Comédia da vida militar.
Enviado: Ter Ago 07, 2012 11:37 am
COM STALIN NÃO TINHA CONVERSA.
extraído de JUKES, Geoffrey - A Defesa de Moscou, Rio de Janeiro, Editora Renes, 1975.marechal Georgy Konstantinovich Zhukov escreveu:
"Devo dizer que a prática da guerra mostrou sem sombra de dúvidas o quanto era necessário e útil os oficiais superiores e subalternos dedicarem tempo de trabalho com suas forças antes do início de um combate ou batalha. Isto tem de ser feito para ajudar os soldados a compreender melhor a situação e a organizar adequadamente as operações iminentes, mas quando estas começam e estão em andamento, os comandantes superiores e subalternos têm de estar em seus Q-Gs ou postos de comando e, dali, deverão comandar suas tropas.
Eram estas as idéias que nos orientavam no controle das nossas forças na Batalha de Moscou. Durante o período das operações defensivas, a grande extensão da Frente (mais de 590 km), as dificuldades e a grande tensão proveniente da situação impediam que um Comandante de Frente deixasse seu Q-G, onde todos os dados sobre as atividades do inimigo, sobre nossas forças e sobre as Frentes vizinhas eram concentrados a tempo; por ali também se mantinha contato ininterrupto com o Stavka [* o alto-comando político e militar da União Soviética] e o Estado-Maior-Geral.
Mas, não obstante, certa feita tive de deixar o Q-G, mesmo durante a batalha defensiva e ir até uma das divisões do 16º Exército. Eis o que aconteceu.
De algum modo, Stalin recebeu a informação de que nossas tropas haviam abandonado a cidade de Dedovsk, a noroeste de Nakhabino. A cidade ficava muito perto de Moscou e essa notícia inesperada, naturalmente, deixou-o bastante preocupado. Isto porque, já a 28 e 29 de novembro, a 9ª Divisão de Fuzileiros de Guardas (major-general A. P. Beloborodov) conseguira repelir repetidos e violentos ataques inimigos na área de Istra. Mas haviam decorrido vinte e quatro horas e ao que tudo indicava Dedovsk caíra em mãos nazistas.
Stalin chamou-me ao telefone: 'Você sabe que Dedovsk foi capturada?'
'Não, camarada Stalin, não sei.'
O Comandante Supremo não perdeu tempo em dizer o que achava da minha resposta e comentou irritado:
'Um comandante tem de saber o que está acontecendo na sua Frente', e ordenou-me que fosse àquela cidade imediatamente 'para organizar pessoalmente o contra-ataque e recuperar Dedovsk'. Respondi que deixar o Q-G da Frente enquanto a situação era tão tensa era uma atitude que deveria estar fora de cogitação, e tentei fugir à ordem.
'Não se incomode, daremos um jeito por aqui: deixe Sokolovsky em seu lugar por enquanto.'
Assim que desliguei o telefone, entrei em contato com o general Rokossovsky e exigi que me explicasse por que o Q-G da Frente não fora informado do abandono de Dedovsk. Logo se esclareceu ter havido um engano: a cidade de Dedovsk não fôra capturada pelos alemães, e, sim, provavelmente isto se dera com a aldeia de Dedovo, porque a 9ª Divisão de Fuzileiros de Guardas estava lutando violentamente na área de Khovanskoye-Dedovo-Snigiri a fim de impedir uma penetração inimiga ao longo da rodovia de Volokolamsk para Dedovsk e Nakhabino. E ali estava a razão da falsta notícia, e então telefonei ao Stavka e expliquei que tudo não passara de um equívoco. Mas vi-me malhando em ferro frio. Stalin irritou-se, insistiu que eu fosse ter com Rokossovsky imediatamente e agisse no sentido de recuperar a desgraçada aldeia, das mãos do inimigo, e até mesmo ordenou-me que levasse comigo o comandante do 5º Exército, general Govorov, 'Ele é artilheiro, deixe-o ajudar Rokossovsky a organizar a artilharia nos interesses do 16º Exército.'
Nessa situação, não adiantava argumentar; assim, telefonei ao general Govorov e informei-lhe da tarefa. Ele, com muita sensatez, tentou ponderar que não via necessidade para tal viagem, pois o 16º Exército tinha seu próprio chefe de artilharia, o major-general Kazakov e que, além disso, o próprio comandante de exército sabia o o que fazer e como fazê-lo. Assim, por que ele, Govorov, deveria abandonar seu próprio exército num momento tão crítico? Para pôr fim a esta discussão, fui obrigado a explicar ao general que se tratava de uma ordem de Stalin.
Fomos ter com Rokossovsky que nos acompanhou imediatamente até a divisão de Beloborodov. O comandante-de-divisão não se mostrou nada satisfeito em nos ver, pois estava com trabalho até o pescoço e agora, além de tudo, ainda tinha de dar explicações sobre apenas algumas casas situadas do lado oposto de uma ravina, na aldeia de Dedovo, que o inimigo capturara. Muito convincentemente, Beloborodov mostrou, em seu relatório da situação, que não havia razão tática para se recapturar aquelas casas do outro lado de uma profunda ravina, mas infelizmente não lhe pude dizer que, este caso específico, tinha de ser orientado por considerações não-táticas. Portanto, mandei que Beloborodov despachasse uma companhia de fuzileiros, com dois tanques, para expulsar o pelotão de alemães que se instalara nas casas, o que foi feito, creio, ao amanhecer de 1º de dezembro.
Soube mais tarde que enquanto se desenrolavam esses acontecimentos, eu estava sendo procurado freneticamente em todos os telefones, e como a linha de comunicações entre a divisão e o 16º Exército havia sido cortada por algum tempo, um oficial dos sinaleiros veio até a divisão de Beloborodov a minha procura. Apressei-me por entrar em contato com o general Sokolovsky e este avisou-me que Stalin já telefonara três vezes para o Q-G da Frente a fim de perguntar: 'Onde está Zhukov? Por que ele se afastou?' Parece que na manhã de 1º de dezembro, o inimigo iniciara uma ofensiva no setor do 33º Exército, onde até então reinara relativa calma.
Tendo Sokolovski e eu concordado com as providências a serem tomadas imediatamente para liquidar a nova ameaça, procurei entrar em contato com o Stavka e acabei conseguindo falar com Vasilevsky, que me disse ter Stalin ordenado meu retorno imediato ao Q-G da Frente. Enquanto eu cumpria a ordem, o Stavka decidiria quanto às reservas adicionais que ele nos poderia fornecer a fim de anular a penetração inimiga na direção de Aprelevka.
Ao retornar ao Q-G telefonei imediatamente para Moscou e, dessa vez, puseram-me em contato com Stalin. Informei-lhe que me familiarizara com a situação e lhe contei quais as providências que haviam sido ou estavam sendo tomadas para eliminar as unidades alemãs que tinham penetrado no centro da Frente. Stalin não mencionou a nossa conversa em relação a minha viagem na companhia de Govorov até o 16º Exército, nem os motivos por que nos mandara para lá. Só no fim do diálogo é que perguntou casualmente:
'Bem, como foi em Dedovsky?'
Respondi que a companhia de fuzileiros, apoiada por dois tanques, que tinha sido despachada para atacar, conseguira expulsar um pelotão de alemães da aldeia de Dedovo. Assim terminou uma das minhas ausências do Q-G da Frente durante a batalha defensiva às portas de Moscou."