https://www.publico.pt/2022/03/02/mundo ... ra-1997322
Um excerto:
O sonho de Putin de reconstruir o império russo sempre se baseou na mentira de que a Ucrânia não é uma nação real, que os ucranianos não são um povo real e que os habitantes de Kiev, Kharkiv e Lviv anseiam pelo domínio de Moscovo. Isso é uma mentira completa — a Ucrânia é uma nação com mais de mil anos de história e Kiev já era uma grande metrópole quando Moscovo não era sequer uma aldeia. Mas o déspota russo já contou a sua mentira tantas vezes que aparentemente ele próprio acredita nisso.
Mas havia um grande facto desconhecido sobre este plano. Como os americanos aprenderam no Iraque e os soviéticos aprenderam no Afeganistão, é muito mais fácil conquistar um país do que mantê-lo.
A cada dia que passa, torna-se mais claro que o jogo de Putin está a falhar. O povo ucraniano está a resistir com toda a força, ganhando a admiração de todo o mundo — e ganhando a guerra. Muitos dias sombrios estão pela frente. Os russos ainda podem conquistar toda a Ucrânia. Mas, para vencer a guerra, os russos teriam de segurar a Ucrânia e só o podem fazer se o povo ucraniano o permitir. Parece cada vez mais improvável que isso aconteça.
Cada tanque russo destruído e cada soldado russo morto aumentam a coragem dos ucranianos para resistir. E cada ucraniano morto aprofunda o ódio dos ucranianos contra os invasores. O ódio é a mais feia das emoções. Mas, para as nações oprimidas, o ódio é um tesouro escondido. Enterrado no fundo do coração, pode alimentar a resistência durante gerações. Para restabelecer o império russo, Putin precisa de uma vitória relativamente sem derramamento de sangue que conduza a uma ocupação relativamente sem ódio. Ao derramar cada vez mais sangue ucraniano, Putin está a garantir que o seu sonho nunca será realizado. Não será o nome de Mikhail Gorbatchov que ficará escrito na certidão de óbito do império russo: será o de Putin. Gorbatchov deixou russos e ucranianos a sentirem-se como irmãos; Putin transformou-os em inimigos e assegurou que a nação ucraniana se definirá doravante em oposição à Rússia.
As nações são, em última análise, construídas sobre histórias. Cada dia que passa acrescenta mais histórias às que os ucranianos irão contar não só nos dias sombrios que se avizinham, mas também nas décadas e gerações vindouras. O Presidente que se recusou a fugir da capital, dizendo aos EUA que precisa de munições, não de boleia; os soldados da ilha de Zmiinii que disseram a um navio de guerra russo para “se ir foder”; os civis que tentaram parar os tanques russos, sentando-se no seu caminho. É deste material que as nações são construídas. A longo prazo, estas histórias contam mais do que tanques.
O déspota russo deveria saber isto tão bem como qualquer pessoa. Nos tempos de criança, cresceu com uma dieta de histórias sobre atrocidades alemãs e a coragem russa no cerco de Leninegrado. Está agora a produzir histórias semelhantes, mas escolhendo fazer o papel de Hitler.
Todos podemos ser inspirados a ousar fazer algo, seja fazer uma doação, acolher refugiados ou ajudar com a luta online. A guerra na Ucrânia vai moldar o futuro do mundo inteiro. Se a tirania e a agressão forem autorizadas a vencer, todos sofreremos as consequências. Não há razão para continuarmos a ser apenas observadores. É tempo de nos erguermos e sermos tidos em conta.
Infelizmente, é provável que esta guerra seja duradoura. Assumindo formas diferentes, pode muito bem durar anos. Mas a questão mais importante já foi decidida. Os últimos dias provaram ao mundo inteiro que a Ucrânia é uma nação muito real, que os ucranianos são um povo muito real e que definitivamente não querem viver sob um novo império russo. A questão principal deixada em aberto é quanto tempo levará para que esta mensagem penetre nas paredes espessas do Kremlin