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Reportagem sobre o São Paulo

Enviado: Sáb Mar 13, 2004 9:38 am
por Slip Junior
Aqui vai uma reportagem sobre a vida a bordo do A-12 São Paulo não exatamente nova, pois foi publicado no dia 15 de fevereiro de 2004 no jornal gaúcho Zero Hora, mas ainda assim muito interessante.

Um pouso no porta-aviões brasileiro
A bordo do São Paulo, ZH acompanhou exercício de guerra que mobilizou 2 mil homens e caças Skyhawk da Marinha

KLÉCIO SANTOS (TEXTOS)/ Enviado especial/Rio

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A 39 milhas (cerca de 70 quilômetros) da costa, o porta-aviões São Paulo singra as águas do Atlântico como se estivesse em combate. Na tarde de 4 de fevereiro, o navio de guerra testemunha o primeiro sobrevôo do Falcão, como é chamado o caça A-4 Skyhawk, um dos braços armados mais importantes da Marinha brasileira.

O nariz da aeronave surge no horizonte às 14h45min. Não há estampido de bombas ou rajadas de metralhadora, mas a tripulação está apreensiva. Soprada pelo vento forte, a água do mar escorre pelo casco do gigante brasileiro. É a primeira grande manobra deste ano, envolvendo os jatos norte-americanos, comprados do Kuwait por US$ 70 milhões. Uma voz metálica do alto-falante do passadiço alerta:

- Atenção, tripulação! Preparar para receber o Falcão.

O piloto do Skyhawk baixa a velocidade, observa as últimas orientações do controlador de vôo, toca no convés e arremete novamente. Um espetáculo que dura menos de cinco segundos, o suficiente para elevar a adrenalina dos 2 mil tripulantes do porta-aviões. Durante três dias, Zero Hora acompanhou o mais recente treinamento do porta-aviões São Paulo, encerrado na última quarta-feira.

- A-4, Falcão. Não está autorizada curva à esquerda. Segue em direção à proa - orienta um oficial posicionado na torre do navio.

Nos convés da ilha (estrutura que fica acima da pista de pouso), tripulantes quebram a monotonia das horas de folga portando binóculos e máquinas fotográficas. Queriam assistir ao primeiro pouso do Falcão. Depois de contornar o São Paulo, a aeronave arria um gancho e pousa às 14h50min, quando finalmente pesca um dos quatro cabos de aço presos a um sistema de amortecimento que freará o jato. O ruído é ensurdecedor. Do alto de uma estrutura envidraçada, o capitão-de-mar-e-guerra Antônio Fernando Monteiro Dias, 48 anos, comandante do São Paulo, mantém os olhos vigilantes. Há um risco iminente em cada manobra.
- Só não tem o tiro inimigo, o que elevaria a adrenalina. Mas um porta-aviões em missão de paz ou na guerra é a mesma coisa. É tudo real - diz Monteiro Dias, recostado em sua cadeira giratória.

Portando óculos e capacetes, os 16 pilotos da Marinha lembram os ases do filme Top Gun, com Tom Cruise. Lotados em São Pedro da Aldeia, no Rio, eles precisam fazer pousos regulares em um porta-aviões, adestramento necessário para não perder o instinto aguçado. Um piloto naval, por exemplo, dispõe de um segundo para domar o jato, impor potência ao motor e arremeter novamente se o gancho não fisgar um dos cabos de freio, evitando assim a queda no mar. Apesar das dimensões gigantescas - o porta-aviões mede 266 metros, duas vezes o gramado do Estádio Beira-Rio -, o alvo é pequeno e ainda balança com as ondas do mar.

- É o que nos difere de um piloto da Aeronáutica. A razão de um piloto naval é pousar na pista pequena de um porta-aviões - admite o capitão-de-fragata Victor Cardoso Gomes, 44 anos, comandante do esquadrão de aviões de combate da Marinha.

Durante o percurso do Rio até Vitória (ES), dois dos 23 A-4 Skyhawk da Marinha realizaram dezenas de pousos e arremetidas. As decolagens são mais fáceis, mas não menos perigosas. Com auxílio de catapultas, os caças são lançados a 240 km/h numa pista de apenas 53 metros de comprimento, percorrida em no máximo três segundos. Apenas um risco de fumaça permanece no convés.

- É como se fosse uma carabina. Só que, ao invés de ar comprimido, é usado vapor - compara o capitão-tenente Alexandre Amendoeira.

Batom a bordo

Duas loiras catarinenses de 29 anos quebram a atmosfera masculina. Farmacêuticas, as oficiais Lais Ceconelo (à direita na foto) e Melissa Siviero integram o corpo de saúde. Com a médica Ana Alvarez, 27 anos, são as três mulheres a bordo.

Solteira, natural de Joaçaba, Lais está há três anos na Marinha. Ingressou na força naval em Ladário (MS), na fronteira com a Bolívia. Durante um ano e sete meses, serviu na Amazônia, atuando em navios hospitalares que atendem as populações ribeirinhas. Com 77 dias de navegação no currículo, surpreendeu-se com as dimensões do São Paulo. Sua maior dificuldade é o deslocamento no interior do navio.

- Eu me assustei com o tamanho. Ainda estou aprendendo o caminho do centro de saúde até o meu camarote - brinca Lais, que antes de posar para foto perguntou se podia passar batom.

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A colega Melissa nasceu em Xanxerê. Está há menos de um ano na Marinha. Casada com André, um gaúcho de Pelotas, também oficial da Marinha, vive sua primeira experiência a bordo de uma embarcação. O predomínio masculino da tripulação não inibe as companheiras de farda.

- Os homens é que se constrangem muito mais com a presença delas - constata o médico Antônio Guilherme Ruf.

O gaúcho

Enfurnado na praça de máquinas do navio e sob um calor que em alguns locais atinge 50°C, o segundo tenente Márcio da Costa Vieira, 24 anos, revela um sonho: servir no 5º Distrito Naval, com sede em Rio Grande. Daqui a dois anos, planeja pedir transferência para a cidade onde nasceu:

- Pretendo servir em Rio Grande, rever minha terra natal, que conheci tão pouco - conta.

Seu pai trabalhou na construção do superporto gaúcho nos anos 80, época em que a família residia no balneário do Cassino. Os Vieira foram para o Rio, quando Márcio ainda era bebê.

Apesar de passar a maior parte da sua vida no Rio, Márcio mantém hábitos gaúchos. Experimentou chimarrão há sete anos, ao visitar o irmão e capitão do Exército, Marcelo da Costa, que, à época, servia em São Gabriel.

- Gosto de chimarrão e de um bom churrasco - conta, cercado de termômetros e manômetros, aparelhos que medem a temperatura e a pressão da embarcação.

Oficial de máquinas do porta-aviões há apenas um mês, Márcio da Costa já ganhou um apelido: Tamandaré, em alusão ao almirante riograndino Joaquim Marques Lisboa, o Almirante Tamandaré.

Os guerreiros do mar

Como num grande aeroporto, a segurança das manobras depende basicamente dos oficiais da torre de controle. Dotado de um esquadrão de helicópteros, o porta-aviões São Paulo não cessa suas atividades nem durante as madrugadas. A movimentação intensa requer atenção ao posicionamento e à retirada das aeronaves da pista. Durante 24 horas, a torre reproduz informações do tipo:

- Guerreiro, segura um pouco, decola após o Águia (o helicóptero de salvamento UH 13 Esquilo). Torre ciente, observando caça a bombordo.

Os helicópteros embarcados (Super-Puma, Esquilo, Guerreiros e Bell Jet Ranger) atuam em diversos cenários das operações marítimas. Enquanto um porta-aviões norte-americano opera com cerca de 76 aviões e apenas quatro helicópteros, a realidade brasileira é outra - o número de helicópteros, às vezes, chega a superar o de caças.

Munidos de radares com capacidade de detecção de alvos de superfície até a 200 milhas marítimas (370 quilômetros) e de sensores (sonares estratégicos), os helicópteros SH-3, os nobres Guerreiros, assumem papel vital em uma guerra. São capazes de fazer frente a uma das maiores ameaças à força naval de um país: o submarino.

Durante o treinamento a que ZH teve acesso, os pilotos dos Guerreiros realizaram diversas operações de posicionamento do sonar, que começam com a luz fria do amanhecer e se estendem até a madrugada. O equipamento permite identificar um submarino em águas profundas.

- É como procurar uma agulha num palheiro, mas só um helicóptero Guerreiro é capaz de identificar um submarino no fundo do mar, dificultando sua fuga - diz um piloto da aeronave.

O próprio Guerreiro é capaz de atacar, munido de torpedos e bombas. Os pilotos de helicópteros ainda recebem orientações do Centro de Operações de Combate (COC) do porta-aviões. Com radares e sensores de última geração, na sala iluminada apenas com a luz dos próprios aparelhos são compiladas as informações obtidas na parte externa do navio. Navios mercantes e pesqueiros que cruzam a rota do porta-aviões surgem nas telas de radar. Interrogadas em inglês por um oficial no passadiço, as embarcações são obrigadas a informar rota, bandeira do navio, carga, porto de origem e de destino. Para operadores do COC, os dias e as noites são iguais. Eles precisam ficar atentos ao menor sinal de um possível inimigo.

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Guardião: assessorado por um sonar que vasculha as profundezas do oceano, o SH-3, mais conhecido como Guerreiro, é capaz de identificar a presença de submarinos e dificultar a fuga deles.


Para entender o ambiente

Arremeter - É quando o avião não pousa, apenas toca o convés e levanta vôo novamente
Bombordo - Lado esquerdo do navio
Boreste - Lado direito do navio
Convés - É como um piso de um andar. O navio tem vários conveses
Convés de vôo (ou convôo) - Onde aviões e helicópteros operam
Passadiço - Lugar onde fica a parte de comando
Popa - Traseira de navio
Proa - Parte da frente, o bico

Só nove países têm esse tipo de navio

O Brasil é um dos três países que utilizam catapultas para a decolagem de aviões de ataque a bordo, sistema igual ao da frota naval dos Estados Unidos, a maior do mundo, e da França, o que permite lançar um jato mais pesado, com mais combustível e armamento. Em outros países, o avião decola na vertical.
Integrante de um seleto grupo de nove países dotados de porta-aviões, a Marinha do Brasil sofre com restrições orçamentárias. Um porta-aviões norte-americano, por exemplo, chega a ficar seis meses em alto-mar. Devido aos altos custos das operações, o São Paulo só faz viagens curtas.
- Uma semana não é o ideal. Mas, por questões financeiras, a Marinha está cada vez indo menos para o mar - reconhece Monteiro Dias.

Para entender a tripulação


Boi ralado - Carne moída
Cabo - corda
Faina - Tarefa que normamlmente requer trabalho braçal e leva algum tempo
Faxina do quarto d'alva - Limpeza ao amanhecer, que normalmente inclui a lavagem de piso e vidraças
Jacuba - Suco em pó, artificial
Largar ferro - Largar âncora
Macaquinho no cipó - Massa com carne moída
Pegar pau - Entrar de serviço (exemplo: "Pegar pau das 20h à meia-noite")
Rancho - Almoço
Tá na onça - Em dificuldade
Tá safo - Está ok, tudo certo
Volta ao rancho- Acaou o horário do almoço

O cozinheiro

O cheiro de fritura exala pela cozinha dos praças, conhecida como "caldeirão". Ali, são servidas mil refeições, quatro vezes ao dia. Cinco equipes comandadas pelo sargento paraense Marcos Vinicius de Lima, 35 anos, preparam os quitutes que vão alimentar a maior parte da tripulação do porta-aviões São Paulo. Há outras três cozinhas a bordo, para suboficias e oficiais.

- Aqui o pique é maior - reconhece Lima.

Uma caldeira funciona no compartimento situado logo abaixo da cozinha, elevando a temperatura do ambiente. Os exaustores e os ventiladores não amenizam o calor nem o forte odor de gordura. Durante as refeições, cerca de 700 quilos de bifes de carne ou frango chegam a ser fritos em chapas incandescentes. Com restrições orçamentárias, Dias se esforça para satisfazer a gula dos marujos. Uma massa à carbonara, além de ser refogada no bacon, é incrementada com um omelete feito com presunto e lingüiça. Tudo isso vira um prato único, mas saboroso.

- A gente depende do orçamento, mas tem de usar a criatividade - orgulha-se o sargento.

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Antes de servir no São Paulo, Lima já havia trabalhado como chefe de cozinha da corveta Acaboclo.

- Lá era uma maravilha, não chegava a cem pessoas. Aqui, mal terminou o almoço, já começamos a preparar o jantar - explica.


Veterano do Golfo treina pilotos

O norte-americano Curt Francis, 51 anos, suportou o medo dos combates durante a Guerra do Golfo. Há cinco anos, foi contratado pela Marinha brasileira para treinar os pilotos dos caças A-4 Skyhawk (Falcão), adquiridos do Kuwait. Francis contabiliza 5 mil horas de vôo, 75% delas pilotando o então caça top de linha norte-americano F-14 Tomcat. Na coalizão contra o Iraque, em 1991, participou de 35 missões a partir do Mar Vermelho. À noite, recostado no balcão do bar dos oficiais do São Paulo, relembrou os combates saboreando uma cerveja. Diz que se sentia um pássaro ao decolar do norte-americano USS Saratoga CV 60 com o caça F-14 e que arriscou a vida na guerra enfrentando as baterias anti-aéreas dos iraquianos.

- Nas primeiras quatro noites, eles lançaram vários mísseis em minha direção. A sorte é que não tinham muita precisão.

Além do USS Saratoga, ele já realizou pousos e decolagens em outros três gigantescos porta-aviões norte-americanos: America, Eisehower e Kennedy. Até outubro, pilotará o Falcão para a Marinha brasileira. Sua função é treinar quatro equipes de pilotos, que precisam estar no convés do São Paulo orientando o pouso das aeronaves. Às vezes, cansado, após uma missão, o piloto desvia do rumo na hora de pousar e precisa receber orientações precisas de um colega do navio numa fração de segundos. Francis prepara duas equipes de dois pilotos para executar essa tarefa. Com os jovens pilotos brasileiros, a comunicação é em inglês, mas não é problema.

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- Ele é uma voz tranqüila no rádio. Espero um dia ter essa experiência e ganhar a confiança que os pilotos depositam nele - diz o capitão-de-corveta, José Vicente Alvarenga Filho.


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Abraços

Enviado: Sáb Mar 13, 2004 1:08 pm
por Malandro
Acho uqe essa foi a mlhor reportagem que vi na mídia ! Eu me lembro a enxurrada de ótícias qd o Foch chegou aqui dizendo que o bicho era obsoleto e tal ... :roll: AMs gostei essa do Obeliz como mascote ! Tem tudo a ver !! :D

Enviado: Dom Mar 14, 2004 11:29 am
por Delta Dagger
Muito boa a matéria!!! :lol: :lol: :lol: