Israel e os israelenses.
Enviado: Sáb Fev 11, 2012 5:18 pm
ISRAEL PRECISA DE GRANDES MOVIMENTOS.
Por Uri Avnery - 23 de janeiro de 2012.
"Israel não tem política externa, apenas uma política doméstica," observou, certa feita, Henry Kissinger.
Isto tem sido, mais ou menos, verdade para todo país desde o advento da democracia. Ainda assim, em Israel isto parece ainda mais autêntico. (Ironicamente, quase poderia ser dito que os Estados Unidos não tem política externa, apenas uma política doméstica israelense.)
De modo a entender nossa política externa, temos de nos olhar no espelho? Quem somos? Como é nossa sociedade?
Numa sátira clássica, bem conhecida de todo veterano israelense, dois árabes estão de pé, à beira mar, olhando um bote cheio de pioneiros judeus russos, remando na direção deles. "Que sua casa seja destruída!" Eles amaldiçoam.
A seguir, duas figuras, desta vez, pioneiros judeus russos, de pé, à beira mar, no mesmo ponto, lançam maldições russas contra um bote cheio de imigrantes judeus iemenitas.
A seguir, são dois judeus iemenitas amaldiçoando refugiados judeus alemães fugindo do nazismo. Então, dois judeus alemães amaldiçoando recém-chegados judeus marroquinos. Quando a sátira foi criada, esta era a última cena, mas agora, poderíamos acrescentar dois judeus marroquinos amaldiçoando judeus imigrantes da União Soviética, então, dois judeus russos amaldiçoando os últimos a chegar: judeus etíopes.
Isso pode valer para todo país de imigrantes, dos Estados Unidos até a Austrália. Cada nova onda de imigrantes é saudada com escárnio, desprezo e até mesmo hostilidade aberta daqueles que chegaram antes. Quando eu era criança no início dos anos 1930, eu freqüentemente ouvia gente gritando com meus pais, "Voltem para Hitler!"
Ainda assim, o mito dominante foi este do "caldeirão de culturas". Todos os imigrantes seriam jogados no mesmo caldeirão e limpos de todos os seus traços "estrangeiros", emergindo como uma nação uniforme sem quaisquer traços de suas origens.
Este mito morreu algumas décadas atrás. Israel é agora uma espécie de federação de vários grandes blocos demográfico-culturais que dominam nossa vida política e social.
Quem são eles?
(1) Os velhos Ashkenazim (judeus de origem européia);
(2) Os judeus orientais (ou Sefarditas);
(3) os religiosos (parte Ashkenazim; parte orientais);
(4) os "russos", imigrantes de todos os territórios da antiga União Soviética; e
(5) os cidadãos árabes-palestinos, que não vieram de lugar nenhum.
Isto, naturalmente, é uma esquematização. Nenhum destes blocos é completamente homogêneo. Cada bloco tem vários sub-blocos, alguns blocos se sobrepõem, há algum intercasamento, mas no todo, o quadro é acurado. Sexo não desempenha nenhum papel nesta divisão.
O cenário político quase exatamente espelha estas divisões. O Partido Trabalhista era, em seu apogeu, o principal instrumento do poder Ashkenazi. Seus remanescentes, hoje com o Kadima e o Meretz, ainda são Ashkenazi. O Yisrael Beiteinu de Avigdor Lieberman consiste principalmente de russos. Há três ou quatro partidos religiosos. Então, há dois partidos exclusivamente árabes, e o Partido Comunista, que é principalmente árabe, também. O Likud representa o grosso dos orientais, embora quase todos os seus líderes sejam Ashkenazim.
O relacionamento entre os blocos é, com freqüência, tenso. Bem agora, o país inteiro esteve em rebuliço porque, em Kiryat Malakhi, uma vila meridional com habitantes principalmente orientais, donos de casas assinaram um compromisso de não venderem apartamentos para etíopes, enquanto o rabino de Safed, uma vila setentrional de judeus principalmente ortodoxos, proibiu seu rebanho de alugar apartamentos para árabes.
Mas, além da rixa entre judeus e árabes, o problema principal é o ressentimento dos orientais, dos russos e dos religiosos contra o que eles chamam "a elite Ashkenazi".
Já que foram os primeiros a chegarem, muito antes do estabelecimento do estado, a os Ashkenazim controlam a maioria dos centros do poder - social, político, econômico, cultural, etc. Geralmente, eles pertencem à parte mais influente da sociedade, enquanto os orientais, os ortodoxos, os russos e os árabes, geralmente pertencem aos estratos sócio-econômicos mais baixos.
Os orientais tem profundos ressentimentos contra os Ashkenazim. Eles acreditam - não sem justificação - que tem sido humilhados e discriminados desde seu primeiro dia no país, e ainda são, embora um bom número deles tenham alcançado elevadas posições econômicas e políticas. Outro dia, um alto diretor de uma das mais importantes instituições financeiras causou um escândalo quando acusou os "brancos" (isto é, os Ashkenazim) de dominarem todos os bancos, as cortes e a mídia. Ele foi prontamente demitido, o que provocou outro escândalo.
O Likud chegou ao poder em 1977, destronando os Trabalhistas. Com curtas interrupções, ele tem estado no poder desde então. Ainda assim, a maioria dos membros do Likud ainda sente que o domínio dos Ashkenazim em Israel, os deixa para trás. Agora, 34 anos depois, a onda sombria da legislação antidemocrática pressionada pelos deputados do Likud está sendo justificada pelo lema, "Temos de começar a mandar!"
O cenário lembra-me um local edificado, envolvido por uma cerca de madeira. O sagaz construtor deixou alguns buracos na cerca, assim, os curiosos transeuntes podem dar uma olhada. Na nossa sociedade, todos os outros blocos sentem-se como transeuntes olhando pelos buracos, cheios de inveja pela elite Ashkenazi lá dentro, que tem todas as boas coisas. Eles odeiam tudo que eles ligam a esta "elite": a Suprema Corte, a mídia, as organizações de direitos humanos e, especialmente, o campo da paz. Todos estes são chamados de "esquerdistas", uma palavra, curiosamente o bastante, identificada com "elite".
Como a "paz" ficou associada com os dominantes e dominadores Ashkenazim?
Esta é uma das grandes tragédias de nosso país.
Judeus tem vivido por muitos séculos no mundo muçulmano. Aí eles nunca experimentaram as coisas terríveis cometidas na Europa pelo antisemitismo cristão. A animosidade judaico-muçulmana começou, apenas, há um século atrás, com o advento do sionismo, e por razões óbvias.
Quando os judeus dos países muçulmanos começaram a chegar em massa em Israel, eles estavam entranhados na cultura árabe. Mas aqui eles foram recebidos por uma sociedade que considerava tudo que fosse árabe com total desprezo. Sua cultura árabe era "primitiva", enquanto a verdadeira cultura era européia. E mais ainda, eles foram identificados com os mortíferos muçulmanos. Portanto, exigia-se que os imigrantes despissem suas próprias culturas e tradições, seus sotaques, suas memórias, suas músicas. De modo a demonstrar como totalmente israelenses eles tinham tornado-se, também tinham de odiar árabes.
Naturalmente, é um fenômeno mundial que em países multinacionais, a mais despossuída classe da nação dominante também seja a mais radical adversária nacionalista das nações minoritárias. O pertencimento à nação superior é, com freqüência, a única fonte de orgulho que resta a eles. O resultado é, com freqüência, racismo e xenofobia virulentos.
Esta é uma das razões por quê os orientais foram atraídos pelo Likud, para quem a rejeição da paz e o ódio aos árabes são virtudes supremas. Também, tendo estado na oposição por eras, o Likud foi visto como representando estes que estavam "de fora" enfrentando aqueles que estavam "por dentro." Este ainda é o caso.
O caso dos "russos" é diferente. Eles cresceram numa sociedade que desprezava a democracia, admirava líderes fortes. Os "brancos", russos e ucranianos, desprezavam e odiavam os povos "escuros" do sul - armênios, georgianos, tártaros, uzbeques e coisa e tal. (Eu, uma vez, inventei uma fórmula: "Bolchevismo menos Marxismo igual à Fascismo.")
Quando os judeus russos vieram se juntar a nós, eles trouxeram junto um virulento nacionalismo, um completo desinteresse em democracia, e um ódio automático por árabes. Eles não podem compreender por quê permitimos a estes ficarem aqui, afinal de contas. Quando, nesta semana, uma senhora deputada (embora "senhora" possa ser um eufemismo) de São Petersburgo, despejou uma jarra de água na cabeça de um deputado árabe do Partido Trabalhista, ninguém ficou muito surpreso. (Alguém brincou: "Um árabe bom é um árabe molhado"). Para os seguidores de Lieberman, "paz" é um palavrão, como também é "democracia".
Para a gente religiosa de todos os matizes - dos ultra-ortodoxos aos colonos nacional-religiosos, não há problema algum, afinal de contas. Desde o berço, eles aprendem que os judeus são o Povo Escolhido; que o Todo-Poderoso, pessoalmente, prometeu-nos esta terra; que os goyim - incluindo os árabes - são apenas, seres humanos inferiores.
Pode ser dito, muito justamente, que eu estou generalizando. Estou mesmo, apenas para simplificar o assunto. Há, na verdade, um bocado de orientais, em especial entre a geração mais jovem, que são repelidos pelo ultranacionalismo do Likud, e mais ainda pelo neoliberalismo de Benjamin Netanyahu (que Shimon Peres uma vez chamou de "capitalismo suíno") que está em direta contradição com os interesses básicos de suas comunidades. Há também um bocado de gente religiosa amante da paz, liberais e decentes. (Yeshayahu Leibovitz vem logo à mente.) Alguns russos estão, gradualmente, saindo de seu auto-imposto ghetto. Mas estas são pequenas minorias em suas comunidades. O grosso dos três blocos - oriental, russo e religioso - está unido em sua oposição à paz e, no melhor dos casos, sua indiferença para a democracia.
Todos estes juntos constituem a coalizão de direita, antipaz que agora está governando Israel. O problema não é apenas uma questão de política. Ele é muito mais profundo - e muito mais assustador.
Algumas pessoas culpam-nos, o movimento democrático pela paz, por não reconhecer o problema cedo o bastante e não fazer o bastante para atrair os membros dos vários blocos para os ideais da paz e democracia. Também, é dito, nós não demonstramos que a justiça social é inseparavelmente conectada com democracia e paz.
Eu devo aceitar minha parcela da culpa por este fracasso, embora eu possa apontar que tentei fazer a conexão desde o início. Eu solicitei aos meus amigos que concentrássemos nossos esforços na comunidade oriental, lembrando-a das glórias da "idade de ouro" judaico-muçulmana na Espanha e o enorme impacto mútuo de judeus e muçulmanos, cientistas, poetas e pensadores religiosos, através das eras.
Uns poucos dias atrás, fui convidado a dar uma palestra para os estudantes da Universidade Ben-Gurion em Beersheba. Eu descrevi a situação mais ou menos ao longa das mesmas linhas. A primeira questão da grande audiência, que consistia de judeus (tanto orientais quanto Ashkenazim) e árabes (especialmente beduínos), foi: "Então, qual a esperança resta aqui? Confrontados com esta realidade, como as forças da paz podem vencer?"
Eu disse a eles que coloco minha fé na nova geração. O movimento de protesto social do último verão, que irrompeu muito subitamente agrupando centenas de milhares, mostrou que, sim, isso pode acontecer aqui. O movimento unificou Ashkenazim e orientais. Cidades de lona surgiram em Tel Aviv e Beersheba, por toda a parte.
Nosso primeiro trabalho é romper as barreiras entre os blocos, mudar a realidade, criar uma nova sociedade israelense. Nós precisamos de grandes movimentações.
Sim, é um trabalho assustador. Mas eu creio que pode ser feito.
Por Uri Avnery - 23 de janeiro de 2012.
"Israel não tem política externa, apenas uma política doméstica," observou, certa feita, Henry Kissinger.
Isto tem sido, mais ou menos, verdade para todo país desde o advento da democracia. Ainda assim, em Israel isto parece ainda mais autêntico. (Ironicamente, quase poderia ser dito que os Estados Unidos não tem política externa, apenas uma política doméstica israelense.)
De modo a entender nossa política externa, temos de nos olhar no espelho? Quem somos? Como é nossa sociedade?
Numa sátira clássica, bem conhecida de todo veterano israelense, dois árabes estão de pé, à beira mar, olhando um bote cheio de pioneiros judeus russos, remando na direção deles. "Que sua casa seja destruída!" Eles amaldiçoam.
A seguir, duas figuras, desta vez, pioneiros judeus russos, de pé, à beira mar, no mesmo ponto, lançam maldições russas contra um bote cheio de imigrantes judeus iemenitas.
A seguir, são dois judeus iemenitas amaldiçoando refugiados judeus alemães fugindo do nazismo. Então, dois judeus alemães amaldiçoando recém-chegados judeus marroquinos. Quando a sátira foi criada, esta era a última cena, mas agora, poderíamos acrescentar dois judeus marroquinos amaldiçoando judeus imigrantes da União Soviética, então, dois judeus russos amaldiçoando os últimos a chegar: judeus etíopes.
Isso pode valer para todo país de imigrantes, dos Estados Unidos até a Austrália. Cada nova onda de imigrantes é saudada com escárnio, desprezo e até mesmo hostilidade aberta daqueles que chegaram antes. Quando eu era criança no início dos anos 1930, eu freqüentemente ouvia gente gritando com meus pais, "Voltem para Hitler!"
Ainda assim, o mito dominante foi este do "caldeirão de culturas". Todos os imigrantes seriam jogados no mesmo caldeirão e limpos de todos os seus traços "estrangeiros", emergindo como uma nação uniforme sem quaisquer traços de suas origens.
Este mito morreu algumas décadas atrás. Israel é agora uma espécie de federação de vários grandes blocos demográfico-culturais que dominam nossa vida política e social.
Quem são eles?
(1) Os velhos Ashkenazim (judeus de origem européia);
(2) Os judeus orientais (ou Sefarditas);
(3) os religiosos (parte Ashkenazim; parte orientais);
(4) os "russos", imigrantes de todos os territórios da antiga União Soviética; e
(5) os cidadãos árabes-palestinos, que não vieram de lugar nenhum.
Isto, naturalmente, é uma esquematização. Nenhum destes blocos é completamente homogêneo. Cada bloco tem vários sub-blocos, alguns blocos se sobrepõem, há algum intercasamento, mas no todo, o quadro é acurado. Sexo não desempenha nenhum papel nesta divisão.
O cenário político quase exatamente espelha estas divisões. O Partido Trabalhista era, em seu apogeu, o principal instrumento do poder Ashkenazi. Seus remanescentes, hoje com o Kadima e o Meretz, ainda são Ashkenazi. O Yisrael Beiteinu de Avigdor Lieberman consiste principalmente de russos. Há três ou quatro partidos religiosos. Então, há dois partidos exclusivamente árabes, e o Partido Comunista, que é principalmente árabe, também. O Likud representa o grosso dos orientais, embora quase todos os seus líderes sejam Ashkenazim.
O relacionamento entre os blocos é, com freqüência, tenso. Bem agora, o país inteiro esteve em rebuliço porque, em Kiryat Malakhi, uma vila meridional com habitantes principalmente orientais, donos de casas assinaram um compromisso de não venderem apartamentos para etíopes, enquanto o rabino de Safed, uma vila setentrional de judeus principalmente ortodoxos, proibiu seu rebanho de alugar apartamentos para árabes.
Mas, além da rixa entre judeus e árabes, o problema principal é o ressentimento dos orientais, dos russos e dos religiosos contra o que eles chamam "a elite Ashkenazi".
Já que foram os primeiros a chegarem, muito antes do estabelecimento do estado, a os Ashkenazim controlam a maioria dos centros do poder - social, político, econômico, cultural, etc. Geralmente, eles pertencem à parte mais influente da sociedade, enquanto os orientais, os ortodoxos, os russos e os árabes, geralmente pertencem aos estratos sócio-econômicos mais baixos.
Os orientais tem profundos ressentimentos contra os Ashkenazim. Eles acreditam - não sem justificação - que tem sido humilhados e discriminados desde seu primeiro dia no país, e ainda são, embora um bom número deles tenham alcançado elevadas posições econômicas e políticas. Outro dia, um alto diretor de uma das mais importantes instituições financeiras causou um escândalo quando acusou os "brancos" (isto é, os Ashkenazim) de dominarem todos os bancos, as cortes e a mídia. Ele foi prontamente demitido, o que provocou outro escândalo.
O Likud chegou ao poder em 1977, destronando os Trabalhistas. Com curtas interrupções, ele tem estado no poder desde então. Ainda assim, a maioria dos membros do Likud ainda sente que o domínio dos Ashkenazim em Israel, os deixa para trás. Agora, 34 anos depois, a onda sombria da legislação antidemocrática pressionada pelos deputados do Likud está sendo justificada pelo lema, "Temos de começar a mandar!"
O cenário lembra-me um local edificado, envolvido por uma cerca de madeira. O sagaz construtor deixou alguns buracos na cerca, assim, os curiosos transeuntes podem dar uma olhada. Na nossa sociedade, todos os outros blocos sentem-se como transeuntes olhando pelos buracos, cheios de inveja pela elite Ashkenazi lá dentro, que tem todas as boas coisas. Eles odeiam tudo que eles ligam a esta "elite": a Suprema Corte, a mídia, as organizações de direitos humanos e, especialmente, o campo da paz. Todos estes são chamados de "esquerdistas", uma palavra, curiosamente o bastante, identificada com "elite".
Como a "paz" ficou associada com os dominantes e dominadores Ashkenazim?
Esta é uma das grandes tragédias de nosso país.
Judeus tem vivido por muitos séculos no mundo muçulmano. Aí eles nunca experimentaram as coisas terríveis cometidas na Europa pelo antisemitismo cristão. A animosidade judaico-muçulmana começou, apenas, há um século atrás, com o advento do sionismo, e por razões óbvias.
Quando os judeus dos países muçulmanos começaram a chegar em massa em Israel, eles estavam entranhados na cultura árabe. Mas aqui eles foram recebidos por uma sociedade que considerava tudo que fosse árabe com total desprezo. Sua cultura árabe era "primitiva", enquanto a verdadeira cultura era européia. E mais ainda, eles foram identificados com os mortíferos muçulmanos. Portanto, exigia-se que os imigrantes despissem suas próprias culturas e tradições, seus sotaques, suas memórias, suas músicas. De modo a demonstrar como totalmente israelenses eles tinham tornado-se, também tinham de odiar árabes.
Naturalmente, é um fenômeno mundial que em países multinacionais, a mais despossuída classe da nação dominante também seja a mais radical adversária nacionalista das nações minoritárias. O pertencimento à nação superior é, com freqüência, a única fonte de orgulho que resta a eles. O resultado é, com freqüência, racismo e xenofobia virulentos.
Esta é uma das razões por quê os orientais foram atraídos pelo Likud, para quem a rejeição da paz e o ódio aos árabes são virtudes supremas. Também, tendo estado na oposição por eras, o Likud foi visto como representando estes que estavam "de fora" enfrentando aqueles que estavam "por dentro." Este ainda é o caso.
O caso dos "russos" é diferente. Eles cresceram numa sociedade que desprezava a democracia, admirava líderes fortes. Os "brancos", russos e ucranianos, desprezavam e odiavam os povos "escuros" do sul - armênios, georgianos, tártaros, uzbeques e coisa e tal. (Eu, uma vez, inventei uma fórmula: "Bolchevismo menos Marxismo igual à Fascismo.")
Quando os judeus russos vieram se juntar a nós, eles trouxeram junto um virulento nacionalismo, um completo desinteresse em democracia, e um ódio automático por árabes. Eles não podem compreender por quê permitimos a estes ficarem aqui, afinal de contas. Quando, nesta semana, uma senhora deputada (embora "senhora" possa ser um eufemismo) de São Petersburgo, despejou uma jarra de água na cabeça de um deputado árabe do Partido Trabalhista, ninguém ficou muito surpreso. (Alguém brincou: "Um árabe bom é um árabe molhado"). Para os seguidores de Lieberman, "paz" é um palavrão, como também é "democracia".
Para a gente religiosa de todos os matizes - dos ultra-ortodoxos aos colonos nacional-religiosos, não há problema algum, afinal de contas. Desde o berço, eles aprendem que os judeus são o Povo Escolhido; que o Todo-Poderoso, pessoalmente, prometeu-nos esta terra; que os goyim - incluindo os árabes - são apenas, seres humanos inferiores.
Pode ser dito, muito justamente, que eu estou generalizando. Estou mesmo, apenas para simplificar o assunto. Há, na verdade, um bocado de orientais, em especial entre a geração mais jovem, que são repelidos pelo ultranacionalismo do Likud, e mais ainda pelo neoliberalismo de Benjamin Netanyahu (que Shimon Peres uma vez chamou de "capitalismo suíno") que está em direta contradição com os interesses básicos de suas comunidades. Há também um bocado de gente religiosa amante da paz, liberais e decentes. (Yeshayahu Leibovitz vem logo à mente.) Alguns russos estão, gradualmente, saindo de seu auto-imposto ghetto. Mas estas são pequenas minorias em suas comunidades. O grosso dos três blocos - oriental, russo e religioso - está unido em sua oposição à paz e, no melhor dos casos, sua indiferença para a democracia.
Todos estes juntos constituem a coalizão de direita, antipaz que agora está governando Israel. O problema não é apenas uma questão de política. Ele é muito mais profundo - e muito mais assustador.
Algumas pessoas culpam-nos, o movimento democrático pela paz, por não reconhecer o problema cedo o bastante e não fazer o bastante para atrair os membros dos vários blocos para os ideais da paz e democracia. Também, é dito, nós não demonstramos que a justiça social é inseparavelmente conectada com democracia e paz.
Eu devo aceitar minha parcela da culpa por este fracasso, embora eu possa apontar que tentei fazer a conexão desde o início. Eu solicitei aos meus amigos que concentrássemos nossos esforços na comunidade oriental, lembrando-a das glórias da "idade de ouro" judaico-muçulmana na Espanha e o enorme impacto mútuo de judeus e muçulmanos, cientistas, poetas e pensadores religiosos, através das eras.
Uns poucos dias atrás, fui convidado a dar uma palestra para os estudantes da Universidade Ben-Gurion em Beersheba. Eu descrevi a situação mais ou menos ao longa das mesmas linhas. A primeira questão da grande audiência, que consistia de judeus (tanto orientais quanto Ashkenazim) e árabes (especialmente beduínos), foi: "Então, qual a esperança resta aqui? Confrontados com esta realidade, como as forças da paz podem vencer?"
Eu disse a eles que coloco minha fé na nova geração. O movimento de protesto social do último verão, que irrompeu muito subitamente agrupando centenas de milhares, mostrou que, sim, isso pode acontecer aqui. O movimento unificou Ashkenazim e orientais. Cidades de lona surgiram em Tel Aviv e Beersheba, por toda a parte.
Nosso primeiro trabalho é romper as barreiras entre os blocos, mudar a realidade, criar uma nova sociedade israelense. Nós precisamos de grandes movimentações.
Sim, é um trabalho assustador. Mas eu creio que pode ser feito.