre os alunos, uma garota do primeiro ano, vinda de uma família pobre, trabalhou em seu estúdio para ganhar algum dinheiro e aprender técnicas para perseguir seu sonho de ser artista plástica.
— Trinta e quatro anos após o massacre de Gwangju, no desastre do Sewol, vi outra carnificina perpetrada por um cartel de empresas capitalistas, burocratas corruptos e um governo irresponsável e incompetente — disse Hong, referindo-se à ganância corporativa e à corrupção do governo que os investigadores dizem ter contribuído para o desastre. Depois que a cidade rejeitou sua obra, ele adaptou a pintura ligeiramente. Substituiu a caricatura da presidente por uma galinha, referência ao apelido que a líder ganhou de seus críticos. Os funcionários municipais também rejeitaram essa versão. Hong vê a reação à pintura de Sewol como sintoma de uma sociedade disfuncional, que não pode discutir seus problemas abertamente. Uma sociedade como essa está fadada ao desastre.
— Satirizar o poder político não deveria ser um crime — ele lamenta.
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