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Mensagem
por Marino » Sáb Mar 03, 2012 1:25 pm
CONEXÃO DIPLOMÁTICA
Por Silvio Queiroz
O tom da resposta do Itamaraty sobre os Supertucanos diz muito sobre a atitude diante da
Casa Branca
Bem mais que aviões de caça
Nas entrelinhas das declarações oficiais trocadas por Brasil e Estados Unidos no episódio da
compra (suspensa) de Supertucanos estão pistas sobre por onde caminharão as relações bilaterais ao
longo do governo Dilma — supondo que Barack Obama seja reeleito, em novembro, uma vez que o
contrário singificaria voltar à primeira casa do tabuleiro. A questão estará em pauta até o início de abril,
quando a presidente retribuirá a visita de Obama ao Brasil, no ano passado. Desde logo com a crucial
preparação para a Cúpula das Américas, na Colômbia, marcada para os dias seguintes à passagem de
Dilma por Washington. Seria um evento comum, a menos por um elemento que se tornou central nas
relações dos EUA com o hemisfério: Cuba, que o coro latino-americano pressiona os anfitriões a
convidarem, contra a vontade expressa do Tio Sam.
O tom da resposta do Itamaraty sobre os Supertucanos diz muito sobre uma das linhas de
continuidade com o governo Lula: a atitude diante da Casa Branca. A escolha do chanceler Antonio
Patriota, que vinha de comandar a embaixada em Washington, foi por vezes interpretada como um gesto
de "reaproximação", após as discordâncias dos oito anos anteriores, embora ambos os lados
minimizassem os ruídos numa relação considerada "madura". O que parece reafirmado é um termo cada
vez mais recorrente nas declarações de parte a parte, segundo o qual a conversa será sempre "de igual
para igual".
E é sobre essas bases que se desenrola a cooperação bilateral em assuntos de defesa, objeto
de um importante acordo firmado no ano passado, depois de mais de uma década de certo
distanciamento. A isso se referiu a nota brasileira sobre os Supertucanos. E também a isso diz respeito a
compra de caças para a FAB, uma concorrência empatada na fase de escolha entre três finalistas: o F-
18 (americano), o Grippen NG (sueco) e o Rafale (francês). A menção a esse negócio, pela parte
americana, serviu mais para realçar do que para desmentir as conexões entre as duas transações. Em
português (e inglês) claro, é a profundidade e a intensidade dessa cooperação que estão em pauta.
Dois pesos
Do ponto de vista brasileiro, o reequipamento das Forças Armadas, do qual faz parte a compra
dos caças, é componente importante, ao menos inicialmente, da Estratégia Nacional de Defesa, legada
ao atual governo por Lula e Nelson Jobim. A concepção geopolítica que guia o documento delineia, entre
outras coisas, um Brasil que firma liderança hemisférica, já não mais confinada ao subcontinente sulamericano,
mas espraiada em direção ao norte, até os limites do antigo "quintal" dos EUA. A relação com
Washington no terreno militar deve ser calibrada por esse parâmetro, de resto familiar também ao novo
titular da Defesa, Celso Amorim, chanceler nos oito anos de Lula.
Os pesos e as medidas dos americanos para a mesma transação são outros, e entre eles há os
de alcance imediato: vender os F-18 significa empregos numa indústria que patina para sair da recessão
desde o primeiro ano do governo Obama. E isso em ano de campanha pela reeleição.
Olho em Miami
A cúpula de Cartagena de Índias, na Colômbia, entra de carona nesse cenário intenso e coloca
sob o holofote outro importante descompasso com Washington — este, porém, compartilhado pela
América Latina. Desde a primeira cúpula regional organizada pelo Brasil, em 2008, a reintegração de
Cuba no sistema interamericano tornou-se pedra de toque do bloco, recém-instituído sob a sigla Celac.
Obama, eleito sob o lema da "mudança", acenou com uma guinada em direção ao sul, após mais de uma
década de aparente desinteresse, com a diplomacia americana demasiado ocupada com o Oriente
Médio e a "guerra ao terror". Mas a percepção, do lado de cá, tem sido de que faltou ousadia à Casa
Branca principalmente no engajamento com Cuba, ainda que fosse apenas por algum gesto significativo
envolvendo o bloqueio econômico de meio século.
Em resumo, e novamente com o cálculo no horizonte da eleição de novembro, Washington optou
por pressionar os anfitriões colombianos a negarem convite a Raúl Castro. O preço, para eles, poderá
ser a ausência de um certo número de dirigentes, de saída os do bloco bolivariano capitaneado pela
Venezuela. De toda maneira, e a despeito das perdas no cenário hemisférico, o olhar da Casa Branca
parece focalizado em Miami, onde os cubanos anticastristas podem dificultar de maneira irremediável a
vitória de Obama no decisivo estado da Flórida.
"A reconquista da soberania perdida não restabelece o status quo."
Barão do Rio Branco