CPMF
Enviado: Sex Dez 07, 2007 7:48 pm
Uma análise interessante sobre a CPMF e o Governo Lula:
Sexta-feira, 7 de Dezembro de 2007
O mau uso das palavras do Raul (07/12)
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje (07/12) no Correio Braziliense:
Os mesmos partidos que lutam para derrubar a CPMF querem também garantir mais e mais dinheiro para a Saúde. E fazem isso sem nem corar
Por Alon Feuerwerker
maito:alon.feuerwerker@correioweb.com.br
Acreditar piamente no que dizem os políticos é sintoma grave de ingenuidade. Pior ainda é magoar-se quando o político defende hoje com unhas e dentes o que criticava ontem — e que certamente poderá voltar a criticar amanhã, se lhe convier. O cenário intelectual e acadêmico está cheio de gente assim, magoada. Pessoas que vagam desconsoladas a exigir coerência dos políticos. Carregando consigo, como um fardo, a própria desilusão. É uma receita de mágoa e desconsolo sem fim. Porque políticos comuns movem-se atraídos pelo poder. Os que têm poder querem mantê-lo e conquistar mais. Os que não o possuem só pensam naquilo: como enfraquecer os adversários momentaneamente sentados na cadeira ambicionada.
O presidente da República recorreu dois dias atrás a Raul Seixas para definir-se como uma “metamorfose ambulante”. Com isso, tentou justificar por que luta agora pela prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), taxa que combatia ferozmente quando estava na oposição. O recurso retórico-alegórico de um supostamente metamórfico Luiz Inácio Lula da Silva esconde a verdade. Ela é mais simples e crua. Lula guerreava contra a CPMF quando a CPMF ajudava o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), que ele, Lula, combatia. Agora que está no comando do barco, Lula é a favor da CPMF.
Se dissesse isso, Lula estaria sendo sincero. Mas políticos não têm o direito de cometer sincericídio. Fraqueza de alma em líderes não costuma ser vista com simpatia. A alternativa é recorrer periodicamente a elementos da literatura, da arte e do esporte para pintar com traços de humanidade a luta pelo poder. Artistas e esportistas são pessoas admiradas exatamente por terem em excesso o que mais costuma faltar nos políticos: a capacidade de explorar no limite os aspectos positivos de sua própria humanidade. Daí que esses seres superiores sejam mobilizados sistematicamente para acrescentar doses de humanidade aos políticos. Nas campanhas eleitorais ou fora delas. Pessoalmente ou por meio de sua obra.
Foi o que fez Lula com Raul Seixas. Mas Lula usou mal a letra do compositor. A idéia de “metamorfose ambulante” em Raul Seixas tem que ver com pensamentos que mudam de acordo com as convicções. E não segundo a flutuação das conveniências. Ou do grau de cinismo. Como, por exemplo, o da oposição, quando coloca em risco, junto com a prorrogação da CPMF, a continuidade da Desvinculação de Receitas da União (DRU).
A DRU é descendente de um dos mais delicados pilares do Plano Real: o Fundo Social de Emergência, depois rebatizado, já no governo FHC, como Fundo de Estabilização Fiscal. Diante de uma Constituição engessadora das depesas federais, a (boa) idéia foi dar ao governo margem de manobra para fazer política fiscal. Os tucanos são os pais, além da CPMF, da DRU. E da Lei de Responsabilidade Fiscal. E onze de cada dez trombeteiros que hoje fazem alarido contra a renovação das duas passaram os últimos anos protestanto contra o grau excessivo de engessamento das contas públicas. Pregando a necessidade de proteger a capacidade de financiamento do estado — mas sempre, é claro, com responsabilidade fiscal.
Vivemos dias bizarros. Os mesmos partidos que lutam até a morte para derrubar a CPMF e, assim, extinguir a principal fonte de recursos para a Saúde, querem também regulamentar a emenda 29 de modo a garantir mais e mais dinheiro para a Saúde. E fazem isso sem nem corar. Vai ver que adotaram todos a alegoria de Lula. Estão prontos a se declarar como “metamorfoses ambulantes” para, assim, tentar explicar o inexplicável.
O Brasil quer, ao mesmo tempo, um estado máximo na proteção social, musculoso na capacidade de investimento e mínimo nos tributos. E os políticos e intelectuais que poderiam explicar gentilmente ao país que tudo isso junto é inviável estão ocupados apenas em produzir o maior malefício possível nos oponentes. Talvez a política, como descrito no início desta coluna, seja só isso mesmo. O que, entretanto, não serve de consolo. Até porque a mistificação sempre encontra o seu limite. Especialmente em sociedades nas quais a informação é um recurso cada vez menos escasso.
Sexta-feira, 7 de Dezembro de 2007
O mau uso das palavras do Raul (07/12)
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje (07/12) no Correio Braziliense:
Os mesmos partidos que lutam para derrubar a CPMF querem também garantir mais e mais dinheiro para a Saúde. E fazem isso sem nem corar
Por Alon Feuerwerker
maito:alon.feuerwerker@correioweb.com.br
Acreditar piamente no que dizem os políticos é sintoma grave de ingenuidade. Pior ainda é magoar-se quando o político defende hoje com unhas e dentes o que criticava ontem — e que certamente poderá voltar a criticar amanhã, se lhe convier. O cenário intelectual e acadêmico está cheio de gente assim, magoada. Pessoas que vagam desconsoladas a exigir coerência dos políticos. Carregando consigo, como um fardo, a própria desilusão. É uma receita de mágoa e desconsolo sem fim. Porque políticos comuns movem-se atraídos pelo poder. Os que têm poder querem mantê-lo e conquistar mais. Os que não o possuem só pensam naquilo: como enfraquecer os adversários momentaneamente sentados na cadeira ambicionada.
O presidente da República recorreu dois dias atrás a Raul Seixas para definir-se como uma “metamorfose ambulante”. Com isso, tentou justificar por que luta agora pela prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), taxa que combatia ferozmente quando estava na oposição. O recurso retórico-alegórico de um supostamente metamórfico Luiz Inácio Lula da Silva esconde a verdade. Ela é mais simples e crua. Lula guerreava contra a CPMF quando a CPMF ajudava o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), que ele, Lula, combatia. Agora que está no comando do barco, Lula é a favor da CPMF.
Se dissesse isso, Lula estaria sendo sincero. Mas políticos não têm o direito de cometer sincericídio. Fraqueza de alma em líderes não costuma ser vista com simpatia. A alternativa é recorrer periodicamente a elementos da literatura, da arte e do esporte para pintar com traços de humanidade a luta pelo poder. Artistas e esportistas são pessoas admiradas exatamente por terem em excesso o que mais costuma faltar nos políticos: a capacidade de explorar no limite os aspectos positivos de sua própria humanidade. Daí que esses seres superiores sejam mobilizados sistematicamente para acrescentar doses de humanidade aos políticos. Nas campanhas eleitorais ou fora delas. Pessoalmente ou por meio de sua obra.
Foi o que fez Lula com Raul Seixas. Mas Lula usou mal a letra do compositor. A idéia de “metamorfose ambulante” em Raul Seixas tem que ver com pensamentos que mudam de acordo com as convicções. E não segundo a flutuação das conveniências. Ou do grau de cinismo. Como, por exemplo, o da oposição, quando coloca em risco, junto com a prorrogação da CPMF, a continuidade da Desvinculação de Receitas da União (DRU).
A DRU é descendente de um dos mais delicados pilares do Plano Real: o Fundo Social de Emergência, depois rebatizado, já no governo FHC, como Fundo de Estabilização Fiscal. Diante de uma Constituição engessadora das depesas federais, a (boa) idéia foi dar ao governo margem de manobra para fazer política fiscal. Os tucanos são os pais, além da CPMF, da DRU. E da Lei de Responsabilidade Fiscal. E onze de cada dez trombeteiros que hoje fazem alarido contra a renovação das duas passaram os últimos anos protestanto contra o grau excessivo de engessamento das contas públicas. Pregando a necessidade de proteger a capacidade de financiamento do estado — mas sempre, é claro, com responsabilidade fiscal.
Vivemos dias bizarros. Os mesmos partidos que lutam até a morte para derrubar a CPMF e, assim, extinguir a principal fonte de recursos para a Saúde, querem também regulamentar a emenda 29 de modo a garantir mais e mais dinheiro para a Saúde. E fazem isso sem nem corar. Vai ver que adotaram todos a alegoria de Lula. Estão prontos a se declarar como “metamorfoses ambulantes” para, assim, tentar explicar o inexplicável.
O Brasil quer, ao mesmo tempo, um estado máximo na proteção social, musculoso na capacidade de investimento e mínimo nos tributos. E os políticos e intelectuais que poderiam explicar gentilmente ao país que tudo isso junto é inviável estão ocupados apenas em produzir o maior malefício possível nos oponentes. Talvez a política, como descrito no início desta coluna, seja só isso mesmo. O que, entretanto, não serve de consolo. Até porque a mistificação sempre encontra o seu limite. Especialmente em sociedades nas quais a informação é um recurso cada vez menos escasso.