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Mensagem
por Clermont » Ter Nov 28, 2006 9:25 pm
O ARMÁRIO DE DAVY JONES.
Por William S. Lind – 20 de novembro de 2006.
Na última semana, durante três dias seguidos, o Washington Times ostentou histórias de primeira página sobre a interceptação de um porta-aviões da Marinha dos Estados Unidos, o Kitty Hawk, por um submarino chinês. Este, um barco diesel-elétrico classe “Song”, subiu, sem ser detectado, no meio de um grupo de batalha de porta-aviões, que estava operando ao largo de Okinawa. Armado com torpedos tipo wake-homing de fabricação russa, que podem arruinar o dia de um porta-aviões, o submarino estava bem dentro do alcande do Kitty Hawk quando emergiu.
Embora o título do Washington Times diga “Almirante afirma que submarino arriscou uma troca de tiros”, o incidente significa pouco em si mesmo. Marinhas brincam desses joguinhos, umas com as outras, o tempo todo; tanto os submarinos soviéticos quanto americanos eram muito bons nisso, durante a Guerra Fria. Já que nem os EUA, nem a China estão procurando guerra, não há perigo algum de um Incidente da Ponte Marco Polo, naval. O jornal cita um funcionário não-identificado da Marinha americana, como tendo dito, corretamente, “Estávamos operando em águas internacionais, eles estavam operando em águas internacionais. Desse ponto de vista, ninguém estava pondo ninguém em risco. Ninguém se sentiu ameaçado.”
Mas, ainda assim, há lições aqui. Uma é que, contrariamente a fervorosa crença da Marinha dos Estados Unidos, o porta-aviões não é mais a nau-capitânea. Ele cedeu essa função, muito tempo atrás, ao submarino. Num exercício naval após outro, os submarinos afundam os porta-aviões. Esses apenas fazem de conta que isso não aconteceu e continuam com o restante do exercício.
Cerca de trinta anos atrás, meu primeiro patrão, o senador Robert Taft Jr, de Ohio, perguntou ao almirante Hyman Rickover, quanto tempo ele imaginava que os porta-aviões americanos poderiam agüentar numa guerra contra a marinha soviética, que era, em grande parte, uma marinha submarina. A resposta de Rickover, gravada numa audiência do Comitê das Forças Armadas do Senado, foi, “Cerca de dois dias.” O Comitê, desnecessário dizer, continuou a aprovar a compra de mais porta-aviões.
Outra lição é que submarinos diesel-elétricos podem ser tão efetivos ou mais do que barcos nucleares, na mesma situação. A Marinha dos Estados Unidos odeia a própria idéia de submarinos não-nucleares e, portanto, faz de conta que eles não contam para nada. Você pode comprar quatro a oito modernos submarinos diesel-elétricos pelo custo de um único barco nuclear americano.
Nesse ponto, a bem-sucedida interceptação por um submarino chinês de nosso porta-aviões suscita uma interessante questão: como foi que esse submarino estava na posição correta para fazer uma interceptação? O que um submarino nuclear pode fazer, que um submarino diesel-elétrico não faz, é empreender uma longa caçada à alta-velocidade. Foi apenas sorte cega que o submarino chinês estivesse onde nós estávamos, na verdade esbarrando na gente? Ou foram os chineses, hábeis em coordenar os movimentos do submarino, ao longo do tempo, com o rastreio bem sucedido de nosso grupo de batalha de porta-aviões? Se esse último for o caso, a Marinha chinesa pode estar começando a se tornar uma verdadeira marinha ao invés de, apenas, uma coletânea de navios. Tal transformação é, de longe, muito mais importante do que se a China tem, tal ou qual, peça de equipamento. Isso não acontece rápido, mas merece ser observado.
Mas, será que merece mesmo? A, de algum modo, lamentável mensagem do mundo da guerra real, a guerra de Quarta Geração, é que batalhas em águas profundas entre marinhas significam pouco, ou até nada. Especular sobre o equilíbrio entre os porta-aviões da Marinha americana e os submarinos chineses é como se indagar sobre o que teria acontecido em Trafalgar, se a vanguarda de Villeneuves tivesse respondido imediatamente ao seu sinal para voltar e apoiar o centro da linha Aliada, ou se o almirante Gravina tivesse liderado seu Esquadrão de Observação, direto contra a coluna de Collingwood. É divertido pensar nisso – pessoalmente, eu adoro isso, imensamente – mas c’est ne pas la guerre. Controle de costa e de águas interiores pode desempenhar funções, muito mais importantes numa guerra de Quarta Geração, mas batalhas de águas profundas, como o Glorioso Primeiro de Junho (1), serão apenas torneio de justas, com cabos de vassoura. Na guerra real, a U.S. Coast Guard poderá ser mais útil do que U.S. Navy.
Essa é a lição real do incidente com o submarino chinês: a Marinha dos Estados Unidos, como a Força Aérea, sem um só torpedo disparado ou um único “dogfight”, está no caminho para o "Armário de Davy Jones" (2) devido a pura inanição intelectual. Ao preparar-se, infindavelmente, para outra guerra de porta-aviões no Pacífico contra a Marinha Imperial japonesa, ela se tornou um artefato histórico.
No fim do século XIX, o povo chinês, ultrajado pelas repetidas humilhações estrangeiras à China, arrecadou uma considerável quantidade de dinheiro para a construção de uma moderna marinha para a China. A Rainha Regente utilizou os fundos para construir um barco do prazer de mármore, para si mesma, no lago próximo ao palácio de verão dela. Os grupos de batalha de porta-aviões da Marinha dos Estados Unidos são os barcos de prazer dos Comitês das Forças Armadas da Casa e do Senado do Congresso dos Estados Unidos.
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William S. Lind, expressando sua opinião pessoal, é Diretor para o Centro pelo Conservadorismo Cultural pela Fundação do Congresso Livre.
(1) nota do amigo de sempre, o Clermont: uma das batalhas navais das Guerras Revolucionárias francesas.
(2) mais uma notinha: Dave Jone’s Locker é uma metáfora americana que indica o lugar para onde vão os marujos mortos no mar. Uma forma de “comer algas pela raiz”. Se alga tivesse raiz...