Pagando pelos pecados de Lugo
Mais uma vez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva põe o interesse nacional em segundo plano para servir à conveniência política de um governante "amigo" - ou seja, para promover o seu próprio interesse político. Agora o compañero em apuros é o presidente paraguaio, Fernando Lugo, ameaçado não por uma conspiração de direita nem pelo denuncismo da imprensa, mas pelos efeitos da própria incontinência sexual. Outros presidentes latino-americanos têm sido acusados de corrupção, furto, homicídio, golpismo e outras violações da lei. Alguns têm sido depostos. O ex-bispo Fernando Lugo é o primeiro exemplo, na região, de um governante posto em xeque por ter quebrado não as leis civis ou o compromisso presidencial, mas o voto de castidade, deixando prole - o que foi mais escandaloso. Para socorrer o compañero o presidente Lula resolveu fazer o Brasil pagar pelos pecados do bispo paraguaio.
A preocupação do presidente brasileiro com o futuro político do colega paraguaio não é segredo. É admitida claramente por pessoas ligadas ao Palácio do Planalto e apontada como justificativa da operação de socorro montada pelo Itamaraty. Não há outra explicação convincente para a decisão de Lula de autorizar a Administração Nacional de Energia (Ande), estatal paraguaia, a vender no mercado brasileiro uma parcela da eletricidade gerada em Itaipu. A ideia, como explicou o chanceler Celso Amorim, é mudar gradualmente a forma de venda, até a renegociação do Tratado de Itaipu em 2023. Os dois presidentes devem reunir-se em Assunção na sexta-feira e um acordo sobre o novo processo de venda deverá ser assinado naquela ocasião.
Pelo Tratado de Itaipu, o Paraguai, dono de metade da eletricidade produzida pela usina binacional, deve vender ao Brasil a parcela não usada. Isso tem correspondido a 95% da parcela paraguaia. Até agora, a Eletrobrás compra essa energia para revendê-la no mercado brasileiro. O governo paraguaio vem pressionando as autoridades brasileiras, há meses, por um reajuste de preço e pelo direito de vender a eletricidade sem depender exclusivamente da Eletrobrás. Até há pouco tempo, o governo brasileiro aceitou discutir a revisão de preço e, além disso, ofereceu financiamento para obras no Paraguai. O presidente Lugo insistiu em mudanças mais amplas e chegou a defender uma revisão do Tratado.
Ainda há resistências às propostas paraguaias no Ministério de Minas e Energia e na diretoria brasileira de Itaipu. Mas no Itamaraty e na assessoria diplomática do presidente Lula prevaleceu, afinal, a disposição de aceitar a venda pela Ande diretamente ao mercado. Pela interpretação do Itamaraty, essa mudança não fere os termos do Tratado. Segundo o chanceler Celso Amorim, o texto restringe a comercialização a "entes" dos dois países - no caso, a Ande e a Eletrobrás -, mas não impede a atuação de nenhum deles no país do outro.
"O Tratado fala dos entes dos dois países, mas não diz que é cada um em seu país, forçosamente", comentou o ministro, segundo citação publicada no Valor. Esse evidente malabarismo apenas comprova o empenho de algumas áreas do governo brasileiro de atender o presidente Lugo, tanto quanto possível, para ajudá-lo a recuperar prestígio e vencer a crise de credibilidade.
Motivações semelhantes levaram o presidente Lula a engolir desaforos do presidente boliviano Evo Morales, a incentivar a Petrobrás a se envolver em projetos com a venezuelana PDVSA e a aceitar quase sem reação medidas protecionistas tomadas pelo governo argentino contra empresas brasileiras. Com essa atitude Lula acredita que terá sua liderança no continente reconhecida.
O ex-bispo Fernando Lugo elegeu-se com uma campanha amplamente baseada na promessa de arrancar benefícios do vizinho imperialista. As promessas de hostilidade ao Brasil parecem haver entusiasmado o governo brasileiro. Lula torceu por Lugo e saudou sua vitória como sinal de mudanças positivas na região. Agora se dispõe a usar seus recursos de poder, incluídos os direitos sobre Itaipu e sobre a Eletrobrás, para servir aos propósitos políticos de uma autoridade estrangeira.
A lei brasileira proíbe o uso de recursos públicos a favor de interesses eleitorais de qualquer governante nacional e de seus aliados. Como aceitar o uso desses meios em benefício de políticos e partidos de fora - uma prática repetida no governo Lula?
Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje ... 5802,0.php