Medida chinesa é um desafio aos EUA no Pacífico
29/11
http://www.defesa.gov.br/phocadownload/ ... _2013a.pdf
Por Philip Stephens | Financial Times
À primeira vista, a designação, por Pequim, de uma zona de defesa aérea no Mar do Leste da
China marca uma escalada gradual de sua antiga disputa com o Japão pela soberania das ilhas Senkaku
(ou, em chinês, Diaoyu). Uma interpretação mais alarmante, e plausível, é a de que Pequim resolveu
fazer frente aos EUA no Pacífico Ocidental. O Leste da Ásia parece um lugar cada vez mais perigoso.
Quando Xi Jinping se reuniu com Barack Obama na Califórnia, alguns meses atrás, o presidente
chinês disse ao colega americano que o Oceano Pacífico era suficientemente grande para acomodar
duas grandes potências. A afirmação a ser inferida era a de que EUA e China deveriam dividir o butim.
Também estava implícito na observação que a China não aceitaria um status quo que permitisse que os
EUA continuassem a potência dominante do Pacífico. Na reunião de cúpula, Obama fugiu à questão.
Agora parece que Xi concluiu que chegou a hora de a China começar a se apoderar de sua parte.
As Senkaku são governadas pelo Japão desde o fim do século XIX, excetuando-se um curto
período de controle americano após a Segunda Guerra. A China voltou a reivindicar a área no início da
década de 1970, mas por várias décadas pouco fez para levar concretizar o pleito. Desde os Jogos
Olímpicos de 2008, adotou uma postura mais afirmativa, fazendo incursões regulares no espaço aéreo e
marítimo do território disputado. Isso levou os EUA a advertir que a área faz parte do pacto mútuo de
segurança entre EUA e Japão.
Esse compromisso americano está agora sendo posto à prova. A pergunta que Pequim parece
estar fazendo é até que ponto Obama irá para preservar a ordem atual. O objetivo estratégico da China é
empurrar os EUA para longe de seu litoral e afirmar sua soberania nas porções oriental e sul do Mar da
China. Será que um país exaurido por guerras no Oriente Médio como os EUA tem vontade política
suficiente para se arriscar a empreender um conflito na Ásia para defender um punhado de rochas
desabitadas? Provavelmente não foi por acaso que o momento escolhido por Pequim coincidiu com um
dos períodos mais problemáticos da Presidência de Obama.
A decisão de Washington de enviar dois bombardeiros B-52 para a recém-declarada "zona de
identificação de defesa aérea" - desconsiderando as exigências de Pequim de que os voos sejam
notificados e, assim, se expondo ao risco de uma "ação defensiva de emergência" - sugere que
Washington compreende a natureza do desafio.
Chuck Hagel, o secretário de Defesa dos EUA, qualificou a iniciativa chinesa de "tentativa
desestabilizadora de mudar o status quo na região". Outras autoridades americanas foram menos
diplomáticas. Pequim, porém, luta por um objetivo estratégico de longo prazo. A pergunta no Leste da
Ásia é se os EUA têm poder de resistência para enfrentar uma investida chinesa em nome da hegemonia
regional.
O impacto imediato das novas regras de voo criadas por Pequim é elevar o risco, já considerável,
de um conflito armado com o Japão por causa das ilhas. A zona chinesa se sobrepõe à zona de
identificação de defesa aérea há muito estabelecida por Tóquio. O perigo de um erro de cálculo dos dois
lados está longe de ser desprezível. Em Shinzo Abe, o Japão tem um premiê nacionalista determinado a
não se intimidar pelo país vizinho mais poderoso, e nem a ser excessivamente influenciado pelas
advertências específicas dos EUA de que Tóquio deveria fazer sua parte para reduzir a temperatura
política.
Abe é um revisionista despudorado, com o perigoso hábito de retocar períodos desagradáveis da
história do Japão. Ele busca ainda uma desculpa para alterar a Constituição japonesa e incluir nela algo
mais que apenas uma capacidade militar defensiva. Um conflito com a China, acidental ou intencional,
pelas ilhas Senkaku, poderia fornecer essa justificativa.
Isso deixa Obama numa posição bem desconfortável. Os EUA precisam deixar claro para a
China que estão alinhados ao Japão na disputa, mas ao mesmo tempo não querem encorajar Abe a
elevar a tensão na região. Todos os vizinhos da China estão observando de perto para ver exatamente
onde Wa- shington vai estabelecer o equilíbrio entre esses dois objetivos.
Para os EUA há muito mais em jogo do que só as relações com o Japão. A disputa de Pequim
com Tóquio pelas ilhas é uma das muitas disputas territoriais entre a China e seus vizinhos. As novas
restrições aéreas se sobrepõem à zona sul-coreana, assim como à reivindicação territorial do Japão. As
Filipinas estão insatisfeitas pelo que veem como uma falha dos EUA em apoiar o país em sua disputa
com Pequim por um grupo de ilhas. O Vietnã tem uma rusga com a China por causa de fronteiras
marítimas.
De modo consciente ou não, Pequim agora transformou o controle do espaço aéreo em torno de
Senkaku num teste decisivo do compromisso dos EUA com a segurança do Leste da Ásia. A aceitação
das restrições chinesas por Washington enviaria um sinal para todas as outras nações da região de que
não se pode confiar nos EUA para defender o status quo contra o expansionismo chinês.
Mas demonstrar sua resolução de potência residente no Sudeste da Ásia, com o patrulhamento
constante do espaço aéreo disputado, é aceitar uma nova fonte de atritos com Pequim. Minha aposta é
que Obama, acusado de governar sobre o colapso do poder dos EUA no Oriente Médio, não tem como
recuar em relação a Senkaku.
As autoridades chinesas estudam muito a história. A ascensão da Alemanha no fim do século
XIX há muito tem destaque no currículo da elite responsável pela política externa da China.
Eles dizem
que a China não repetirá o erro alemão de unificar os vizinhos contra a sua ascensão à condição de
potência maior. Essa atenção ao passado parece agora estar assumindo uma posição secundária na
determinação da China de afirmar seu poder. Os erros da história sempre se repetem.