Um radar genuinamente brasileiro
Brasil entra para o seleto grupo de apenas oito países que domina a tecnologia
Marcelo Copelli
O primeiro radar genuinamente brasileiro, batizado de Saber M60, testado pela primeira vez durante os Jogos Pan-Americanos, já se encontra em atividade. Através de uma parceria entre o Exército, o meio acadêmico e a indústria, o Brasil passa a integrar o seleto grupo formado por apenas oito países, a maioria da Europa, além dos Estados Unidos, que detém a tecnologia dos radares.
Tal condição o tornará independente nessa área tecnológica estratégica, além de possibilitar o acesso a um mercado internacional expressivo. De acordo com o coordenador-geral do projeto, o engenheiro do Exército tenente-coronel Roberto Castelo Branco Jorge, o Saber M60 possui qualificações bastante específicas.
"(...) sem dúvida, uma de suas características fundamentais, incomum para radares desse porte, é a sua capacidade de determinar, mesmo sem a existência de "transponders" (equipamentos de contato com o sistema de controle de vôo) nas aeronaves que estiver rastreando, a posição completa de todas as existentes dentro do seu raio de alcance de 60 quilômetros, incluindo a altura, direção e velocidade de deslocamento", afirma.
Uma das aplicações do equipamento nacional está na proteção do espaço aéreo de baixa altitude, já que os grandes radares monitoram o tráfego de aeronaves apenas acima dos 5 mil metros. O Saber M60 pode ainda auxiliar na proteção de chefes de Estado, cobertura de grandes eventos que exijam medidas de segurança adicionais e a vigilância das fronteiras brasileiras, entre outros.
Para Castelo, o projeto pode ser considerado um marco, representando o pontapé inicial para novos avanços, com a perspectiva de extensão da tecnologia utilizada para outros equipamentos do gênero. "No longo prazo, pretende-se expandir o uso dessa tecnologia para muitos outros tipos de radar, entre eles os de vigilância terrestre e marítima, expandindo o número de parceiros e as possibilidades de mercado", diz.
TRIBUNA DA IMPRENSA - Como se deu o desenvolvimento do projeto do primeiro radar genuinamente nacional?
TENENTE CORONEL CASTELO - O Exército buscou, nos últimos dez anos, identificar radares de vigilância aérea capazes de suportar a realização das missões de defesa antiaérea que são da sua atribuição. As diversas opções existentes no mercado internacional foram consideradas e analisadas. Entretanto, nenhuma delas atendia a todos os aspectos considerados essenciais, como a adequação plena à doutrina brasileira de emprego operacional e um suporte logístico em todo o território nacional, durante todo o período da vida útil do sistema. Tomou-se, então, há cerca de quatro anos, a decisão de realizar no Brasil, o desenvolvimento de um radar que atendesse a todas as especificidades do Exército brasileiro.
Nesse momento, foi fundamental a parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia que decidiu suportar financeiramente o projeto com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), por considerá-lo prioritário à medida que viabilizaria a obtenção da autonomia tecnológica na área de sensores radar. Na mesma ocasião, foram também identificados os primeiros parceiros na execução do desenvolvimento, entre eles a empresa nacional Orbisat da Amazônia e a Universidade de Campinas (Unicamp).
Uma parceria entre o meio acadêmico, a indústria e o Exército brasileiro deve ter exigido a superação de alguns obstáculos, já que uma relação desse tipo não é fácil de ser estabelecida...
Houve desafios de todas as ordens, pois são entidades com perfis bem distintos, do ponto de vista organizacional, legal e dos objetivos que perseguem. Ainda assim, devido ao elevado comprometimento de todos os parceiros e à disposição, em primeiro lugar, de alcançar os objetivos estabelecidos, todas essas peculiaridades foram superadas. Apenas oito países, a maioria da Europa, além dos Estados Unidos, detém a tecnologia dos radares. E o Brasil tem o privilégio de estar no seleto grupo.
Quais foram os fatores que propiciaram tal inserção e qual a importância do radar para o País?
O Brasil possui diversas ilhas de excelência, de nível internacional, nas muitas áreas de conhecimento requeridas para projetos de radares. O nosso principal mérito foi o de catalisar o conhecimento de algumas dessas ilhas localizadas em empresas e instituições acadêmicas, civis e militares, focando no desenvolvimento desse radar.
A importância desse projeto transcende à importância do radar Saber M60, propriamente dito, pois ele é apenas o primeiro e a plataforma tecnológica de toda uma família de radares importante, em um primeiro momento, para a defesa aeroespacial brasileira, e, posteriormente, para o controle de tráfego aéreo e para a segurança de instalações críticas.
Com isso, o Brasil se insere nesse seleto grupo de países produtores de radares, o que, não apenas, o tornará independente nessa área tecnológica estratégica, como ainda possibilitará acessar um mercado internacional expressivo.
Quais as principais características tecnológicas do Saber M60 e quais foram os custos envolvidos em sua produção?
O Saber M60 tem, entre suas principais características, a elevada mobilidade que o torna capaz de ser transportado por helicópteros, aviões de pequeno porte como o Bandeirantes, pequenas embarcações, além, é claro, de praticamente todo o tipo de viaturas existentes nas Forças Armadas.
Uma vez transportado até o local onde será instalado, permite ser montado por apenas três homens e entrar em operação em menos de 15 minutos. Pelo seu peso e dimensões reduzidos, pode ser instalado e operado tanto em campo aberto, quanto em áreas urbanas, posicionado no topo de edifícios ou morros, mesmo de difícil acesso.
Além dessa característica de mobilidade, que só outros três radares no mundo se igualam, possui também dispositivos para classificar as aeronaves detectadas, como aviões ou helicópteros, além de poder identificar aeronaves como amigas ou inimigas, dentro de um cenário de conflito.
Entretanto, sem dúvida, uma de suas características fundamentais, incomum para radares desse porte, é a sua capacidade de determinar, mesmo sem a existência de "transponders" nas aeronaves que estiver rastreando, a posição completa de todas as existentes dentro do seu raio de alcance de 60 quilômetros, incluindo a altura, direção e velocidade de deslocamento. Possui, ainda, diversos recursos que visam a torná-lo imune as interferências eletromagnéticas de todos os tipos, tanto acidentais quanto hostis.
Um aspecto muito importante nesse projeto foi a opção por desenvolver o chamado "hardware definido por software", o que o torna facilmente atualizável no futuro, com pouca ou nenhuma modificação em componentes físicos. Mesmo com todas essas características, os investimentos realizados no seu desenvolvimento foram significativamente menores que os de qualquer outro programa internacional semelhante.
De que forma foi possível tornar o projeto economicamente viável?
Sem contabilizar os investimentos do próprio Exército, foram empregados recursos da ordem de R$ 20 milhões, oriundos do Ministério da Ciência e Tecnologia que possibilitaram, em aproximadamente dois anos, completar todo o chamado ciclo da inovação. Ciclo que começou na fase da pesquisa aplicada em instituições acadêmicas civis e militares e prosseguiu até a transformação da tecnologia desenvolvida em um produto otimizado e avaliado sob condições rigorosas pelas Forças Armadas, pronto para disputar o mercado nacional e internacional de maneira competitiva.
Com esses recursos, não apenas a tecnologia foi concebida, mas cinco exemplares foram construídos para serem usados nas atividades de avaliação técnica e operacional, além da validação dos procedimentos do processo produtivo. É possível afirmar que tal eficiência foi alcançada por diversas razões. Entre elas, pelo fato dos recursos humanos envolvidos no projeto, apesar de possuírem qualificação acadêmica de elevado nível são, em grande parte, de pesquisadores de instituições públicas, cujos salários não são contabilizados no custo do projeto. Mesmo nos casos dos pesquisadores do setor privado, seus salários são, em média, inferiores aos de seus equivalentes em outros países, tornando o desenvolvimento de sistemas desse tipo extremamente competitivo no Brasil.
Em relação aos similares no mercado, quais as diferenças apresentadas pelo radar nacional?
Pode-se, de alguma forma, comparar o Saber M60 a um canivete suíço, pois ele reúne características presentes, isoladamente, em dois ou três radares de outros países, num único equipamento, sem prejuízo da elevada mobilidade proporcionada pelos pesos e dimensões reduzidos. Como exemplo, podemos citar a possibilidade de operar com qualquer tipo de alimentação elétrica, inclusive baterias, o que é muito útil no campo.
Além disso, temos a baixíssima potência de transmissão, o que o torna imperceptível para os sistemas de alerta radar de aeronaves, o que significa que a mesma não tem condição de saber que está sendo rastreada por um radar. O somatório de todas essas características dificulta que esse radar seja localizado e neutralizado por uma força aérea oponente, e prejudicando o alcance do objetivo perseguido desde o primeiro momento de qualquer conflito, que é a conquista da superioridade aérea.
Em termos de uso militar, quais serão as aplicações do radar? Existe a possibilidade, em versões futuras, de outras formas de emprego do Saber M60?
Entre as principais aplicações militares do Saber M60 temos a defesa antiaérea em situações de conflito, de pontos e áreas sensíveis, como instalações governamentais e militares, indústrias, usinas de geração de energia, bases aéreas, aeroportos e instalações produtoras de petróleo. Outra aplicação militar, mesmo fora de situação de conflito, está a de proteção em ocasiões como reuniões de cúpula e grandes eventos esportivos, como jogos olímpicos e a Copa do Mundo, onde o país assume compromissos de proporcionar segurança a todas as delegações estrangeiras, contra ameaças de todo o tipo, inclusive terroristas.
Entre as aplicações não-militares para esse modelo, está a possibilidade de ser empregado com substituto temporário de um radar de área de terminal em aeroportos de menor tráfego que estejam com seu equipamento indisponível por qualquer motivo. Nesse caso, pela sua mobilidade, pode ser deslocado para qualquer ponto do país e colocado em operação em poucas horas, minimizando o efeito da indisponibilidade do equipamento original daquele aeroporto.
Uma das aplicações do Saber M60 está na proteção do espaço aéreo de baixa altitude. Quais são as principais conseqüências ou perigos que podem ser observados em virtude dos grandes radares que monitorarem o tráfego de aeronaves apenas acima dos 5 mil metros?
Não apenas no Brasil, mas em todos os lugares do mundo, o sistema de defesa aeroespacial é estruturado por níveis de altura. Nenhum país de dimensões média ou grande possui 100% de cobertura radar na chamada baixa altura, até 5 mil metros. O que acontece, aqui e nos demais países, é que essa cobertura é priorizada em caráter permanente, apenas nos locais onde há a demanda de cobertura de radar de baixa altura, seja por possuírem um aeroporto ou um tráfego intenso de aeronaves de pequeno porte que realizam vôos locais de baixa altura. Assim, o Saber M60 surge como uma opção para implantar, ou restabelecer, uma cobertura eventual de baixa altura especificamente nos locais em que ela for necessária.
Qual foi a importância da utilização do radar nos Jogos Pan- Americanos?
Nós concluímos dois meses antes dos Jogos Pan-Americanos o desenvolvimento do primeiro protótipo operacional do radar Saber M60. Houve, então, a decisão de se aproveitar o evento para validar, na forma de um exercício, todos os conceitos de operação de um sistema de defesa antiaérea para dar proteção simultânea a localidades da cidade do Rio, muitas vezes separadas por serras com altitude da ordem de mil metros, como o Maciço da Pedra Branca, o Sumaré, o Morro do Mendanha e outros.
Após esse exercício, o radar foi empregado, ainda como parte do seu processo de avaliação, em dois outros exercícios combinados de grande porte, envolvendo as três Forças Armadas, que foram a "Operação Albacora", na região de Macaé, no Norte Fluminense, e a "Operação COMDAEx", de defesa aeroespacial na região de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, ambas no final de 2007.
Qual a sua análise sobre o impacto da utilização do radar no que se refere à proteção das fronteiras brasileiras?
As fronteiras brasileiras possuem um vasto aparato que integra diversos meios das três Forças para sua proteção. O radar Saber M60, quando empregado em região de fronteira, amplia, sem dúvida, a capacidade de detecção de aeronaves em situação de baixa altura. Nesse caso, o principal impacto reside na discrição do radar, pois ele pode ser levado e posto em operação em qualquer região na qual surja a necessidade de se intensificar esse tipo de cobertura sem que esse fato se torne de conhecimento de terceiros, favorecendo o elemento surpresa de uma eventual operação.
Já existe o interesse de outros países no projeto desenvolvido no Brasil?
O radar já foi exposto num evento internacional, que foi a Feira Latino-Americana Aeroespacial e de Defesa (LAAD) que aconteceu em 2007, no Rio Centro. Na ocasião, as delegações de diversos países com necessidades semelhantes às nossas iniciaram um processo de busca de informações. Em virtude de compromissos assumidos nesses contatos, não é possível divulgar, no estágio atual, quais são esses países.
Seria exagero dividirmos a história da segurança do tráfego aéreo no Brasil antes e depois do Saber M60?
No que diz respeito especificamente à segurança do tráfego aéreo, o principal impacto trazido pelo Saber M60 reside no domínio da tecnologia que permitirá, nas próximas fases do projeto, desenvolver radares de mais longo alcance, projetados para atender a necessidades específicas de controle de tráfego aéreo e eliminando ou reduzindo a dependência do exterior. Nesse sentido, sim, o projeto do Saber M60, pode ser considerado um marco.
Quais suas perspectivas a médio e longo prazo no que se refere ao desenvolvimento dessa tecnologia no País?
Com o devido suporte financeiro assegurado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, o Centro Tecnológico do Exército dará início ao desenvolvimento, a partir da plataforma tecnológica do radar Saber M60, do próximo integrante da família de radares planejada. Trata-se de um radar de maior alcance com características duais, de forma a atender à defesa aeroespacial de média altura e também a algumas aplicações de controle de tráfego aéreo. No longo prazo, pretende-se expandir o uso dessa tecnologia para muitos outros tipos de radar, entre eles os de vigilância terrestre e marítima, expandindo o número de parceiros e as possibilidades de mercado. Para esses passos, entretanto, ainda é necessário viabilizar os recursos necessários.
Um radar genuinamente brasileiro (Saber M60)
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Re: Um radar genuinamente brasileiro (Saber M60)
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Abraços,
Wesley

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