essa materia saiu hoje no jornal O Estado de Sao Paulo.
Lamy quer 'regras de gestão coletiva' para a Amazônia
Candidato a presidir a OMC propõe que florestas tropicais sejam tratados como "bens públicos mundiais"
Jamil Chade
Correspondente
GENEBRA - O francês Pascal Lamy, ex-comissário de Comércio da União Européia e candidato a ocupar o posto de diretor da Organização Mundial do Comércio (OMC), abre mais uma polêmica sobre a gestão da Amazônia e das demais florestas tropicais no mundo. Segundo ele, haveria espaço para "regras de gestão coletiva" dessas áreas, insinuando que elas fossem tratadas como "bens públicos mundiais". Lamy, porém, não acredita que a questão da propriedade deve ser tocada.
Em conferência para diplomatas e especialistas na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra, o francês indagou sobre a possibilidade de as florestas tropicais serem incluídas na lista de "bens públicos mundiais". Ele questionou ainda se temas como a água, as rotas marítimas e a segurança dos mercados financeiros deveriam ou não ser colocados em tal lista. O objetivo de Lamy era demonstrar que a definição de bens públicos mundiais ainda não está clara, dificultando ainda mais a determinação de metas comuns para a humanidade.
Lamy, em sua palestra, insistiu em que a definição de objetivos comuns para o mundo é um dos pilares da questão da governança global. Os outros dois seriam a vontade política e as instituições para administrar essa governança.
Questionado por jornalistas após sua intervenção de mais de uma hora, Lamy esclareceu. "Se definirmos a floresta tropical como um bem público, então certas regras de gestão coletiva desse bem público seriam perfeitamente implementáveis, sem tocar na questão da propriedade", afirmou Lamy, que por anos foi o principal negociador da Europa e hoje concorre com o brasileiro Luis Felipe de Seixas Correa e mais dois candidatos ao posto máximo do comércio internacional.
Ele evita falar na internacionalização da Amazônia, tema que tanto irrita as autoridades sul-americanas. Mas aponta que podem haver regras coletivas para lidar com a questão das florestas tropicais. "Há uma série de obrigações em nossa sociedade e na economia que são obrigações coletivas e que não questionam o direito de propriedade. Isso é completamente realizável."
Sabendo o quanto o tema é sensível no Brasil, Lamy deixou claro que o mundo não deve pensar em propriedade. "Não temos de pensar em termos de apropriação. Isso não dá resultados formidáveis." Reconhece ainda que o status das florestas tropicais é uma "grande questão de controvérsia" e qualifica as áreas como tendo um "papel fenomenal".
Itamaraty e militares consideram proposta absurda
Ministério das Relações Exteriores vê questionamento à soberania; general cobra posição firme do governo
Denise Chrispim Marin
Tânia Monteiro
BRASÍLIA - O Ministério das Relações Exteriores e o Clube Militar rechaçaram a declaração do atual candidato da União Européia à direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o francês Pasqual Lamy, em favor da conversão da Amazônia em um dos "bens públicos mundiais". Para o Itamaraty, tal afirmação questiona a soberania do Brasil sobre seus recursos naturais e fere os acordos adotados na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92.
"A posição do Brasil é diametralmente oposta à afirmação do senhor Lamy. Repudiamos com veemência qualquer afirmação que relativize a soberania do Brasil sobre seus recursos naturais", informou Assessoria de Imprensa do Itamaraty. Segundo a assessoria, os Princípios do Rio e a Agenda 21, compromissos internacionais resultantes da conferência de 1992, definiram que a soberania dos países sobre seus recursos naturais é plena e não aceita nenhum tipo de qualificação.
O presidente do Clube Militar e ex-comandante Militar da Amazônia, general Luiz Gonzaga Shroeder Lessa, reagiu com indignação às declarações de Lamy. "Acho tais declarações da maior gravidade e entendo que isso deveria merecer uma resposta contundente do governo brasileiro, por meio do Itamaraty, pois a Amazônia é um patrimônio do povo brasileiro", afirmou.
Na opinião do presidente do Clube Militar, essa proposta é "absurda" e representa uma idéia clara que deve ser combatida - a de que a Amazônia é um patrimônio da humanidade. "Não é. É um patrimônio do povo brasileiro e somente nós podemos dizer como preservá-la", disse o general, ao rechaçar a sugestão de introdução de regras de gestão coletiva para a região. "Isso é inaceitável e temos de nos posicionar contra."
Declarações de autoridades estrangeiras sobre como conservar e proteger a Amazônia irritam os militares. Eles consideram tais observações intromissão indevida no País. Argumentam que essas teses partem dos que já destruíram suas florestas e agora querem ditar regras ao Brasil, "para preservar o pulmão do mundo".
ALENCAR
O vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, durante visita ao projeto soldado-cidadão, no 32 Grupo de Artilharia de Campanha, elogiou a atuação do Exército no Pará, para tentar coibir a violência na região, depois da morte da missionária norte-americana. "Essa missão devolve ao Brasil aquela autoridade de país que não transige com a impunidade", disse, durante o almoço, ao lado do comandante do Exército, general Francisco Albuquerque.
Nas conversas com os militares, o ministro da Defesa defendeu ainda a necessidade de proteção da Amazônia e de mais recursos não só para guardar as fronteiras, como também para formar mais soldados-cidadãos pelo País.