O que muitos parecem incompreender é que na geopolítica dos EUA, não existe uma diretriz única a ser seguida. O que se observa é uma bipolaridade de ideias, com Democratas e Republicanos alternando entre períodos de confrontação e détente. Esse fenômeno é muito bem explicado no excelente vídeo de Pascal Lottaz, do Neutrality Studies:
Pascal mostra dois documentos da RAND sobre a abordagem com relação à Rússia:

https://www.rand.org/pubs/research_reports/RR3063.html

https://www.rand.org/content/dam/rand/p ... _CF410.pdf
Neste momento, observa-se uma estagnação no volume de negócios comerciais da Rússia. O declínio acentuado decorre da redução na demanda por produtos automotivos chineses. Além disso, há dados alarmantes sobre as exportações russas para a China: o período de inverno deveria ter impulsionado a compra de recursos energéticos, mas isso não ocorreu. Se as tendências do início do ano forem projetadas para o restante de 2025, Rússia e China podem esperar uma redução de 5% a 7% no volume de negócios comerciais, caindo para cerca de US$220 bilhões — ainda um patamar elevado. Pode-se dizer que, após atingir níveis recordes, o comércio entre os dois países está entrando em uma fase de estabilização. Sem uma expansão na diversidade de suprimentos russos, esse volume não aumentará. Uma reaproximação com os EUA poderia tornar a Rússia ainda mais independente da China economicamente. Por exemplo, o retorno de marcas ocidentais ao mercado russo tende a deslocar as marcas chinesas. No setor automotivo, uma pesquisa indica que apenas 11% dos russos continuarão usando carros chineses após a volta das marcas estrangeiras.
A estratégia de Trump é clara. Ele busca desmantelar o chamado 'Eixo da Revolta' (Axis of Upheaval), cujas implicações globais são consideradas muito mais graves do que a invasão da Ucrânia pela Rússia. No período pós-Guerra Fria, o Ocidente consolidou uma hegemonia incontestável, pois não havia concorrentes capazes de desafiá-lo individualmente. Agora, o cenário mudou. China, Rússia, Coreia do Norte e Irã são, cada um, excepcionalmente perigosos; juntos, representam um pesadelo para a geopolítica futura.
Os EUA absolutamente não têm a estrutura de força para sequer detê-los, acrescentar a Europa não ajuda. Os americanos devem minar essa aliança, ponto final. Pessoas como HOC e outros que acham que os EUA e seus aliados conseguem deter esse novo eixo podem estar completamente enganados, falei sobre isso aqui:
https://defesabrasil.com/forum/viewtopi ... 1#p5668951
https://defesabrasil.com/forum/viewtopi ... 7#p5668707
Independentemente do que aconteça, os EUA estão pelo menos em uma Guerra Fria contra a China. Quase certamente o Irã também, devido ao seu poder no Oriente Médio e problemas com Israel. Também não precisam estar em uma Guerra Fria contra a Coreia do Norte, e certamente seria bom se a rixa com a Rússia acabasse. Isso libertaria os americanos dos compromissos massivos na Europa, permitindo uma mudança legítima para focar na China, provavelmente no Irã primeiro antes que eles tenham armas nucleares.
Isso não vai funcionar se a administração de Trump fizer uma cagada enorme com Putin em todas as oportunidades. Dois artigos sobre isso aqui:
https://warontherocks.com/2025/01/the-t ... -upheaval/
https://www.foreignaffairs.com/china/ca ... and-russia
Os EUA não tem a capacidade para deter o Eixo da Revolta, isso simplesmente nunca esteve no reino das possibilidades. Atacar o Irã agora é um ótimo momento para resolver o problema militarmente para garantir que eles não possam se recuperar e, especialmente, não possam desenvolver armas nucleares.
Mas como isso é possível se a Rússia pode intervir até mesmo militarmente?
Além disso, onde encontrariam a estrutura de força para ameaçar o Irã enquanto também precisam de uma grande força de dissuasão na Europa?
Os EUA não apenas estiveram perigosamente próximos de iniciar uma guerra com a Rússia, mas o nível de dissuasão necessário para conter os russos está comprometendo completamente os esforços de dissuasão contra o principal adversário: a China. Se os EUA lidarem com cada adversário de forma isolada, não conseguirão deter a China. Se todos os adversários se unirem — o que, aliás, já está acontecendo —, então certamente não deterão ninguém.
Enquanto isso, as tensões com a Coreia do Norte estão se agravando. Sim, eles têm capacidade de projetar poder sobre Washington, pois suas armas nucleares já podem atingir o território continental dos EUA (CONUS). Isso significa que, se a Coreia do Norte entrar em cena em um conflito como uma guerra OTAN-Rússia ou EUA-China, os EUA também terão de enfrentá-la. Isso exigiria o comprometimento de mais forças na Coreia do Sul para contê-la. A Rússia, por sua vez, estabeleceu recentemente uma aliança de defesa vinculativa com a Coreia do Norte, que a obriga a intervir em caso de conflito. A guerra na Ucrânia foi o catalisador disso, transformando os principais rivais dos EUA em aliados em apenas três anos. Esse cenário é preocupante, o que destaca a importância de enfraquecer essa aliança.
E o que isso deixa para a China? Nada. Esse é exatamente o problema. A China representa a maior ameaça, pois é o único adversário capaz de superar os EUA como potência econômica — algo que a Rússia não tem a menor condição de fazer. As Estratégias de Segurança Nacional dos EUA, nos mandatos dos últimos três presidentes, identificaram a China como a ameaça número um. Ainda assim, não há uma dissuasão confiável para impedir uma invasão de Taiwan. A estrutura de forças americanas, excessivamente reduzida, está sobrecarregada em outros fronts, especialmente por causa das ações do Eixo da Revolta, cujos membros mantêm uma relação de grande proximidade entre si.
São tantas ameaças unidas para deter que isso sobrecarrega os EUA. Eu falei sobre isso aqui:
https://defesabrasil.com/forum/viewtopi ... 6#p5641846
Dividir para conquistar não foi apenas uma estratégia inteligente para os romanos.