AVIBRAS, Girão e o Princípio da Incerteza

Tópicos sobre regras de conduta, informações, comunicados, tutoriais de uso das funções do fórum e o Procedimento de Registro. Leitura indispensável.

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AVIBRAS, Girão e o Princípio da Incerteza

#1 Mensagem por Túlio » Dom Jul 05, 2020 7:29 pm

PARTE 1

PRINCÍPIO DA INCERTEZA


O conhecido Princípio da Incerteza de Heisenberg (1901 > 1976) não tem finalidades exclusivamente ligadas à Física Quântica, do mesmo modo que a Arte da Guerra (mais a de Sun Tzu do que a de Maquiavel) não se limita a estratégias e táticas voltadas para o que Von Clausewitz chamaria, com alguma irreverência, de "continuação da política por outros meios". Há muitas outras aplicações, uma dos quais seria, com base em que não podemos confiar que a nossa compreensão da Realidade seja perfeita e irrefutável, ou seja, imune a variáveis conjunturais não-previstas, obrigar qualquer Decisor, político e/ou militar, a levar em conta toda Improbabilidade que esteja a alguma distância da Impossibilidade. Naturalmente, a cautela necessária será diretamente proporcional à distância entre Improbabilidade e Impossibilidade.

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Exemplos do acima abundam e, no concerto das nações, mesmo neste século/milênio recém-nascido, já temos muitos para mostrar, que vão desde a invasão do Iraque em 2003 (onde, comparando aos ponteiros de um relógio analógico, seria meio-dia/meia-noite, pois o "ponteiro grande" estava perfeitamente sobreposto ao "ponteiro pequeno", considerando-se um como a Impossibilidade e o outro a Improbabilidade de algum meio de defesa não-convencional estar disponível a quem seria atacado) até a pretensa invasão militar do Irã que seria conduzida pelos Estados Unidos e Israel, a título de evitar que desenvolvesse armas nucleares. Esta, no início considerada muito mais uma certeza do que uma possibilidade, foi progressivamente esmaecendo, eis que o Irã possuía duas coisas que faltavam ao seu vizinho Iraque:

1 - A capacidade comprovada de desenvolver, produzir e empregar pelo menos três dos quatro componentes da sigla que nossos militares (Brasil) empregam para designar armas não-convencionais, ou seja, QBRN (Química, Biológica, Radiológica e Nuclear);

2 - A capacidade igualmente comprovada de desenvolver, produzir e empregar vetores endógenos prontos para entregar estas horrendas capacidades quando e onde fosse interessante.

Caso análogo ao de outro "patinho feio e malvado", a Coréia do Norte, aliás. Nos dois exemplos podemos ver que os "ponteiros" estão um bocado distantes um do outro. E as invasões/ataques foram postergadas sine die, para surpresa de ninguém que tenha alguma compreensão do Princípio supracitado.

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Deve ser ainda ressaltado que o Princípio sustentado por Heisenberg para um fim específico pode ser encontrado muito mais para trás, desde a Evolução da Terra e seres vivos em geral até especificamente a da Humanidade, chegando aos dias de hoje, e os exemplos seriam então incontáveis.

(A seguir parte 2: Girão)




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Re: AVIBRAS, Girão e o Princípio da Incerteza

#2 Mensagem por Túlio » Ter Jul 07, 2020 4:57 pm

PARTE 2

GIRÃO


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Dalton Ellery Girão Barroso, um Professor de Física Nuclear do IME (Instituto Militar de Engenharia, uma Organização de Ensino e Pesquisa do Exército Brasileiro) celebrizou-se nos primeiros anos deste século por publicar uma tese de doutorado, chamada "Simulação Numérica de Detonações Termonucleares em Meios Híbridos de Fissão-Fusão Implodidos Pela Radiação", e por ter, de forma resumida, a publicado em um livro ("A Física dos Explosivos Nucleares", à venda até hoje mesmo pela internet, em formatos que vão desde o papel até o e-book e PDF), do qual em um dos capítulos descreveu detalhadamente, e com as necessárias equações, o mecanismo de funcionamento necessário a uma cabeça-de-guerra termonuclear. Poderia ter ficado por isso mesmo, apenas mais uma tese de doutorado dentre tantas outras, mas com a publicação do livro a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) reagiu com agressividade inédita. A razão: o cientista cearense havia, na prática, replicado todos os dados necessários ao desenvolvimento de uma ogiva de última geração, leve, pequena e potentíssima, em torno de 300 KT (KiloTons, o equivalente teórico à detonação de cerca de 300 mil toneladas de TNT), equivalente à então moderníssima (o é até hoje) W87, que faz parte dos mais tenebrosos meios de ataque nuclear dos Estados Unidos da América. Em linhas gerais, ela mede cerca de um metro e setenta centímetros de comprimento por meio metro de diâmetro, pesando em torno de duzentos kilogramas (ver diagrama abaixo).

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Notemos a escalada: enquanto era "apenas" uma tese de doutorado, guardada no IME, não houve grande atenção. Era uma época que, para muitos de nós, se notabilizou principalmente pelas constantes e bombásticas declarações de líderes de grandes potências (que já vinham do último quartel do século anterior, de Thatcher a Gorbatchov, de Mitterrand a Gore, e incluíam ameaças de ações militares) evidenciando um inusitado e nunca dantes demonstrado amor imorredouro pela preservação da nossa Amazônia, tão intacta quanto possível.

Então, por coincidência (ou nem tanto), saiu a público o livro. Interessante notar que, se tivesse sido publicado na maioria dos outros países, pouco efeito teria causado; mas o foi em um que, por acaso, domina o Ciclo Nuclear Completo, significando que possui meios, tecnologia, componentes, equipamentos e pessoal altamente qualificado para prospectar e encontrar jazidas, minerar, purificar e enriquecer Urânio em ultracentrífugas de projeto e fabricação endógenos até o nível de pureza que julgar apropriado*; os limites são apenas dois, ambos de importância vital: Lei e Vetores.

LEI - Em nossa própria Constituição** é vedado, em seu artigo 21, XXIII, letra A, o desenvolvimento e/ou produção/estocagem/uso de armas termonucleares, além de sermos signatários do TNP e, portanto, sujeitos à fiscalização da citada AIEA;

VETORES - Não possuíamos - nem possuímos hoje - uma aeronave militar, belonave (preferencialmente um submarino de propulsão nuclear) e/ou míssil/foguete com credibilidade para entregar este tipo de munição a longa distância e com boa precisão. Lembremos da Parte 1, nem Irã nem Coréia do Norte teriam sido bem sucedidos ante as esmagadoras pressões das grandes potências se não possuíssem (ou fossem pelo menos suspeitos de possuírem) capacidade de produzir munições do tipo QBRN, mas se não dispusessem também dos vetores necessários para viabilizar um ataque devastador contra uma força invasora. Assim, trataram de desenvolvê-los em paralelo e, naturalmente, demonstrar que eram meios não apenas credíveis mas também temíveis. E aí estão até hoje, suportando toda sorte de sanções, boicotes e embargos mas tão independentes quanto eram no começo das citadas pressões.

* - Outra curiosidade foi que, nesta época, declarações sobre a Amazônia baixaram notavelmente de tom.

** - A mesma Constituição proclama, no entanto, em seu primeiro artigo (1º, I) a Soberania, o que inclui necessariamente a inaceitabilidade de qualquer subtração da Autoridade Nacional sobre qualquer parte do território, incluindo-se aí "internacionalizações".


(A seguir parte 3: AVIBRAS)




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Re: AVIBRAS, Girão e o Princípio da Incerteza

#3 Mensagem por Túlio » Sáb Jul 11, 2020 1:28 pm

PARTE 3

AVIBRAS


Considerando que estamos não apenas em "um" Fórum de Defesa mas no maior, melhor e mais longevo do Brasil (e já vão mais de dezessete anos; que venham outros tantos), não há necessidade de apresentações e descrições da AVIBRAS; ela tem tópico próprio aqui e vários outros onde a empresa, seus produtos e projetos são descritos, em muitos casos de maneira individual e pormenorizada, sendo motivo de grande orgulho para todo pagador de impostos que tem apreço pela Defesa de nosso país. É a única e verdadeira Missile House do Brasil.

Seu produto militar mais conhecido e difundido é o Sistema de Artilharia ASTROS (Artillery SaTuration ROcket System, ou Sistema de Foguetes de Artilharia de Saturação), uma família que não se limita a um lançador de foguetes/mísseis e os próprios mas a todas as VTRs (ViaTuRas) e equipamentos necessários desde o começo (recebimento de ordens) até o fim (lançamento e reposicionamento/recarga) da missão.

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Menos difundidos nos meios militares e de entusiastas em Defesa como o nosso, há os seus foguetes para propósitos pacíficos, que pouco emprego teriam em combates, e por uma razão óbvia: os requerimentos de projeto para um foguete desses e um tático já começam a se tornar divergentes no desempenho em voo, sendo o primeiro destinado a subir tão na vertical quanto possível (pouco atrito atmosférico e forças G quase que só em direção à retaguarda) e o segundo a descrever uma trajetória fortemente parabólica (tendo que suportar muito mais atrito e grandes, variáveis e persistentes forças G laterais) até seu alvo na superfície, ou seja, um mira para o espaço, o outro para o solo. Mas um de seus componentes não muda (em alguns casos, sofre ligeiras modificações): o motor.

Olhem de novo para a imagem acima e percebam que, a partir da primeira família de foguetes de sondagem do Brasil, iniciada nos anos sessenta do século passado, dois motores, ambos com propelente sólido (o melhor para munições desse tipo, devido à pouca necessidade de manutenção, menor custo e especialmente muito maior agilidade para o disparo) "de paz" foram "militarizados": o S10, de 127 mm de diâmetro, era o primeiro estágio do Sonda I e, em versão alongada e bastante aperfeiçoada, hoje é o propulsor de estágio único de um dos produtos mostrados, o SS-30; o S20, de 300 mm, impele outros dois, o SS-60 e o SS-80. Abaixo, mais próximos da câmera, o Sonda I (estágio inicial em vermelho) e o Sonda II, que já era de estágio único.

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Lembremos que, na época, não havia nenhum diploma de legalidade internacionalmente reconhecida com os efeitos e as duras consequências do MCTR (Missile Technology Control Regime ou Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis) de hoje, assim, o nosso Programa de Foguetes de Sondagem nasceu essencialmente com a ajuda dos Estados Unidos da América e sua NASA. Sobre o MCTR, foi implementado em 1987 com a finalidade de conter a exportação de propulsores e sua tecnologia para lançadores de cargas QBRN de alta potência e a grandes distâncias; o Brasil só se tornou signatário em 1995. É comum vermos entusiastas brasileiros reclamando das limitações que este Tratado (junto com o já mencionado TNP) nos trouxe, mas parecem esquecer das vantagens, que podem ser assim resumidas: a partir do momento em que nos tornamos signatários confiáveis dos dois tratados, tecnologias e cooperações antes impensáveis (como com a Alemanha) se tornaram possíveis e mesmo naturais, o que se reflete em melhores grãos propelentes e motores cada vez maiores e mais potentes.

E ainda de combustível sólido.


(A seguir parte 4: A AVIBRAS: crescem os motores)




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Re: AVIBRAS, Girão e o Princípio da Incerteza

#4 Mensagem por Túlio » Qui Jul 23, 2020 8:45 pm

PARTE 4

A AVIBRAS: crescem os motores



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Primeiro precisamos deixar em claro uma coisa: os motores-foguete usados pela AVIBRAS foram desenvolvidos originalmente pela FAB (CTA/IAE), sendo o S10 de 127 mm (Sonda I) disponibilizado para, com melhoras, se tornar o SS30; o S20 de 300 mm idem, e após a experiência de "militarização" com o X-40, se tornou o SS60/80.


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Passemos aos seguintes:

:arrow: S30/31 - Ainda seguindo ou próximo das medidas do Sistema Imperial (S10 5 polegadas, S20 12 pol ou quase isso), herança da ajuda estadunidense, surgiu como primeiro estágio do Sonda III o S30 (depois também S31, a diferença está no grão propelente), com "calibre" próximo a 22 pol (cerca de 56 cm). O modelo original empregava o motor S20 (Sonda II) como segundo estágio.

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Como curiosidade, Taiwan (então conhecida no Brasil como China Nacionalista) chegou a avaliá-lo como possível míssil tático para ser empregado contra a então China Comunista ou China Vermelha. Com as devidas adaptações, provavelmente será o maior foguete capaz de ser empregado pelo Sistema ASTROS II da Avibras, com a denominação de SS150. Seguindo as medidas dos EUA, seu alcance máximo provavelmente se situará em torno das 100 milhas (160,9 km). E aí acaba a capacidade do Sistema original da Avibras (ASTROS II) em lançar foguetes. Comprimento máximo no lançador e capacidade de carga (com peso total incluído) inviabilizam novas e maiores munições, ou seja, para alcances mais estendidos se faz necessário o emprego de motores a turbina, como o do atualmente sendo desenvolvido Míssil Tático de Cruzeiro. Exceto se novas formas de propulsão forem desenvolvidas e "militarizadas", daí o ASTROS II não vai passar.

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Naturalmente há muito no permeio, como o eternamente não-desenvolvido FOG-MPM (uma munição de médio a longo alcance, guiada via cabo de fibra ótica, capaz de localizar e destruir blindados e mesmo outras peças de artilharia além do limite do alcance de suas próprias munições, sendo altamente promissor para fogo de contrabateria).

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Há ainda uma iniciativa para dotar o SS40 de capacidade de guiagem via INS/GPS (seria talvez desejável acrescentar a RTK - Real Time Kinetics, tecnologia usada em sistemas de posicionamento com alguns tipos mais sofisticados de GPS, valendo-se de medições de fase do sinal de posição que recebe da fonte, como satélites "abertos", por exemplo, ao invés da simples informação bruta. Isso possibilita um imenso ganho em precisão posicional), o que reduz um CEP de vários metros para centímetros, dependendo mais da capacidade física do míssil em atingir o alvo com precisão do que do sistema de guiagem. O interessante em desenvolver a partir de um míssil relativamente pequeno (180 mm) é que facilita e barateia adaptar aos maiores. Há ainda outras possibilidades para o ASTROS II, como artilharia antiaérea (usando como base o A-Darter, desenvolvido em conjunto com a África do Sul e em diversas versões não citadas, que poderiam partir da mais simples e barata (não-utilização do sensor IIR) como CLOS/ACLOS/SACLOS até uma com transceptor de radar AESA com módulos GaN e booster para longo alcance).

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Além disso, e partindo do MANSUP, que já nasceu obsoleto mas cujos ensinamentos poderiam conduzir a um míssil antinavio com capacidade de lançamento a partir da costa (Defesa Costeira, dois por ASTROS), e com uma vantagem igualmente não mencionada mas até fácil: uma fuselagem com características furtivas (o Brasil já desenvolveu tanto tinta quanto material absorvente de ondas eletromagnéticas, além de conhecer as equações necessárias ao formato) que poderia inclusive ser total ou parcialmente compartilhada com o míssil tático.

Sobre o SS150 e o Míssil tático, uma consideração final nesta parte, e sempre com a visão voltada para o Princípio da Incerteza: ambos podem levar uma carga equivalente a uma W87 a longas distâncias...





(A seguir parte 5: O IAE não para, motores cada vez maiores, IRBM a caminho?)




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Re: AVIBRAS, Girão e o Princípio da Incerteza

#5 Mensagem por Túlio » Sáb Dez 18, 2021 2:39 pm

Informo que o tópico em apreço, após passar quase dois anos na até então ÚNICA Seção aberta à leitura de não-logados no DB, vem para a sua área natural e deixa de ser fechado, podendo todos aportarem suas impressões.

Lembrar, não é sobre Astronáutica mas sim sobre Questões Militares de Ordem Estratégica.

Em mais alguns dias irei postar a parte 5, após revisar/atualizar/melhorar as já existentes. Há ainda o S-40 e variantes, S-50 e até os possíveis desdobramentos do 14X.

Grato.




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