COMANDANTE DA MARINHA
19 DE DEZEMBRO DE 2006
Submarinos: A Visão da Marinha.
Tenho observado, nos últimos meses, uma série de artigos em diversos
órgãos da mídia, em matérias veiculadas pela internet, e até em
pronunciamentos feitos por parlamentares no Congresso Nacional,
todos manifestando preocupações sobre o tema "submarinos" , que podem
ser resumidas, basicamente, nos seguintes tópicos:
- por que a Marinha do Brasil (MB) interrompeu o projeto de
construção de um submarino movido a propulsão nuclear?
- por que a opção da MB pelo projeto alemão IKL-214, em detrimento
de projetos de outras origens?
- por que não partir logo para a construção de um nuclear, ao invés
de um convencional?
- por que a MB insiste com o projeto IKL-214, que estaria
apresentando sérios problemas na marinha grega?
O tema é cativante, e a MB não se recusa a discuti-lo. Mas, devemos
ter cuidado, pois, se por um lado essas dúvidas podem ser normais e
até esperadas para aqueles que não estão familiarizados com todas as
variáveis envolvidas no problema, por outro, elas podem estar sendo
motivadas por opiniões ou até por interesses comerciais
contrariados.
Vamos por partes.
A MB não interrompeu nenhum projeto de construção de um submarino
movido a propulsão nuclear, até porque esse projeto infelizmente
ainda não existe, e nem cogita da hipótese de, ao invés da
construção de um convencional, partir para a construção de um
nuclear, pelo menos, na próxima década.
O Programa Nuclear da Marinha, que, com enorme sacrifícios, a Força
vem executando desde 1979, visa capacitar o País a dominar o ciclo
do combustível nuclear - o que já se conseguiu - e desenvolver e
construir uma planta nuclear de geração de energia elétrica,
inclusive o reator, o que ainda não está pronto. Desenvolvidos e
concluídos esses dois projetos e logrado êxito na operação dessa
planta nuclear, estarão criadas as condições para que, no futuro,
havendo uma decisão de governo para tal, possa ser dado início à
elaboração do projeto e a posterior construção de um submarino
nuclear de ataque (SNA), que terá de ser antecedido pelo projeto,
construção e avaliação de um submarino convencional nacional. Esse
foi o caminho percorrido por todos os países que possuem submarinos
nucleares nas suas marinhas.
Do início, em 1979, até por volta do princípio da década de 1990, o
Programa Nuclear da Marinha contou com o aporte de recursos
adicionais ao orçamento da Força, provenientes de outras fontes
governamentais, que possibilitaram o domínio do ciclo do
combustível, alcançado ao final da década de 1980. A partir daí, o
programa passou a ser custeado, praticamente, com recursos apenas do
orçamento da MB, que, além de declinante, tem de atender a todas as
demais demandas da Força. A solução visualizada para a conclusão
desse Programa é a sua transformação em um Programa Nacional, e não
apenas da Marinha, garantindo o aporte adicional, regular e
continuado dos recursos capazes de fazer face às necessidades de um
empreendimento dessa natureza.
Na concepção estratégica da MB, a disponibilidade desses meios
significaria acrescentar nova dimensão ao nosso Poder Naval,
garantindo-lhe invejável capacidade de dissuasão e colocando-o à
altura das necessidades resultantes da missão constitucional da
Força Naval.
Graças à sua virtualmente inesgotável fonte de energia, o SNA pode
permanecer submerso por tempo indefinido, limitado, apenas, pelo
fator humano, em total independência da atmosfera, o que lhe garante
mobilidade, velocidade e absoluta identidade com as profundezas que
o abrigam, dificultando sua detecção e transformando- o numa das mais
formidáveis plataformas navais jamais construídas.
Entretanto, para uma unidade de combate, não basta ser uma
plataforma capaz de deslocar-se indefinidamente, oculta e em alta
velocidade. É necessário que ela disponha de sensores adequados,
sistema de navegação inercial e de armamento condizente com suas
potencialidades.
É também indispensável, para empregar um SNA, explorando
adequadamente todas as suas características, que se disponha de
meios de comunicação capazes de permitir o seu controle, no mar, sem
obrigá-lo a quebrar a sua notável capacidade de ocultação. Isso
implica na existência de pelo menos uma estação transmissora em
terra, que opere na faixa de "muito baixa freqüência" (VLF),
garantindo que o submarino possa receber mensagens sem se expor.
Entretanto, para que ele as possa transmitir, com risco mínimo de
ser detectado, é necessário um sistema militar de comunicações por
satélite.
Todas as marinhas do mundo que operam submarinos nucleares dispõem
desses recursos, todos de elevado custo de obtenção e de manutenção,
mas que, infelizmente, ainda não temos.
Em acréscimo, não há, na Marinha ou no País, uma massa crítica de
engenheiros plenamente capacitados a projetar um SNA. Para elaborar
os respectivos Projeto de Concepção, Projeto Preliminar, Projeto de
Contrato e Projeto de Construção (detalhamento para o estaleiro
construtor), é necessário um longo aprendizado em projetos de
submarinos. A construção de unidades convencionais (propulsão diesel-
elétrica), no País, é o caminho que vem sendo trilhado pela MB para
qualificar seu quadro de engenheiros navais para, no futuro,
alcançar a meta pretendida.
Também, no Brasil, não há um único estaleiro dimensionado para esse
empreendimento; teríamos de construir ou adaptar um, para essa
finalidade, com custos difíceis de imaginar, mas certamente bem
elevados, até porque a escala das "encomendas" será pequena.
A base de submarinos existente, situada na Baía de Guanabara, não
possui calado (profundidade local) suficiente para receber um SNA,
nem capacidade de expansão para o atendimento de suas necessidades.
Será necessário, então, selecionar área litorânea apropriada para se
investir na construção de sofisticada base naval, capaz de lhe
garantir todo o apoio necessário, ocasião em que, certamente,
surgirá a questão ambiental.
Enfim, é preciso compreender que um SNA não pode existir
isoladamente, mas como parte de um complexo e dispendioso conjunto;
também, para a obtenção de um meio, não se pode considerar apenas
seu custo de aquisição, mas, principalmente, o custo de posse, que,
no caso de um SNA, com os requisitos de segurança e controle de
qualidade requeridos para a manutenção de seus sistemas nucleares,
excedem as possibilidades dos orçamentos alocados à Marinha ao longo
dos últimos vinte anos. Na verdade, para se ter um SNA – e não
poderíamos ficar em apenas um - é preciso não apenas capacitar-se a
construí-lo, mas criar, antes, uma fantástica estrutura capaz de
abrigá-lo, mantê-lo e apoiá-lo, juntamente com aquela capaz de operá-
lo.
Em síntese, o sonho existe, mas devemos ter a perfeita consciência
das enormes dificuldades e do longo caminho ainda a percorrer para
concretizá-lo. Ademais, isso não pode ser apenas um sonho da
Marinha. É necessário uma vontade do Estado Brasileiro, para que o
sonho possa, no futuro, transformar- se em realidade.
Deve-se destacar, entretanto, que, ao longo de todo o processo de
desenvolvimento do seu Programa Nuclear, cujos projetos integrantes
já foram citados, a Marinha jamais deixou de investir na construção
e operação de submarinos convencionais, não só por necessitar de
meios capazes de cumprir as tarefas do Poder Naval que lhes são
inerentes, como por reconhecer seu valor dissuasório. Releva notar
que, com o fim da Guerra Fria, a importância estratégica desses
meios - diferentemente do apregoado por alguns - só fez crescer,
haja vista a evolução sofrida na doutrina naval da maior e mais
poderosa marinha do mundo, a dos Estados Unidos da América, que hoje
reconhece os submarinos convencionais como uma das principais
ameaças que poderá ter de enfrentar em águas litorâneas – as
denominadas águas marrons - graças ao seu reduzido "nível de ruídos
irradiados" e a sua natural manobrabilidade em águas rasas.
Se o submarino convencional fosse tão inútil, como alguns pensam, a
Marinha dos Estados Unidos não teria passado a patrocinar, a partir
de 2001, um programa denominado "Diesel-Electric Submarines
Initiative", destinado a preparar a esquadra americana para
enfrentar submarinos convencionais. Também, não teria, no mesmo
programa, arrendado um submarino convencional da Real Marinha da
Suécia, o "Gotland", para ajudá-la naquela preparação.
Razões para tanta preocupação parecem sobrar, de fato, aos
americanos, haja vista o incidente naval ocorrido no dia 26 de
outubro de 2006, quando um submarino convencional chinês,
classe "Song", emergiu ao lado do porta-aviões USS "Kitty Hawk", que
navegava próximo a Okinawa, acompanhado de escolta, que, além das
unidades de superfície, normalmente, inclui um ou dois submarinos
nucleares de ataque classe "Los Angeles". A propósito, com bastante
embaraço, o Pentágono reconheceu que o submarino chinês não havia
sido detectado pela força naval.
E não precisaríamos ir tão distante para buscar exemplos. Os nossos
atuais submarinos da classe "Tupi", em diversos exercícios
realizados, inclusive com marinhas da Organização do Tratado do
Atlântico Norte, mostraram-se bastante eficazes.
Em face dos fatos apresentados, a Marinha reitera sua determinação
de continuar a construir submarinos convencionais, no País, de modo
a, por um lado, evitar a perda de capacitação tão duramente
adquirida, mantendo a meta de qualificar os nossos engenheiros e,
por outro, assegurar a renovação e posse de meios que, na
atualidade, ainda se constituem em uma poderosa arma, a despeito da
discordância de alguns.
A opção da Marinha, no momento, é a construção de um submarino
convencional de origem alemã, do tipo IKL-214, no Arsenal de Marinha
do Rio de Janeiro (AMRJ), e a modernização dos nossos atuais cinco
submarinos, também no nosso Arsenal. Todos os nossos submarinos
atuais são de projeto alemão, sendo que o primeiro foi construído na
Alemanha, e os demais no AMRJ.
O IKL-214 é um submarino convencional moderno, bastante semelhante
aos IKL-212, em uso nas marinhas da Alemanha e da Itália.
Essa opção baseia-se, basicamente, além do fato da Marinha estar
satisfeita com o desempenho dos seus atuais submarinos, nas
indiscutíveis vantagens decorrentes da manutenção de uma linha
logística já existente, tanto na parte relativa ao material
(construção e manutenção), como na concernente à formação do nosso
pessoal.
A escolha de um outro submarino, além da drástica alteração na linha
logística, faria com que a nossa Força de Submarinos passasse a
conviver e operar com dois tipos diferentes de meios, experiência
pela qual ela já passou, e que não foi boa.
Quanto aos possíveis problemas que estariam ocorrendo com o
submarino IKL-214 adquirido pela marinha grega, a MB está
acompanhando o assunto com atenção, mas sem se deixar influenciar
pelo noticiário da mídia, ou por ações de lobistas. Sabemos que
problemas técnicos podem ocorrer quando se constrói qualquer meio.
Para isso existem as "provas de mar". Por exemplo, um submarino da
classe "Scorpène" construído na França para uma outra marinha,
também apresentou problemas nas suas provas de mar, problemas esses
que foram diagnosticados e corrigidos, como é normal. A esse
respeito, tranqüiliza-nos, de certa forma, a longa e histórica
tradição de qualidade dos estaleiros alemães, no que se refere à
construção de submarinos para diversas marinhas do mundo, inclusive
a nossa, e informações que recebemos tanto do estaleiro alemão, como
da Marinha da Grécia, de que os problemas materiais detectados não
foram sérios e estão sendo corrigidos. Mas o assunto continua em
avaliação. Persistindo qualquer dúvida sobre a qualidade do projeto
IKL-214, poderíamos, por exemplo, substituí-lo por mais um da
classe "Tikuna".
Evidentemente, o sonho de poder um dia contar com alguns SNA no
inventário dos meios navais brasileiros permanece. Entretanto, o
Comandante da Marinha e o Almirantado, que o assessora, somente
podem tomar decisões com base na fria realidade dos fatos. Em meio a
um cenário de absoluta escassez orçamentária, devem identificar,
entre as opções possíveis, a que melhor atende aos interesses do
País e os da sua Força, e apenas esses.
ROBERTO DE GUIMARÃES CARVALHO
Almirante-de- Esquadra
Comandante da Marinha