O pau ta quebrando! Nuclear x Convencional
Enviado: Seg Dez 18, 2006 5:35 pm
Disputa na Marinha
Nuclear x Convencional
Almirante Othon: "concluir o submarino nuclear
é um gesto de independência"
(acesse resposta do Comandante da Marinha)
ALESSANDRO RODRIGUES
Em entrevista ao HP, o almirante afirmou que a aquisição de um submarino convencional, ao invés de concluir a construção do submarino nuclear brasileiro, "é uma âncora no passado"
Em entrevista ao HP, o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, criador e coordenador do Programa Nuclear da Marinha de 1979 a 1994 e uma das maiores autoridades no assunto, considerou "uma âncora no passado" a aquisição de um submarino convencional (diesel-elétrico), o que ele chama de "submergível", ao invés de concluir a construção do submarino nuclear brasileiro, o SNA, que estava previsto para entrar em funcionamento até 2020.
Desde 1979, a Marinha Brasileira investe no projeto para a construção do SNA e, ao longo dos anos, mesmo com restrições financeiras, desenvolveu tecnologias de ponta. O abandono ou o adiamento da conclusão do programa geraria grandes prejuízos para o desenvolvimento da pesquisa tecnológica nacional, visto que o programa nuclear da Marinha já alcançou importantes conquistas, como o domínio do ciclo do combustível atômico e a criação de ultracentrífugas para o enriquecimento de urânio.
Para finalizar o submarino nuclear brasileiro o governo precisa investir cerca de US$ 1,2 bilhão. Para se ter uma idéia, o acordo fechado com bancos europeus, liderados pelo ABN-Amro Bank, para a aquisição de um submarino convencional e a reforma de outros cinco que compõem a frota nacional, irá consumir R$ 1 bilhão.
Considerado um "jacaré" pelo almirante Othon, pois é facilmente localizável, o submarino convencional precisa retornar à superfície a cada 36 horas para ligar seu motor, carregar as baterias e seu estoque de ar, enquanto o nuclear pode ficar até 5 anos submerso - tempo limitado apenas por necessidades humanas, como reabastecimento de alimentos, por exemplo -, perfeito para defender a costa marítima brasileira.
Além disso, o IKL-214 está sendo "bombardeado" na Grécia - que também o adquiriu - por ter apresentado uma série de problemas, tais como, oscilação de 50 graus em relação ao eixo quando está em águas revoltas, alto ruído nas máquinas, problemas com a assinatura eletrônica de sistemas, perda de potência em determinadas condições e a baixa precisão do periscópio de ataque. O projeto do SNA começou a ser boicotado no governo Collor e foi praticamente abandonado no governo Fernando Henrique. Veja a seguir entrevista com o almirante Othon.
"O submarino convencional é como uma foca ou um
jacaré: ficam expostos e são fáceis de abater"
HP: A Marinha está finalizando um acordo para a compra de um submarino convencional. Qual a sua opinião?
Othon: Espero que não seja concretizado, porque, realmente, vai ser um retrocesso. O submarino convencional não é um submarino, é um barco submergível. Como funciona o submarino convencional? Na superfície, ele coloca para funcionar o motor a diesel. O motor a diesel aciona um gerador elétrico e o gerador elétrico carrega a bateria. É mais ou menos parecido com uma foca ou com um jacaré. Submerge e depois ele tem que voltar para a superfície para pegar o ar novamente. Quando ele vem para pegar o ar ele fica exposto. Certa vez me disseram: 'escuta, têm alguns camaradas seus, colegas da Marinha, que acham que os submarinos convencionais são tão bons quanto os nucleares'. Eu disse: olha, se ele fosse tão bom assim, os países mais desenvolvidos teriam submarinos convencionais, que, reitero, não são submarinos, são submergíveis convencionais. A França não tem mais submergível convencional, os Estados Unidos não tem, a Rússia não tem, a Inglaterra também. Só tem o convencional quem não pode ter o nuclear. Mas, para não haver dúvida, quem assistiu a uma pescaria de uma gaivota ou de um martim-pescador entende perfeitamente. Você vê a gaivota e o martim-pescador pegar um peixe quando ele está próximo da superfície, pois é muito difícil eles pegarem um peixe lá no fundo. Se esses colegas meus de Marinha não conseguem entender, nem ler o que a natureza nos dá, como é que eles irão entender a arte da guerra. Realmente é isso, os navios nucleares têm condições de ficarem meses lá em baixo, produzir o próprio oxigênio para a tripulação, quer dizer, fica limitado só pela resistência das pessoas pela parte emocional. O outro tem que fazer igual a foca para pegar o ar e aí ele fica vulnerável aos satélites que saberão onde ele está e saberão também quando ele irá retornar à superfície para respirar novamente. Então, num país como o nosso, com dimensões continentais, o não entendimento disso é ignorância.
HP: Esse acordo pode atrapalhar o desenvolvimento de tecnologia nacional?
Othon: Eu acho que só vale a pena comprar daqueles países que podem nos ajudar, podem transferir tecnologia, porque a propulsão nuclear está desenvolvida, falta a plataforma. Se nós fizermos uma aquisição, mesmo de convencional, enquanto não faz o nuclear, mas com um país que possa nos ajudar a caminhar para a direção nuclear, tudo bem. Mas a Alemanha não pode, mesmo que queira, porque tem um tratado que a impede. Então, continuar naquele programa, comprar um submarino que foi feito aqui na Argentina na década de 70 é ficar ancorado, ancorado no passado. Se a Marinha fizer isso, não é Marinha, é um grupinho da Marinha que está querendo, apressadamente, tomar essa decisão, realmente, será uma âncora no passado. A maior parte dos oficiais gostaria de ter propulsão nuclear, porque todo mundo sabe que a Marinha tem que investir os seus recursos em duas coisas: numa patrulha costeira boa na época de paz e num pequeno grupo de submarinos nucleares. O sonho nuclear é uma negativa à concentração de força. Quem vier nos ameaçar um dia, tem que vir com uma força naval concentrada para desembarcar aqui. Ninguém ousará fazer isso se nós tivermos um submarino nuclear. Então, aqueles oficiais da Marinha que não priorizam a propulsão nuclear, são oficiais que querem que a Marinha continue como uma guarda costeira de luxo, ou seja, um país eternamente subserviente. O submarino de propulsão nuclear é um gesto de independência, não é de afronta a ninguém, é um gesto de independência e de auto-respeito.
HP: Qual o custo de um submarino nuclear?
Othon: A sua pergunta é muito boa, pois é custo. Tem duas coisas aí, uma coisa é custo e a outra é preço. No submarino nuclear nós temos custo, porque nós desenvolvemos. Nos outros nós pagamos o preço, porque preço é sempre custo mais alguma coisa. Então, essa é a grande vantagem de nós colocarmos brasileiros desenvolvendo os equipamentos, porque nós pagamos custos, mesmo que paguemos a mesma coisa, nós pegamos brasileiros e geramos tecnologia aqui no país. Com o submarino nuclear nós vamos pagar custo, com o outro nós vamos pagar preço. Com um bilhão de euros já teríamos terminado o submarino nuclear. Durante dez anos, doze anos, que passou essa escola de 1970 que permaneceu na Marinha, eles gastaram mais de dois bilhões de dólares em navios de superfície que não servem para nada. Isso eu disse no Clube Naval e posso repetir tranqüilamente em qualquer momento. Praticamente pararam o programa de submarino nuclear. O que nós precisamos é de brasilidade e a média dos oficiais da Marinha têm muita brasilidade e a maior parte deseja a propulsão nuclear.
HP: Em que fase se encontra o projeto do SNA?
Othon: Eu, particularmente, estou um pouco fora dele há alguns anos. Todos os componentes da produção nuclear estão prontos, ou seja, nós íamos fazer um protótipo em terra da produção, que começou a ser feito e depois parou. É que houve uma determinada fase, em 1994, que o ministro da Marinha, o almirante [Ivan da Silveira] Serpa, baixou a prioridade desse programa. Era número 1 na Marinha e ele baixou para 18. Ao que me consta, pode ser mera coincidência, mas nesse mesmo ano nós compramos quatro navios velhos na Inglaterra. Talvez tenha sido o maior preço pago em um navio velho na história do Brasil. Nós compramos quatro fragatas por 185 milhões de dólares, foi uma vergonha, mera coincidência, mas houve. Daí em diante o programa caiu de prioridade, mas nós já sentimos sinais de que pode ser retomada a prioridade. O almirante Serpa ainda tem uns dois ou três adeptos da escola dele, mas que felizmente devem se aposentar em breve.
HP: Qual o motivo do SNA não ter voltado a ser prioridade?
Othon: Veja só o paradoxo. Na história da Marinha não tem um motor de propulsão que tenha sido produzido no país. O país partiu logo para desenvolver a propulsão nuclear. Todos os componentes e a propulsão estão prontos e estão parados, por que determinada escola de pensamento - e nós tivemos quatro administrações dessa escola - não quer terminar. Mas tenho certeza que o atual governo é extremamente favorável à propulsão nuclear. Por isso eu tenho muita esperança de que ele seja retomado. O atual Chefe do Estado-Maior da Armada - que espero que entre na compulsória - propôs a parada do programa. Eu não podia imaginar que houvesse uma coisa dessas. Eu estou na reserva e estou falando como um cidadão, não estou falando mais como ex-oficial da Marinha.
A Resposta do Comandante da Marinha
Almirante Roberto de Guimarães Carvalho,
Comandante da Marinha:
A Marinha do Brasil e a questão dos submarinos
(para a entrevista do Almirante Othon acesse)
Comandante da Marinha defende política de aquisição de submarinos convencionais, diante das dificuldades de verba para concluir o submarino nuclear brasileiro
Publicamos hoje texto enviado pelo Comandante da Marinha, almirante Roberto de Guimarães Carvalho, a respeito da entrevista que nos concedeu o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva (HP, 22/11/2006), sobre a questão do submarino nuclear brasileiro. Na entrevista mencionada, o almirante Othon, que chefiou o programa nuclear da Marinha, com a conquista da tecnologia para o enriquecimento do urânio, defendia a conclusão do submarino nuclear, já em adiantada fase de construção – tanto o reator nuclear quanto o protótipo do submarino já foram realizados, faltando a criação de laboratórios que permitam testar o reator em condições operacionais. Para o almirante Othon, a política de investir em submarinos convencionais não é a mais apropriada aos interesses da defesa do país. Nas condições tecnológicas da guerra atual, somente submarinos nucleares poderiam garantir a defesa diante de inimigos do país que já possuem, há muito, belonaves desse tipo. Daí a sua formulação de que a construção do submarino nuclear é um “gesto de independência”.
Em seu texto, o Comandante da Marinha ressalta que “a Marinha tem, permanentemente, pleiteado recursos junto ao Governo Federal, a fim de possibilitar darmos o curso normal ao Programa Nuclear da Marinha. Apesar do insucesso dessas tentativas, pelo menos até agora, é importante realçar que o Programa Nuclear da Marinha permitiu ao Brasil dominar a tecnologia de enriquecimento de urânio, conhecimento este restrito a apenas oito países”. Na ausência desses recursos, o Comandante da Marinha defende a política de aquisição – e possível construção no Brasil - de submarinos convencionais. “Como o próprio senhor Othon afirma, só tem submarino convencional quem não pode ter o nuclear”, diz o almirante Carvalho, e conclui: “infelizmente, nós estamos neste caso, pelo menos, ainda por um bom tempo, haja vista a situação orçamentária da Marinha nos últimos anos”.
Trata-se de um debate decisivo para o nosso país. Trata-se da defesa de nossa soberania, de nossa independência. Por isso mesmo, é altamente importante que os brasileiros, habitantes de um país com uma imensa fronteira marítima, tenham consciência precisa da questão, para que concentremos nossos recursos e nossos esforços na melhor e mais eficaz solução.
Almirante Roberto de Guimarães Carvalho *
Em relação à entrevista concedida pelo senhor Othon Luiz Pinheiro da Silva a esse conceituado veículo de comunicações, publicada na edição no dia 22 de novembro, cujo teor versa, basicamente, sobre a obtenção de submarinos convencionais ou nucleares, na qual, fazendo questão de dizer que falou como cidadão e não como Vice-Almirante da Reserva - daí eu ter me referido a ele como senhor, tece comentários, sem ter conhecimento completo do quadro conjuntural, sobre decisões da Alta Administração Naval, tanto de passado recente, como da atual, cabe a mim, como Comandante da Marinha, esclarecer aos leitores os seguintes aspectos:
a) a possível construção de um submarino convencional no nosso arsenal não é, na opinião da Marinha, um retrocesso. Pelo contrário, é a continuação do progresso, pois possibilitará manter a qualificação dos nossos engenheiros, técnicos e operários, conquistada com muito esforço, e que não podemos perder;
b) a Marinha tem perfeita ciência das diferenças existentes entre as capacidades operativas de submarinos convencionais e nucleares. Como o próprio senhor Othon afirma, só tem submarino convencional quem não pode ter o nuclear e, infelizmente, nós estamos neste caso, pelo menos, ainda por um bom tempo, haja vista a situação orçamentária da Marinha nos últimos anos. A Marinha sonha com o submarino nuclear, mas isso não basta. É preciso que, além do nosso sonho, haja uma vontade nacional, traduzida em recursos, de forma a transformar o sonho em realidade. Enquanto isso não ocorre, resta-nos a opção dos submarinos convencionais, que, apesar de terem sido comparados a “focas” ou “jacarés”, são plataformas navais eficazes, tanto o é, que, a principal e mais poderosa marinha do mundo os considera como uma das principais ameaças que poderá ter de enfrentar;
c) o submarino que a Marinha pretende construir não é o da classe daqueles que foram construídos na Argentina na década de 70. É um submarino convencional moderno, da mesma origem dos nossos atuais cinco submarinos, que serão modernizados, mantendo-se, assim, a padronização. Adquirir um submarino de uma outra origem, com tecnologia diferente daquela com a qual estamos habituados a trabalhar, seria passar por uma experiência que a nossa Força de Submarinos já passou, e que não foi boa, qual seja, a de conviver com submarinos de origens diversas. Em acréscimo, não há registro conhecido, de que um país detentor da tecnologia nuclear, para fins de propulsão naval, bem como de projetos de plataformas onde possam ser instalados os equipamentos e sistemas necessários, tenha transferido esses conhecimentos sensíveis a outro. Assim, considero, no mínimo, arriscada a presunção de que isso aconteceria conosco, caso a opção fosse por um submarino de outra origem;
d) no que se refere às considerações feitas citando nominalmente o Almirante-de-Esquadra Ivan da Silveira Serpa, eminente, respeitado e honrado Chefe Naval e ex-Ministro da Marinha, as mesmas distorcem os fatos e não correspondem à realidade. A bem da verdade, é mister mencionar que o Almirantado, então presidido pelo Almirante Serpa, ao decidir pela diminuição dos recursos destinados ao Programa Nuclear da Marinha, o fez motivado pela redução do orçamento da Força, pelo decrescente aporte de recursos da antiga Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), parceira no projeto, e por problemas de gestão na condução do Programa. Aliás, na oportunidade, por determinação do próprio Almirante Serpa, foi criada uma Comissão de Almirantes e Oficiais capacitados, com a tarefa de proceder um criterioso redimensionamento do referido Programa, adequando-o à realidade e às normas orçamentárias da Marinha;
e) quanto à aquisição em 1995, das quatro fragatas na Inglaterra, os navios, apesar de usados, estavam em excelentes condições materiais e operativas, três dos quais ainda integram e constituem importante parcela do poder combatente da nossa Esquadra. Os recursos utilizados, por meio de crédito especial, não integravam o Orçamento da Marinha e, portanto, não concorreram com os aplicados no Programa Nuclear. Em acréscimo, esses navios foram adquiridos para substituírem contratorpedeiros já bem antigos, de origem norte-americana, que foram retirados do serviço ativo. É claro que a Marinha precisa de submarinos, mas, embora alguns possam não concordar, também precisa de navios;
f) é imperativo enfatizar que, durante o meu período de Comando e daqueles que me antecederam, a Marinha tem, permanentemente, pleiteado recursos junto ao Governo Federal, a fim de possibilitar darmos o curso normal ao Programa Nuclear da Marinha. Apesar do insucesso dessas tentativas, pelo menos até agora, é importante realçar que o Programa Nuclear da Marinha permitiu ao Brasil dominar a tecnologia de enriquecimento de urânio, conhecimento este restrito a apenas oito países; e
g) em relação aos comentários pessoais sobre o atual Chefe do Estado-Maior da Armada, considero-o um oficial empreendedor, reconhecidamente inteligente e capaz, e cujo prestimoso assessoramento nos assuntos relevantes da Marinha tem sido de extrema valia para as decisões de alto nível que meu cargo requer.
Em relação ao todo da matéria jornalística, acredito que o senhor Othon tem todo o direito de expor as suas opiniões pessoais sobre um tema tão importante, mas deveria tê-lo feito considerando todas as variáveis envolvidas nesse complexo problema, e não apenas parte delas. Poderia, ainda, ter sido um pouco mais cortês nas suas colocações, dentro da fidalguia característica dos homens do mar.
*Comandante da Marinha
E aí Walter, o que vc acha disto tudo? E você, Koslova?
Eu penso que ambos estão parcialmente certos, mas concordo com uma coisa: que o projeto do sub nuclear deveria ser a mais alta prioridade do governo.
Nuclear x Convencional
Almirante Othon: "concluir o submarino nuclear
é um gesto de independência"
(acesse resposta do Comandante da Marinha)
ALESSANDRO RODRIGUES
Em entrevista ao HP, o almirante afirmou que a aquisição de um submarino convencional, ao invés de concluir a construção do submarino nuclear brasileiro, "é uma âncora no passado"
Em entrevista ao HP, o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, criador e coordenador do Programa Nuclear da Marinha de 1979 a 1994 e uma das maiores autoridades no assunto, considerou "uma âncora no passado" a aquisição de um submarino convencional (diesel-elétrico), o que ele chama de "submergível", ao invés de concluir a construção do submarino nuclear brasileiro, o SNA, que estava previsto para entrar em funcionamento até 2020.
Desde 1979, a Marinha Brasileira investe no projeto para a construção do SNA e, ao longo dos anos, mesmo com restrições financeiras, desenvolveu tecnologias de ponta. O abandono ou o adiamento da conclusão do programa geraria grandes prejuízos para o desenvolvimento da pesquisa tecnológica nacional, visto que o programa nuclear da Marinha já alcançou importantes conquistas, como o domínio do ciclo do combustível atômico e a criação de ultracentrífugas para o enriquecimento de urânio.
Para finalizar o submarino nuclear brasileiro o governo precisa investir cerca de US$ 1,2 bilhão. Para se ter uma idéia, o acordo fechado com bancos europeus, liderados pelo ABN-Amro Bank, para a aquisição de um submarino convencional e a reforma de outros cinco que compõem a frota nacional, irá consumir R$ 1 bilhão.
Considerado um "jacaré" pelo almirante Othon, pois é facilmente localizável, o submarino convencional precisa retornar à superfície a cada 36 horas para ligar seu motor, carregar as baterias e seu estoque de ar, enquanto o nuclear pode ficar até 5 anos submerso - tempo limitado apenas por necessidades humanas, como reabastecimento de alimentos, por exemplo -, perfeito para defender a costa marítima brasileira.
Além disso, o IKL-214 está sendo "bombardeado" na Grécia - que também o adquiriu - por ter apresentado uma série de problemas, tais como, oscilação de 50 graus em relação ao eixo quando está em águas revoltas, alto ruído nas máquinas, problemas com a assinatura eletrônica de sistemas, perda de potência em determinadas condições e a baixa precisão do periscópio de ataque. O projeto do SNA começou a ser boicotado no governo Collor e foi praticamente abandonado no governo Fernando Henrique. Veja a seguir entrevista com o almirante Othon.
"O submarino convencional é como uma foca ou um
jacaré: ficam expostos e são fáceis de abater"
HP: A Marinha está finalizando um acordo para a compra de um submarino convencional. Qual a sua opinião?
Othon: Espero que não seja concretizado, porque, realmente, vai ser um retrocesso. O submarino convencional não é um submarino, é um barco submergível. Como funciona o submarino convencional? Na superfície, ele coloca para funcionar o motor a diesel. O motor a diesel aciona um gerador elétrico e o gerador elétrico carrega a bateria. É mais ou menos parecido com uma foca ou com um jacaré. Submerge e depois ele tem que voltar para a superfície para pegar o ar novamente. Quando ele vem para pegar o ar ele fica exposto. Certa vez me disseram: 'escuta, têm alguns camaradas seus, colegas da Marinha, que acham que os submarinos convencionais são tão bons quanto os nucleares'. Eu disse: olha, se ele fosse tão bom assim, os países mais desenvolvidos teriam submarinos convencionais, que, reitero, não são submarinos, são submergíveis convencionais. A França não tem mais submergível convencional, os Estados Unidos não tem, a Rússia não tem, a Inglaterra também. Só tem o convencional quem não pode ter o nuclear. Mas, para não haver dúvida, quem assistiu a uma pescaria de uma gaivota ou de um martim-pescador entende perfeitamente. Você vê a gaivota e o martim-pescador pegar um peixe quando ele está próximo da superfície, pois é muito difícil eles pegarem um peixe lá no fundo. Se esses colegas meus de Marinha não conseguem entender, nem ler o que a natureza nos dá, como é que eles irão entender a arte da guerra. Realmente é isso, os navios nucleares têm condições de ficarem meses lá em baixo, produzir o próprio oxigênio para a tripulação, quer dizer, fica limitado só pela resistência das pessoas pela parte emocional. O outro tem que fazer igual a foca para pegar o ar e aí ele fica vulnerável aos satélites que saberão onde ele está e saberão também quando ele irá retornar à superfície para respirar novamente. Então, num país como o nosso, com dimensões continentais, o não entendimento disso é ignorância.
HP: Esse acordo pode atrapalhar o desenvolvimento de tecnologia nacional?
Othon: Eu acho que só vale a pena comprar daqueles países que podem nos ajudar, podem transferir tecnologia, porque a propulsão nuclear está desenvolvida, falta a plataforma. Se nós fizermos uma aquisição, mesmo de convencional, enquanto não faz o nuclear, mas com um país que possa nos ajudar a caminhar para a direção nuclear, tudo bem. Mas a Alemanha não pode, mesmo que queira, porque tem um tratado que a impede. Então, continuar naquele programa, comprar um submarino que foi feito aqui na Argentina na década de 70 é ficar ancorado, ancorado no passado. Se a Marinha fizer isso, não é Marinha, é um grupinho da Marinha que está querendo, apressadamente, tomar essa decisão, realmente, será uma âncora no passado. A maior parte dos oficiais gostaria de ter propulsão nuclear, porque todo mundo sabe que a Marinha tem que investir os seus recursos em duas coisas: numa patrulha costeira boa na época de paz e num pequeno grupo de submarinos nucleares. O sonho nuclear é uma negativa à concentração de força. Quem vier nos ameaçar um dia, tem que vir com uma força naval concentrada para desembarcar aqui. Ninguém ousará fazer isso se nós tivermos um submarino nuclear. Então, aqueles oficiais da Marinha que não priorizam a propulsão nuclear, são oficiais que querem que a Marinha continue como uma guarda costeira de luxo, ou seja, um país eternamente subserviente. O submarino de propulsão nuclear é um gesto de independência, não é de afronta a ninguém, é um gesto de independência e de auto-respeito.
HP: Qual o custo de um submarino nuclear?
Othon: A sua pergunta é muito boa, pois é custo. Tem duas coisas aí, uma coisa é custo e a outra é preço. No submarino nuclear nós temos custo, porque nós desenvolvemos. Nos outros nós pagamos o preço, porque preço é sempre custo mais alguma coisa. Então, essa é a grande vantagem de nós colocarmos brasileiros desenvolvendo os equipamentos, porque nós pagamos custos, mesmo que paguemos a mesma coisa, nós pegamos brasileiros e geramos tecnologia aqui no país. Com o submarino nuclear nós vamos pagar custo, com o outro nós vamos pagar preço. Com um bilhão de euros já teríamos terminado o submarino nuclear. Durante dez anos, doze anos, que passou essa escola de 1970 que permaneceu na Marinha, eles gastaram mais de dois bilhões de dólares em navios de superfície que não servem para nada. Isso eu disse no Clube Naval e posso repetir tranqüilamente em qualquer momento. Praticamente pararam o programa de submarino nuclear. O que nós precisamos é de brasilidade e a média dos oficiais da Marinha têm muita brasilidade e a maior parte deseja a propulsão nuclear.
HP: Em que fase se encontra o projeto do SNA?
Othon: Eu, particularmente, estou um pouco fora dele há alguns anos. Todos os componentes da produção nuclear estão prontos, ou seja, nós íamos fazer um protótipo em terra da produção, que começou a ser feito e depois parou. É que houve uma determinada fase, em 1994, que o ministro da Marinha, o almirante [Ivan da Silveira] Serpa, baixou a prioridade desse programa. Era número 1 na Marinha e ele baixou para 18. Ao que me consta, pode ser mera coincidência, mas nesse mesmo ano nós compramos quatro navios velhos na Inglaterra. Talvez tenha sido o maior preço pago em um navio velho na história do Brasil. Nós compramos quatro fragatas por 185 milhões de dólares, foi uma vergonha, mera coincidência, mas houve. Daí em diante o programa caiu de prioridade, mas nós já sentimos sinais de que pode ser retomada a prioridade. O almirante Serpa ainda tem uns dois ou três adeptos da escola dele, mas que felizmente devem se aposentar em breve.
HP: Qual o motivo do SNA não ter voltado a ser prioridade?
Othon: Veja só o paradoxo. Na história da Marinha não tem um motor de propulsão que tenha sido produzido no país. O país partiu logo para desenvolver a propulsão nuclear. Todos os componentes e a propulsão estão prontos e estão parados, por que determinada escola de pensamento - e nós tivemos quatro administrações dessa escola - não quer terminar. Mas tenho certeza que o atual governo é extremamente favorável à propulsão nuclear. Por isso eu tenho muita esperança de que ele seja retomado. O atual Chefe do Estado-Maior da Armada - que espero que entre na compulsória - propôs a parada do programa. Eu não podia imaginar que houvesse uma coisa dessas. Eu estou na reserva e estou falando como um cidadão, não estou falando mais como ex-oficial da Marinha.
A Resposta do Comandante da Marinha
Almirante Roberto de Guimarães Carvalho,
Comandante da Marinha:
A Marinha do Brasil e a questão dos submarinos
(para a entrevista do Almirante Othon acesse)
Comandante da Marinha defende política de aquisição de submarinos convencionais, diante das dificuldades de verba para concluir o submarino nuclear brasileiro
Publicamos hoje texto enviado pelo Comandante da Marinha, almirante Roberto de Guimarães Carvalho, a respeito da entrevista que nos concedeu o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva (HP, 22/11/2006), sobre a questão do submarino nuclear brasileiro. Na entrevista mencionada, o almirante Othon, que chefiou o programa nuclear da Marinha, com a conquista da tecnologia para o enriquecimento do urânio, defendia a conclusão do submarino nuclear, já em adiantada fase de construção – tanto o reator nuclear quanto o protótipo do submarino já foram realizados, faltando a criação de laboratórios que permitam testar o reator em condições operacionais. Para o almirante Othon, a política de investir em submarinos convencionais não é a mais apropriada aos interesses da defesa do país. Nas condições tecnológicas da guerra atual, somente submarinos nucleares poderiam garantir a defesa diante de inimigos do país que já possuem, há muito, belonaves desse tipo. Daí a sua formulação de que a construção do submarino nuclear é um “gesto de independência”.
Em seu texto, o Comandante da Marinha ressalta que “a Marinha tem, permanentemente, pleiteado recursos junto ao Governo Federal, a fim de possibilitar darmos o curso normal ao Programa Nuclear da Marinha. Apesar do insucesso dessas tentativas, pelo menos até agora, é importante realçar que o Programa Nuclear da Marinha permitiu ao Brasil dominar a tecnologia de enriquecimento de urânio, conhecimento este restrito a apenas oito países”. Na ausência desses recursos, o Comandante da Marinha defende a política de aquisição – e possível construção no Brasil - de submarinos convencionais. “Como o próprio senhor Othon afirma, só tem submarino convencional quem não pode ter o nuclear”, diz o almirante Carvalho, e conclui: “infelizmente, nós estamos neste caso, pelo menos, ainda por um bom tempo, haja vista a situação orçamentária da Marinha nos últimos anos”.
Trata-se de um debate decisivo para o nosso país. Trata-se da defesa de nossa soberania, de nossa independência. Por isso mesmo, é altamente importante que os brasileiros, habitantes de um país com uma imensa fronteira marítima, tenham consciência precisa da questão, para que concentremos nossos recursos e nossos esforços na melhor e mais eficaz solução.
Almirante Roberto de Guimarães Carvalho *
Em relação à entrevista concedida pelo senhor Othon Luiz Pinheiro da Silva a esse conceituado veículo de comunicações, publicada na edição no dia 22 de novembro, cujo teor versa, basicamente, sobre a obtenção de submarinos convencionais ou nucleares, na qual, fazendo questão de dizer que falou como cidadão e não como Vice-Almirante da Reserva - daí eu ter me referido a ele como senhor, tece comentários, sem ter conhecimento completo do quadro conjuntural, sobre decisões da Alta Administração Naval, tanto de passado recente, como da atual, cabe a mim, como Comandante da Marinha, esclarecer aos leitores os seguintes aspectos:
a) a possível construção de um submarino convencional no nosso arsenal não é, na opinião da Marinha, um retrocesso. Pelo contrário, é a continuação do progresso, pois possibilitará manter a qualificação dos nossos engenheiros, técnicos e operários, conquistada com muito esforço, e que não podemos perder;
b) a Marinha tem perfeita ciência das diferenças existentes entre as capacidades operativas de submarinos convencionais e nucleares. Como o próprio senhor Othon afirma, só tem submarino convencional quem não pode ter o nuclear e, infelizmente, nós estamos neste caso, pelo menos, ainda por um bom tempo, haja vista a situação orçamentária da Marinha nos últimos anos. A Marinha sonha com o submarino nuclear, mas isso não basta. É preciso que, além do nosso sonho, haja uma vontade nacional, traduzida em recursos, de forma a transformar o sonho em realidade. Enquanto isso não ocorre, resta-nos a opção dos submarinos convencionais, que, apesar de terem sido comparados a “focas” ou “jacarés”, são plataformas navais eficazes, tanto o é, que, a principal e mais poderosa marinha do mundo os considera como uma das principais ameaças que poderá ter de enfrentar;
c) o submarino que a Marinha pretende construir não é o da classe daqueles que foram construídos na Argentina na década de 70. É um submarino convencional moderno, da mesma origem dos nossos atuais cinco submarinos, que serão modernizados, mantendo-se, assim, a padronização. Adquirir um submarino de uma outra origem, com tecnologia diferente daquela com a qual estamos habituados a trabalhar, seria passar por uma experiência que a nossa Força de Submarinos já passou, e que não foi boa, qual seja, a de conviver com submarinos de origens diversas. Em acréscimo, não há registro conhecido, de que um país detentor da tecnologia nuclear, para fins de propulsão naval, bem como de projetos de plataformas onde possam ser instalados os equipamentos e sistemas necessários, tenha transferido esses conhecimentos sensíveis a outro. Assim, considero, no mínimo, arriscada a presunção de que isso aconteceria conosco, caso a opção fosse por um submarino de outra origem;
d) no que se refere às considerações feitas citando nominalmente o Almirante-de-Esquadra Ivan da Silveira Serpa, eminente, respeitado e honrado Chefe Naval e ex-Ministro da Marinha, as mesmas distorcem os fatos e não correspondem à realidade. A bem da verdade, é mister mencionar que o Almirantado, então presidido pelo Almirante Serpa, ao decidir pela diminuição dos recursos destinados ao Programa Nuclear da Marinha, o fez motivado pela redução do orçamento da Força, pelo decrescente aporte de recursos da antiga Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), parceira no projeto, e por problemas de gestão na condução do Programa. Aliás, na oportunidade, por determinação do próprio Almirante Serpa, foi criada uma Comissão de Almirantes e Oficiais capacitados, com a tarefa de proceder um criterioso redimensionamento do referido Programa, adequando-o à realidade e às normas orçamentárias da Marinha;
e) quanto à aquisição em 1995, das quatro fragatas na Inglaterra, os navios, apesar de usados, estavam em excelentes condições materiais e operativas, três dos quais ainda integram e constituem importante parcela do poder combatente da nossa Esquadra. Os recursos utilizados, por meio de crédito especial, não integravam o Orçamento da Marinha e, portanto, não concorreram com os aplicados no Programa Nuclear. Em acréscimo, esses navios foram adquiridos para substituírem contratorpedeiros já bem antigos, de origem norte-americana, que foram retirados do serviço ativo. É claro que a Marinha precisa de submarinos, mas, embora alguns possam não concordar, também precisa de navios;
f) é imperativo enfatizar que, durante o meu período de Comando e daqueles que me antecederam, a Marinha tem, permanentemente, pleiteado recursos junto ao Governo Federal, a fim de possibilitar darmos o curso normal ao Programa Nuclear da Marinha. Apesar do insucesso dessas tentativas, pelo menos até agora, é importante realçar que o Programa Nuclear da Marinha permitiu ao Brasil dominar a tecnologia de enriquecimento de urânio, conhecimento este restrito a apenas oito países; e
g) em relação aos comentários pessoais sobre o atual Chefe do Estado-Maior da Armada, considero-o um oficial empreendedor, reconhecidamente inteligente e capaz, e cujo prestimoso assessoramento nos assuntos relevantes da Marinha tem sido de extrema valia para as decisões de alto nível que meu cargo requer.
Em relação ao todo da matéria jornalística, acredito que o senhor Othon tem todo o direito de expor as suas opiniões pessoais sobre um tema tão importante, mas deveria tê-lo feito considerando todas as variáveis envolvidas nesse complexo problema, e não apenas parte delas. Poderia, ainda, ter sido um pouco mais cortês nas suas colocações, dentro da fidalguia característica dos homens do mar.
*Comandante da Marinha
E aí Walter, o que vc acha disto tudo? E você, Koslova?
Eu penso que ambos estão parcialmente certos, mas concordo com uma coisa: que o projeto do sub nuclear deveria ser a mais alta prioridade do governo.