#52
Mensagem
por Clermont » Qua Out 22, 2014 10:50 am
UM DECENTE RESPEITO PELAS OPINIÕES DA ESPÉCIE HUMANA.
Uri Avnery - 21 de outubro de 2014.
Se o parlamento britânico tivesse adotado uma resolução em favor da ocupação israelense da Margem Ocidental, a reação de nossa mídia teria sido assim:
"Numa atmosfera de grande entusiasmo, o parlamento britânico adotou com enorme maioria (274 a favor, meros 12 contra) uma moção pró-israelense... Mais da metade dos assentos estava ocupada, mais do que o normal... os inimigos de Israel ficaram escondidos e não ousaram votar contra..."
Infelizmente, o parlamento britânico votou nesta semana uma resolução pró-palestina, e nossa mídia reagiu quase unanimemente desta forma:
"O plenário estava metade vazio... não houve entusiasmo... um exercício sem-sentido... Somente 274 membros votaram pela resolução, que não é obrigatória... Muitos membros ficaram de fora, totalmente..."
Apesar disso, nossa mídia relatou os procedimentos de forma extensa, muitos artigos relacionados apareceram nos jornais. Um feito e tanto para um tal desprezível, desimportante, insignificante, inconseqüente, trivial e patético ato.
Um dia antes, 363 cidadãos judeus israelenses instaram o parlamento britânico para adotar a resolução, que pede ao governo britânico o reconhecimento do estado da Palestina. Os signatários incluíam um laureado com o Prêmio Nobel, vários ganhadores da mais alta condecoração civil israelense, dois ex-ministros do gabinee e quatro ex-membros do Knesset (incluido eu mesmo), diplomatas e um general.
A máquina de propaganda oficial não entrou em ação. Sabendo que a resolução seria adotada de qualquer jeito, ela tentou rebaixar o evento tanto quanto possível. O embaixador israelense em Londres não pôde ser contactado.
Foi este um evento desprezível? Num sentido estritamente processual, ele foi. Num sentido mais amplo, longe disso. Para a liderança israelense, ele foi o arauto de novidades muito ruins.
Uns poucos dias antes, notícias similares vieram da Suécia. O recém-eleito primeiro-ministro esquerdista anunciou que seu governo estava considerando o reconhecimento do estado da Palestina em futuro próximo.
A Suécia, como a Grã-Bretanha, sempre foi considerada um país "pró-israelense", lealmente votando contra resoluções "anti-Isrel" na ONU. Se tais importantes nações ocidentais estão reconsiderando suas atitudes para com a política de Israel, o que isso quererá significar?
Outro golpe inesperado veio do sul. O ditador egípcio, Muhammad Abd-al-Fatah al-Sisi, desiludiu a noção da liderança israelense de que estados árabes "moderados" preencheriam as fileiras de nossos aliados contra os palestinos. Num discurso firme, ele preveniu sua recém-encontrada alma gêmea, Binyamin Netanyahu, de que os estados árabes não cooperariam com Israel antes que fizéssemos a paz com um estado palestino.
Assim, ele furou o recém-inflado balão posto a flutuar por Netanyahu - de que estados árabes pró-americanos, tais como o Egito, Arábia Saudita, Jordânia, os Emirados, Kuwait e Qatar, se aliariam abertamente à Israel.
Na América do Sul, a opinião pública já mudou marcadamente contra Israel. O reconhecimento da Palestina está ganhando terreno nos círculos oficiais, também. Até mesmo nos EUA, o apoio incondicional ao governo israelense parece estar titubeando.
O que diabos está se passando?
O que está se passando é uma profunda, tectônica mudança na atitude pública para com Israel.
Durante anos agora, Israel vem aparecendo na mídia mundial principalmente como um país que ocupa as terras palestinas. Fotos da imprensa quase sempre mostram soldados pesadamente armados e couraçados confrontando manifestantes palestinos, com freqüência, crianças. Poucas destas fotos tiveram um impacto dramático imediato, mas o efeito cumulativo, incremental, não deveria ser subestimado.
Um serviço diplomático verdadeiramente alerta, teria prevenido seu governo muito tempo atrás. Mas nosso serviço do exterior está totalmente desmoralizado. Encabeçado por Avigdor Lieberman, um brutamontes peso-pesado, considerado por muitos de seus colegas ao redor do mundo como um semi-fascista, o corpo diplomático está aterrorizado. Ele prefere se manter quieto.
Este processo em andameno alcançou a marca mais elevada na recente guerra de Gaza. Esta não foi basicamente diferente da duas guerras de Gaza que a precederam, não muito tempo antes, mas por alguma insondável razão, teve um impacto muito mais forte.
Durante um mês e meio, dia após dia, pessoas ao redor do mundo foram bombardeadas com imagens de seres humanos mortos, crianças mutiladas, massas de refugiados sem-teto. Graças ao "Iron Dome", nenhum edifício israelense destruído pôde ser visto, nem praticamente quaisquer israelenses civis mortos.
Uma pessoa decente comum, seja em Estocolmo, ou Seattle ou Singapura, não pode ficar exposta a uma tal corrente permanente de imagens horríveis sem ser afetada - primeiro, inconscientemente, então conscientemente. A imagem do "Israelense" muda lentamente, quase de modo imperceptível. O bravo pioneiro, confrontando selvagens ao redor dele, se transmuta num feio brutamontes aterrorizando uma população indefesa.
Por quê os israelenses não compreendem isto? Porque "Nós-Sempre-Estamos-Certos".
Com freqüência tem sido dito antes: o perigo principal da propaganda, qualquer propaganda, é que a primeira vítima dela é o próprio propagandista. Ela o convence, antes do que sua audiência. Se você distorce um fato e o repete uma centena de vezes, você acabará acreditando nele.
Tome por exemplo, a afirmação de fomos obrigados a bombardear as instalações da ONU, na Faixa de Gaza porque o Hamas as estava utilizando para lançar foguetes em nossas vilas e aldeias. Jardins-de-infância, escolas, hospitais e mesquitas foram visadas por nossa artilharia, aviões, drones e belonaves. Noventa e nove porcento dos israelenses acredita que isso foi necessário. Eles ficaram chocados quando o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, ao visitar Gaza nesta semana, declarou que isso fôra totalmente inadmissível.
O secretário-geral desconhece que o nosso é o "Mais-Moral-Exército-no-Mundo"?
Outra afirmação é que estes edifícios eram utilizados pelo Hamas para ocultar seus armamentos. Uma pessoa da minha idade lembrou-nos, nesta semana, no Haaretz que nós fazíamos, exatamente, a mesma coisa durante nossa luta contra o governo britânico da Palestina e os atacantes árabes: nossos armamentos eram escondidos em jardins-de-infância, escolas, hospitais e sinagogas. Em muitos destes lugares, agora existem orgulhosas placas de memorial como lembrança.
Aos olhos do israelense mediano, a extensiva matança e destruição durante a recente campanha foi completamente justificável. Ele é completamente incapaz de compreender o ultrage mundial. Por falta de outra razão, ele atribui isso ao antisemitismo.
Após uma das guerras do Líbano (esqueci qual), recebi uma inusitada mensagem: um general do Exército convidava-me para dar uma palestra para seu corpo de oficiais reunido sobre o impacto da guerra na mídia mundijal. (Ele provavelmente queria impressionar seus oficiais com sua atitude iluminada.)
Eu disse aos oficiais que o moderno campo de batalha mudou, que as guerras modernas são travadas sob as vistas totais da mídia mundial, que os soldados de hoje tem de levar isto em consideração enquanto planejam e combatem. Eles escutaram respeitosamente, e fizeram questões relevantes, mas eu me perguntei se eles realmente absorveram a lição.
A militança é uma profissão como qualquer outra. Qualquer profissional, seja ele (ou ela) um advogado, ou um gari, adota um conjunto de atitudes adequada a ela.
Um general pensa em termos reais: quantos soldados para o serviço, quantos canhões. O que é preciso para quebrar a resistência do inimigo? Como reduzir suas próprias baixaas?
Ele não pensa sobre fotos no New York Times.
Na campanha de Gaza, crianças não foram mortas, nem casas destruídas, arbitrariamente. Tudo tinha uma razão militar. Pessoas tinham de ser mortas de forma a reduzir o risco para as vidas de nossos soldados. (Melhor uma centena de palestinos mortos do que um soldado israelense.) Pessoas tinham de ser aterrorizadas para fazê-las voltarem-se contra o Hamas. Quarteirões tinham de ser destruídos para permitir às nossas tropas avançarem, e também para ensinar uma lição à população que ela lembraria durante anos, desta forma adiando a próxima guerra.
Tudo isso faz sentido militar para um general. Ele está travando uma guerra, pelo Amor de Deus, e não pode se incomodar com considerações não-militares. Tais como o impacto na opinião pública mundial. E, de qualquer modo, depois do Holocausto...
O que o general pensa, Israel pensa.
Israel não é uma ditadura militar. O general al-Sisi pode ser o melhor amigo de Netanyahu, mas Netanyahu não é um general. Israel gosta de fazer negócios, especialmente negócios armamentistas, com ditadores militares ao redor do mundo, mas no próprio Israel os militares obedecem ao governo civil eleito.
Verdade, mas...
Mas o estado de Israel nasceu no meio de uma guerra arduamente travada, o resultado da qual, de modo algum, estava assegurado na época. O Exército era, então, e é agora, o centro da vida nacional de Israel. Pode ser dito que o Exército é o único elemento autenticamente unificador na sociedade israelense. Ele é onde homens e mulheres, Ashkenazi e orientais, seculares e religiosos (exceto os ortodoxos), ricos e pobres, antigos e novos imigrantes se encontram e são doutrinados no mesmo espírito.
A maioria dos israelenses judeus são antigos soldados. A maioria dos oficiais, que deixam o Exército na metade dos seus quarenta anos, espalha-se pela elite administrativa, econômica, acadêmica e política. O resultado é que a mentalidade militar é predominante em Israel.
Sendo assim, os israelenses são extremamente incapazes de compreenderem esta mudança da opinião pública mundial. O que eles querem de nós, estes suecos, britânicos e japoneses? Eles acreditam que nós gostamos de matar crianças, de destruir lares? (Como Golda Meir, memoravelmente, uma vez declarou: "Podemos perdoar os árabes por matarem nossas crianças, mas nunca os perdoaremos por nos forçarem a matar as suas crianças!")
Os fundadores de Isreal estavam muito conscientizados da opinião pública mundial. É verdade, David Ben-Gurion, certa vez declarou que "não é importante o que um goyim está dizendo, o importante é o que os judeus estão fazendo!", mas na vida real, Ben-Gurion era muito consciente da necessidade de conquistar a opinião pública mundial. Como também era seu adversário, o líder da extrema-direita sionista, Vladimir Jabotinsky, que uma vez disse a Menachem Begin que, se ele se desanimasse com a consciência do mundo, deveria "pular no Vístula".
A opinião pública mundial é importante. Mais do que isto, ela é vital. A resolução do parlamento britânico pode não ser obrigatória, mas ela expressa a opinião pública, que mais cedo ou mais tarde decidirá a ação do governo sobre vendas de armas, sobre as resoluções do Conselho de Segurança, as da União Européia e outras. Como Thomas Jefferson disse: "Se o povo lidera, então, eventualmente, os líderes seguirão."
O mesmo Jefferson recomendou "um decente respeito pela opinião da espécie humana."