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Mensagem
por Clermont » Sáb Ago 04, 2007 8:25 am
A OUTRA GUERRA: EX-COMBATENTES DO IRAQUE TESTEMUNHAM – PARTE 04.
Por Chris Hedges and Laila Al-Arian – The Nation, 9 de julho de 2007.
Detenções.
Mesmo com tais pretextos irrisórios para detenção, alguns soldados afirmam, quaisquer iraquianos detidos durante uma incursão eram tratados com extrema suspeita. Vários relatam terem visto homens de idade militar detidos sem evidência ou abusados durante o interrogatório. Oito ex-combatentes disseram que os homens eram, tipicamente, manietados com algemas plásticas, suas cabeças cobertas com sacos. Enquanto o Exército, oficialmente, baniu a prática de encapuzar prisioneiros após a irrupção do escândalo de Abu Ghraib, cinco soldados indicam que ela continuou.
“Você não tinha permissão, mas isso ainda era feito,” disse o sargento Cannon. “Eu lembro em Mosul [em janeiro de 2005], nós pegamos uns sujeitos numa incursão e os jogamos na traseira de um “Bradley”, algemados e encapuzados. “Esses caras estavam, realmente, apavorados”, ele continuou. “Eles estavam tão enjoados e nervosos que, algumas vezes, se mijaram. Você pode imaginar pessoas, simplesmente, entrando na sua casa e pegando você, na frente da sua família, aos gritos? E se você, realmente, fosse inocente mas não tivesse modos de provar isso? Seria uma coisa assustadora, muito assustadora.” O especialista Reppenhagem disse que só tinha uma vaga idéia sobre o que constituía material ilegal durante uma incursão. “Algumas vezes, nós nem mesmo tínhamos um tradutor, assim se achássemos algum pôster com Muqtada al-Sadr, Sistani ou coisa e tal, não sabíamos o que ele dizia. Nós, apenas, o apreendíamos, documentávamos tal coisa como evidência e enviávamos para quem de direito e deixávamos que outras pessoas lidassem com aquilo.”
O sargento Bruhns, sargento Bocanegra e outros disseram que abusos físicos dos iraquianos, durante as incursões eram comuns. “Apenas se tratava de soldados agindo como soldados,” disse o sargento Bocanegra. “Você lhes dá muito poder, poder em demasia, que eles nunca tiveram antes, e antes que você perceba, eles estão chutando esses caras enquanto estão algemados. E, já que você não os está pegando [os insurgentes], quando você bota a mão em alguém, diz, ‘Oh, esse é o cara que está plantando bombas de estrada – e você nem mesmo sabe se é ele ou não – você, apenas, vai lá e o arrebenta a pontapés e o joga na traseira de um 5 ton (caminhão) – e o leva pra cadeia.”
Dezenas de milhares de iraquianos – fontes militares estimam em mais de 60 mil – foram capturados e detidos desde o começo da ocupação, deixando suas famílias para navegaram no complexo e caótico sistema prisional de modo a achá-los. Ex-combatentes que entrevistamos, disseram que a maioria dos detidos que encontraram ou eram inocentes, ou culpados, tão somente, de infrações menores.
O sargento Bocanegra disse que, durante seus dois primeiros meses na guerra, foi instruído para deter iraquianos baseado, somente, em seus trajes. “Se eles estivessem usando roupas árabes e coturnos de estilo militar, deviam ser considerados combatentes inimigos e você podia algemá-los e levá-los,” ele disse. “Quando você enuncia algo assim tão amplo, você vai ter, de uma centena, você vai ter dez, no mínimo, que são, você sabe o que quero dizer, inocentes.”
Algumas vezes, durante o verão de 2003, Bocanegra disse, as regras de engajamento se estreitaram – de alguma forma. “Eu lembro de algumas incursões, qualquer um em idade militar deveria ser pego,” ele disse. “Digamos, por exemplo, nós íamos a alguma casa procurando por um homem de 25 anos. Nós iríamos olhar um grupo etário. Qualquer um, entre 15 à 30 anos podia ser suspeito.” (Desde que voltou do Iraque, Bocanegra tem procurado aconselhamento para tensão pós-traumática e disse que sua “missão” é encorajar outros a fazer o mesmo.)
O especialista Richard Murphy, 28 anos, um reservista do Exército de Pocono, Pennsylvania, que serviu parte de sua temporada de quinze meses com a Brigada 800 de Polícia Militar, na prisão de Abu Ghraib, disse que ele, com freqüência, era tocado pela falta do devido processo concedido aos prisioneiros que ele guardava.
O especialista Murphy, inicialmente foi para o Iraque em maio de 2003, para treinar a polícia iraquiana na cidade meridional de Al Hillah, mas foi transferido para Abu Ghraib em outubro de 2003, quando sua unidade substituiu uma que estava em rotação para casa. (Ele falou para o The Nation, em outubro de 2006, enquanto ainda não estava na ativa.) Logo após sua chegada lá, ele compreendeu que o número de prisioneiros estava crescendo “exponencialmente” enquanto a quantidade de pessoal permanecia estagnada. Pelo fim de seu período de seis meses, o especialista Murphy estava encarregado de 320 prisioneiros, a maioria dos quais ele estava convencido estavam detidos injustamente.
“Eu sabia que uma grande porcentagem desses prisioneiros era de inocentes,” ele disse. “Somente ao conviver com essas pessoas durante meses, você fica sabendo do caráter delas... Só de escutar as estórias do prisioneiros, digo, fiquei com sensação de que uma porção deles estava, somente, sendo arrebanhada em grandes grupos.”
O especialista Murphy disse que um prisioneiro, um retardado mental, cego e albino que podia, “talvez ver uns poucos metros na frente do seu rosto” claramente não pertencia a Abu Ghraib. “Eu pensei comigo mesmo: ‘O que ele poderia ter feito?’ “
O especialista Murphy contava os prisioneiros duas vezes por dia, e os internos, com freqüência, pediam a ele que fossem libertados ou lhe imploravam para advogar no nome deles, o que ele tentava através do escritório do Corpo JAG (Judge Advocate General, ou Promotoria Geral Militar). O oficial JAG com o qual o especialista Murphy lidava, lhe respondia que isso estava fora de suas mãos. “Ele iria fazer suas recomendações e tinha de enviar isso para o próximo escalão superior,” disse o especialista Murphy. “Era um procedimento extremamente lento... O sistema não estava funcionando.”
Os prisioneiros desta notória instalação se amotinaram em 24 de novembro de 2003, para protestar contra suas condições de vida, e o especialista da Reserva do Exército, Aidan Delgado, 25 anos, de Sarasota, Florida, estava lá. Ele estava desdobrado com a Companhia 320 de Polícia Militar na Base Aérea de Talil, para servir em Nasiriya e Abu Ghraib por um ano, começando em abril de 2003. Ao contrário dos outros soldados em sua unidade, ele não respondeu ao motim. Quatro meses antes, ele tinha decidido parar de portar uma arma carregada.
Nove prisioneiros foram mortos e três feridos depois que os soldados abriram fogo durante o motim, e os colegas do especialista Delgado voltaram com fotografias dos eventos. As imagens, perturbadoramente similares ao incidente descrito pelo sargento Mejia, o chocaram. “Era muito explícito,” ele disse. “Uma cabeça aberta ao meio. Uma delas era de dois soldados na traseira de um caminhão. Eles abriram o saco de corpos desses prisioneiros que foram baleados na cabeça e [um dos soldados] pegou sua colher MRE (Meal Read to Eat). Ele recolheu alguns dos miolos, olhando para câmera e sorrindo. E eu disse, ‘Esses são alguns dos nossos soldados profanando o corpo de alguém. Alguma coisa está seriamente fora dos eixos.’ Eu fiquei convencido de que isso foi força excessiva, e brutalidade.”
O especialista Patrick Resta, 29 anos, um guarda nacional da Philadelphia, serviu em Jalula, onde havia um pequeno campo de prisioneiros em sua base. Ele estava com o 252º Regimento Blindado, 1ª Divisão de Infantaria, por nove meses, começando em março de 2004. Ele relembra de seu supervisor dizendo ao seu pelotão, na bucha, “A Convenção de Genebra não existe aqui, no Iraque, e isso está escrito se vocês quiserem ver.”
A experiência determinante para o especialista Delgado veio quando, no inverno de 2003, ele foi designado para o quartel-general do batalhão, no interior da prisão de Abu Ghraib, onde ele trabalhou com o major David DiNenna e o tenente-coronel Jerry Phillaubaum, ambos implicados no Relatório Taquba, a investigação oficial do Exército sobre o escândalo na prisão. Lá, Delgado leu relatórios sobre os prisioneiros e modernizava um quadro-negro com informações de para onde, na grande instalação de aprisionamento, os internos eram movidos e mantidos.
“Foi quando eu me afastei, totalmente, do Exército,” disse o especialista Delgado. “Eu li os formulários sobre todos os prisioneiros em Abu Ghraib e o que haviam feito. Eu esperava que eles fossem terroristas, assassinos, insurgentes. Eu olhei aqueles dados e vi pequenos furtos, bebedeira em público, documentos forjados da coalizão. Essas pessoas estavam ali por pequenas ofensas civis.”
“Esses não eram terroristas,” ele relembra de ter pensado. “Esses não são nossos inimigos. São, somente, pessoas comuns, e os estamos tratando muito asperamente.” O especialista Delgado, finalmente, solicitou a categoria de objeção de consciência, que o Exército aprovou em abril de 2004.