Chegada dos A350 à TAP vai mesmo ser adiada por um ano
Raquel de Almeida Correia
13/06/2015 - 07:19
Consórcio que ganhou privatização promete 53 novos aviões, mas preferiu suspender temporariamente a entrega dos Airbus de maior porte e que são considerados estratégicos.
A chegada dos 12 aviões A350 que a TAP encomendou à Airbus, e que previa receber a partir de 2017, vai mesmo ser adiada, já que o consórcio que ganhou a privatização da companhia inscreveu na proposta que apresentou ao Governo a suspensão por um ano da entrega destes equipamentos. A decisão, que a própria administração da transportadora aérea já tinha defendido, deve-se ao facto de ser difícil garantir, neste momento, que haverá uma taxa de ocupação que justifique a sua vinda já dentro de ano e meio. Além disso, quanto mais perto da data, mais elevados são os pagamentos a efectuar à fabricante europeia.
O PÚBLICO sabe que os vencedores da corrida à TAP, David Neeleman (dono da companhia de aviação brasileira Azul) e Humberto Pedrosa (dono do grupo português Barraqueiro), sempre tiveram a intenção de pedir este adiamento, tendo mantido a intenção na proposta final que apresentaram a 5 de Junho e que sairia vencedora do processo, numa decisão tomada na quinta-feira em Conselho de Ministros. Em troca, apresentam um plano de negócios que prevê a chegada de 53 novos aviões mais pequenos, já a partir de 2017.
Dos novos equipamentos, todos Airbus Neo (a nova geração de aviões que tem como principal vantagem a eficiência e consequente redução da factura com combustível), a maioria são A320 e A319. Quando a TAP encomendou os A350, com um calendário inicial que apontava a sua entrega para 2015 que não foi cumprido por atrasos da fabricante europeia, a ideia também era reduzir custos, mas principalmente permitir à transportadora aérea outros voos, nomeadamente ligações a destinos aonde ainda não chega, como a China.
Apesar de serem considerados estratégicos por isso, a própria administração da companhia já tinha proposto a suspensão temporária da encomenda. O adiamento já estava, aliás, previsto no plano de negócios que foi apresentado aos investidores no início deste ano. No entanto, quando o Governo instou a equipa liderada por Fernando Pinto a apresentar um plano de ajustamento para dar resposta aos prejuízos de 35 milhões de euros provocados pela greve dos pilotos, o gestor brasileiro respondeu com uma dilatação ainda maior dos prazos, apontando a entrega dos primeiros A350 para 2018.
A ideia acabou por ser chumbada, já que implicava alterações substanciais na estratégia que tinha sido apresentada aos investidores, o que poderia dar lugar a contestação. Alguns dos potenciais candidatos que não chegaram a apresentar ofertas para comprar a TAP poderiam argumentar que o plano de negócios tinha sofrido alterações de tal ordem que deveria haver uma nova ronda para entrega de propostas. Mas o adiamento acabará, afinal, por se concretizar, ao constar nos planos do novo dono da empresa.
Corte de custos aprofundado
O tal plano de ajustamento que a companhia teve de desenhar para retirar a pressão que a greve de dez dias tinha causado à tesouraria nunca chegou a ser apresentado publicamente. Depois de sucessivos adiamentos na sua divulgação, o Governo veio explicar que tinha decidido só anunciar as medidas definidas em conjunto com a administração da TAP depois de decidido o vencedor da privatização. Porém, o PÚBLICO sabe que não houve consenso em algumas matérias, e não apenas na questão do adiamento dos A350.
O tema mais sensível diz respeito às consequências que esta "reestruturação" vai ter para os trabalhadores. O executivo foi garantindo que não haverá despedimentos decorrentes deste ajustamento, mas é inevitável que a transportadora venha a reduzir o quadro de pessoal, seja por via de rescisões amigáveis ou de pré-reformas, já que uma das medidas em cima da mesa é a redução de rotas e, logo, de equipas. Só não se sabe ainda como se irá conciliar esta realidade com o discurso político.
De qualquer forma, o plano que esteve em cima da mesa há cerca de duas semanas já não será o mesmo. Nesta sexta-feira, o secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, explicou num encontro com jornalistas que as medidas que foram apresentadas pela TAP "têm agora de ser ajustadas para que o Estado receba mais dinheiro" pela venda da empresa. O governante referia-se ao facto de, além dos 10 milhões de euros a pagar por 61% das acções, haver uma fatia de 140 milhões pelos restantes 34% que só entrará nos cofres públicos se a companhia tiver um bom desempenho este ano.
Tal como o PÚBLICO noticiou na quinta-feira, a transportadora aérea terá de atingir um resultado operacional ajustado superior a 250 milhões de euros este ano para que Neeleman e de Pedrosa paguem este extra. E, para atingir esse patamar, será preciso assegurar novos cortes de custos e aumentos de receitas. Destes 140 milhões, apenas seis milhões estão garantidos caso o consórcio compre os 34% que vão permanecer na esfera do Estado. Os restantes 134 milhões sofrem descontos em função da diferença entre os 250 milhões previstos e o resultado operacional que a empresa gerar em 2015. Além disso, há 90 milhões que só se concretizam se houver uma dispersão do capital em bolsa nos primeiros quatro anos.
Além dos 150 milhões para pagar a compra das acções (os 10 milhões no imediato e os 140 milhões dependentes do desempenho da empresa e da operação em bolsa), Neeleman e Pedrosa entregarão ainda 338 milhões de euros para capitalizar a empresa. Deste valor, 269 milhões entram nos cofres da companhia assim que o negócio estiver fechado (ou seja, quando as acções forem transferidas do Estado para o consórcio) e o restante chegará até ao final de 2016, repartido em quatro tranches.
Privados pediam indemnização
O valor oferecido pelos vencedores da privatização foi o tema central do debate desta sexta-feira no Parlamento, com todos os partidos da oposição a criticarem o Governo por ter vendido 61% do capital por 10 milhões de euros. Mas foi da boca de um deputado do PS, Rui Paulo Figueiredo, que veio a comparação com a transferência futebolística do momento: "É uma vergonha vender a TAP por metade de Jorge Jesus".
Horas mais tarde, no encontro com os jornalistas, o secretário de Estado dos Transportes adiantou que, fruto das ameaças do PS (que continua a garantir que irá reverter o negócio, se chegar ao Governo na sequência das eleições agendadas para o Outono), os privados pediram que o contrato previsse uma indemnização caso tal acontecesse. Sérgio Monteiro garantiu que o Estado não aceitou essa exigência.
Mas há ainda outros obstáculos por ultrapassar que não apenas os relacionados com a contestação política. O candidato preterido pelo executivo, Germán Efromovich, vai pedir acesso a toda a documentação da proposta vencedora para decidir se contesta a decisão tomada na quinta-feira. Um dos assuntos mais sensíveis continua a ser o do cumprimento das regras da União Europeia, que impedem que investidores não-europeus controlem companhias de aviação do espaço comunitário.
Neeleman, que é norte-americano, ficou com 49% do consórcio que ganhou a corrida à TAP, atribuindo 51% a Pedrosa, embora se saiba que o primeiro é o cérebro da operação. O Governo diz estar tranquilo em relação às aprovações que têm de ser dadas por Bruxelas, já que o dono da Azul abdicou de direitos de veto sobre decisões estratégicas e nomeará menos administradores do que Pedrosa para a comissão executiva da transportadora aérea, a nomear depois de formalizada a compra.
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