A Saga do 'Petrel 1'

Assuntos em discussão: Marinha do Brasil e marinhas estrangeiras, forças de superfície e submarinas, aviação naval e tecnologia naval.

Moderador: Conselho de Moderação

Mensagem
Autor
Avatar do usuário
P44
Sênior
Sênior
Mensagens: 55370
Registrado em: Ter Dez 07, 2004 6:34 am
Localização: O raio que vos parta
Agradeceu: 2783 vezes
Agradeceram: 2456 vezes

A Saga do 'Petrel 1'

#1 Mensagem por P44 » Sex Jul 07, 2006 7:52 am

(originalmente postado pelo nosso colega antoninho no FD...)

....

Por causa das recentes noticias do atraso da entrega dos NPO
achei por bem por esta noticia da revista da armada de fev./março de 2005, que demonstra a politica portuguesa da incompetência, em que os lesados somos nós todos.


O"Petrel 1 ", é actualmente, um dos navios mais importantes da frota
espanhola de patrulhas da Direccion General de Vigilancia Aduanera mas o que
poucos sabem é que era um navio especialmente construído para navio
oceanográfico pelos estaleiros navais do Alfeite e acabado nos Estaleiros Navais de S.
Jacinto para o serviço de investigação das nossas águas.
Embora a RM tenha escrito no passado alguns artigos sobre o "Raia" vamos hoje
fazer um resumo de como os portugueses, ditos de um país de marinheiros,
conseguiram por, opções polfticas, ou pouco sérias, alienar um navio tão importante para a
investigação dos recursos marítimos do nosso mar, atirando ao mesmo tempo fora
todos os capitais financeiros investidos na sua construção e na sua guarda durante
vários anos.
O navio oceanográfico começou a ser construído em princípios de 73 numa altura
em que antigo Ministério da Marinha dedicou mais atenção ao desenvolvimento das
pescas tendo projectado e começado também a construir, o novo edifício para o
Instituto de Biologia Marítima que se pensava funcionar em paralelo com um outro instituto
que promoveria, por exemplo, ensaios de técnicas de pesca e sua análise e onde
funcionaria um gabinete de estudos de pesca, etc., etc..
No projecto do navio oceanográfico interveio uma Comissão constituída por
engenheiros construtores navais dos quais me lembro do Comandante ECN Dores Pinto
e biólogos dos quais também me lembro do Dr. Vasco Valdez.
Depois do 25 de Abril o Ministério da Marinha desapareceu, a Marinha de Guerra
passou a depender do Ministério da Defesa e todas as outras áreas dependentes do MM
tais como a marinhas Mercante, de Pesca e de Recreio passaram a depender de outros
ministérios. A Marinha de Pesca passou a depender do Ministério da Agricultura e
Pescas e os organismos dependentes tiveram, naturalmente, modificações.
O armador do novo navio oceanográfico era Junta Nacional do Fomento das Pescas e
o futuro utilizador, o Instituto de Técnicas de Pesca, ambos desaparecidos e que foram
absorvidos pelo novo Instituto Nacional de Investigação das Pescas, INIP (ex-Instituto de
Biologia Marítima) e pelo IFADAP que se desinteressaram deste projecto. A esta
distância parece-nos incrível como estas entidades ditas responsáveis podem tomar
decisões deste tipo ou talvez não tomar qualquer decisão.
O Arsenal do Alfeite em 1977 suspendeu a construção do navio por falta de definição da
Secretaria de Estado das Pescas quanto ao futuro do navio. Só no princípio dos anos 80
é que o titular da pasta, Eng. Gonçalves Viana, deu luz verde e pagou as verbas em dívida ao
M (cerca de 60 mil contos o equivalente a cerca de 30 milhões de a de hoje). O navio foi
transferido para os Estaleiros Navais de S.Jacinto para acabamentos. Mas como
sempre a nossa política anda ao zig-zags. Os grandes objectivos não são seguidos
persistentemente pelos vários governos seja qual for o sector político a que pertencem A
maioria das vezes os projectos são cancelados para fazer de novo sem o mínimo
respeito pelas verbas já investidas.
Em 1988 o Arsenal do Alfeite apresenta ao Instituto Nacional de Investigação das
Pescas uma Memória Descritiva do projecto do navio para uma decisão final e ao qual
tivemos acesso, a nosso pedido, para efeitos deste artigo por especial deferência do actual
Administrador do M. O INIP, nessa altura, só tinha quadros para investigação biológica
das espécies, sua abundância e eventuais migrações. Não estava aparentemente
interessado na investigação expedita no melhoramento das técnicas de captura de
pesca com vista ao aumento de rendibilidade dos nossos navios de pesca comerciais.
Como fomos comandante de dois navios de investigação oceanográfica da Marinha,
facilmente nos apercebemos do valor do projecto do navio, já praticamente pronto, e
para o qual, pasme-se, já tinha sido adquirido todo material científico o que, muitas vezes,
torna difícil a sua entrada em funções como aconteceu recentemente aos navios
oceanográficos "D. Carlos " e "Gago Coutinho" .Note-se que o "Raia" não só
estava preparado para o melhoramento de técnicas de pesca como também para fazer
tudo que já fazia o "Noruega" do INIP e tinha características muito melhores de plataforma
oceânica que este navio. As características principais resumidas do "Raia" (entre parêntesis as do "Noruega") eram:
Comprimento ff -60,60 m (47,50); Comprimento pp -52,00 m (43,00); Boca -
12,00 m (10,30); Calado 4,65 m (4,30); Deslocamento: 1.680 t (930); Velocidade:
14,80 nós (14,00); Autonomia: 10 mil milhas em velocidade de cruzeiros (8.500). O "Raia"
dispunha de dois propulsores transversais,um à proa e outro a ré, para manobras de
precisão quando em estação oceanográfica ou para apoio às manobras de atracar e
largar do cais.. Finalmente a construção do costado, obras vivas e mortas, tinha sido
concebida para navegação em mares de gelo flutuante o que é vulgar em navios
oceanográficos e que torna a sua construção mais robusta. O navio dispunha ainda de
duas centrais de ar condicionado autónomas para todos os alojamentos, laboratórios,
ponte, refeitórios e parque de tratamento do pescado. Tinha ainda laboratórios de
biologia, físico/química, bacteriologia, de poluição e de tecnologia dos produtos
aquáticos, sala de desenho e câmara escura para fotografia e outras também
especializadas. A tripulação era constituída por um máximo de 27 elementos (tinha
alojamentos para tal) mas poderia ainda alojar mais 19 elementos entre cientistas, técnicos
e 4 alunos estagiários. O "Raia", como navio científico que viria a ser, foi estudado para
não ter vibrações ou ruídos, caracteristica que poderia vir a ser afinada pelo estaleiro
construtor após a sua entrada em operação.
Com o mesmo objectivo seriam instalados tanques para reduzir o balanço tal como no
"Almeida Carvalho" já que a colocação de robaletes parecia desaconselhada. Todo
material de construção e de equipan:lento seria de primeira qualidade e o Arsenal do
Alfeite tinha tradição de fazer obras novas de excelente qualidade como nos apercebemos
nas especificações da memória descritiva. O estudo geral da instalação dos equipamentos
de pesca e o seu fornecimento e assistência à montagem, estava a cargo da fábrica
Brissoneau e Lotz Marine, de Nantes, porto de reg isto de vários navios científicos
franceses e na altura cidade onde estava sediado um instituto semelhante ao INIP.
Todos os alojamentos estavam programados para minimizar o desconforto
de longas permanências no mar mas o capitão, o chefe de máquinas, o cientista
chefe e o armador tínham camarotes próprios com saiote e casa de banho privatívas.
Enfim um navio oceanográfico como nunca tívemos e dificilmente viremos a ter e
que atirámos fora com um desplante que nem os países ricos chegam a ter.
O Secretário de Estado das Pescas da altura, Carlos Pimenta, em 1985, a quem
perguntei o que se iria fazer do "Raia" ( sigla de Região-Atlântica-lbero-Africana) disse-me
que esperava o parecer dos peritos do Banco Mundial de quem se necessitava obter um
empréstimo para sua conclusão e operação,
mas, à partida, achava o navio muito grande para a investigação das nossas águas. É
claro que, quem pensava assim, era o novo Director do INIP que não queria contínuar as
obras do seu antecessor com o qual nunca se entendeu. Assim sendo, os peritos ao
sondarem as autoridades nacionais, "chumbaram" o projecto e na sequência a
hipótese de empréstimos, dando a entender, entre outras coisas, que Portugal não tínha
organização de intervenção no mar para utílizar em pleno a capacidade do "Raia".
E assim se foi o "Raia", vendido ao desbarato, de tal maneira que o preço da
sua venda não chegava por si só para
comprar um dos dois motores principais que o equipavam e que estavam novos, nem
sequer para pagar as indemnizações que os Estaleiros Navais de S. Jacinto pediam pelos
trabalhos efectuados e pela guarda do navio durante quase quatro anos.

O "RAIA" COMO NAVIO DE PESCA

O navio foi adquirido por uma empresa de pesca espanhola que o modificou para
trabalhar como arrastão congelador. Para isso mandou aumentá-Io com uma secção
central de 12 metros de comprimento para ter espaço para o transporte de pescado
modificando igualmente o arranjo geral dos alojamentos pois agora não seriam
necessários camarotes para cientistas ou camarotes triplos para alunos pescadores. A
sua silhueta foi substancialmente modificada.
O projecto de alterações foi feito em Espanha, as modificações foram feitas pela
Reptejo que utilizou a doca da Venamar na margem Sul do Tejo para acrescentar a
secção central do porão do peixe. Finalmente, os fabricos foram terminados na
doca do Tabaco onde o navio por um acidente, provavelmente provocado durante
estes fabricos finais, ardeu completamente.
O navio foi considerado como perda total construtiva pelas companhias de seguros.

O "RAIA" COMO PATRULHA ESPANHOL "PETREL 1"

Os restos do navio foram adquiridos por Espanha para o arsenal Rodman-Polyships
de Vigo que o transformou num navio patrulha para o Serviço de Vigilância
Aduaneira do Ministério de Economia e Finanças espanhol de acordo com as suas
especificações. O navio que tinha um nome de peixe passou a ter um nome pássaro,
"Petrel 1 ".
Foi bastante modificado, nomeadamente nas superstruturas, que passaram a ter uma
plataforma para aterragem de helicópteros por cima do parque de pesca que
desapareceu, uma ponte de navegação diferente (foi a terceira em 20 anos) assim
como alojamentos bem como calabouços para um máximo de 10 detidos.
A tripulação também foi modificada para os novos desígnios: um Capitão, um Chef& de
Máquinas, um Oficial de Radio/comunicaçães, quatro oficiais de marinha, cinco oficiais de
máquinas, um contramestre e sete agentes de polícia marítima. Em regime de contrato, sem
serem funcionários do Serviço de Vigilância Aduaneira, embarcam mais 4 elementos, um
enfermeiro, um cozinheiro e dois marinheiros mecânicos.
O regime de trabalho destes barcos é a tempo inteiro desde que larga para o mar até
que regressa ao porto e a duração das viagens de fiscalização oscila entre os 15 e os
45 dias, sendo a duração normal de 25 dias.
Findo o serviço, os tripulantes tem um período de descanso igual ao dobro do
tempo que estiveram a navegar. Como só tem duas tripulações operativas, admite-se
que haja umas paragens do navio entre viagens para reabastecimento, pequenas
reparações, pinturas etc..
O navio é utilizado principalmente para a realização de operaçÕes especiais em alto mar.
Os funcionários do Departamento Aduaneiro estão especializados para este
tipo de operações que envolvem por vezes Destacamentos de Segurança ou de
funcionários aduaneiros de outros países.
Finalmente o navio é também utilizado como Escola para novos funcionários em
simultâneo com as viagens de fiscalização.

DIREITO DE VISITA

Como o "Petrel 1 " é um navio para interceptar operaçÕes eventualmente ilícitas, necessita de
embarcaÇÕes rápidas para exercer o direito de visita e armamento portátil para o exercício da
autoridade e defesa pessoal.
Assim, dispÕe de duas embarcaçÕes semi-rígidas Duany Cormoram 730, de 7,30 m de comprimento
e uma FRDC da Maritime Partner,MP.1211 de 12,35 m de comprimento e 35 nós de velocidade.
O armamento portátil é constituído por duas metralhadoras Browning de 12,7 mm (.50), uma
metralhadora MG-42, calibre 7,62 mm, espingardas HK MP-5 e pistolas HK U8P compact.

CARAcTERÍsncAs PRINCIPAIS DO "PETREL 1 "

As características da motorização do de combustível, de 10.000 milhas para
"Petrel 1" são idênticas às do "Raia", dois 17.800. A boca e o pontal são iguais aos do
motores principais MWM TBD 500 6E com "Raia" mas o deslocamento passou de
uma potência total 3.500 c v a 500 rpm que 1524 t para 2450 t.
accionam, através de uma redutora Renk Os equipamentos de comunicação são
um hélice de pás reversíveis Shafran que se todos novos o que é natural porque em 20
admite que sejam de origem ou anos até o "Raia" já os teria substituído.
recondicionados pelos fabricantes. O navio Assim dispõe de equipamentos INMARSAT
tem o comprimento do "Raia" com mais 12 Standart B e C, equipamentos de
metros que Ihes foram acrescentados para comunicação por satélite Iridium e Standart
ser utilizado navio de pesca. Com este maior Mini-M, equipamentos de HF Sailor, Skanti e
comprimento a velocidade de cruzeiro Harris e ainda de equipamentos VHF de
passou de 12,0 nós para 13,6 nós e a banda marítima e privada, e também
autonomia, com mais espaço para tanques GMDSS.


Imagem
o RAIA, apodrecendo no Arsenal do Alfeite

Imagem
Incêndio em Lisboa

Imagem
o PETREL 1 na actualidade

Imagem


PARA QUE A MEMÓRIA NÃO DESAPAREÇA!

PARA QUE NOS LEMBREMOS DOS INCOMPETENTES QUE NOS GOVERNAM :!:




Triste sina ter nascido português 👎
Responder