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Memória e defesa

Enviado: Qui Mar 17, 2011 11:15 am
por M-16
Memória e defesa

Jornal do Brasil
Sérgio Paulo Muniz Costa


Quando, por volta da uma hora da tarde do dia 20 de fevereiro de 1827, o Marquês de Barbacena, comandante brasileiro do Exército do Sul, rompeu contato com o inimigo mais numeroso que combatia desde o amanhecer, foi selado o destino da guerra mais perigosa para a integridade territorial do Brasil. Se tivesse passado à história como Guerra do Prata, e não como Guerra da Cisplatina, talvez o conflito fosse melhor compreendido. A façanha do Brasil em garantir no alvorecer de sua existência soberana as fronteiras sulinas e desmontar o sonho buenairense de reconstituir seu Vice-Reinado acabou menosprezada. Uma infinita paciência diplomática com egos vizinhos (e não há opção) e a preservação da memória da Batalha de Passo do Rosário pela Arma de Cavalaria, superada numericamente na jornada que foi salva pela infantaria e a circunstância de terem sido em boa parte baianos e pernambucanos que impediram o desastre que resultaria na perda do Rio Grande do Sul, não contribuíram para a memória desse feito de armas. Foi mais cômodo esquecê-lo.

Mas outros não esqueceram e, diante de nosso “esquecimento”, apressaram-se em nos subestimar, o que contribuiu para conflitos armados no século 19 e tensões até poucas décadas atrás, hoje felizmente esvaziadas.

Não seria a única vez que rivalidades, ideologias ou política distorceriam nossa História. Entretanto, o olhar crítico sobre o primeiro conflito externo do Brasil ilumina a relação entre história e dissuasão. No final do Primeiro Reinado, a interpretação negativa da guerra no quadro da deterioração política interna encolheu geopoliticamente o Brasil. Somente 25 anos depois, com a participação brasileira na Batalha de Monte Caseros (3 de fevereiro de 1852) - decisiva para a deposição do ditador Juan Manoel Rosas e a primeira constituição da futura Argentina – a memória de Passo do Rosário seria resgatada pela obra de Ladislau dos Santos Titara – Memórias do grande exército aliado libertador do Sul da América.

Lamentável é que, desde então, somente uma personalidade de destaque no cenário nacional tenha se empenhado no resgate da memória dos feitos militares brasileiros. Partícipe da única e verdadeira reforma militar realizada no país (Reforma Hermes), o Barão do Rio Branco sabia que era vital para a diplomacia brasileira naquele início de século 20 um aparato militar crível sustentado não somente pela proficiência bélica mas também por uma correspondente tradição de vitórias, honra e serviço incondicional à pátria. Ele sabia que não há defesa sem memória.

Mas é consternador verificar que, passado um século, tendo atingido sofisticada condição político-administrativa, o Estado brasileiro não consiga aumentar a capacidade operacional das Forças Armadas, a qual, pelo contrário, deteriora-se ano após ano. A criação do Ministério da Defesa e a alardeada reestruturação do setor produziram até agora mais crises do que resultados, particularmente nos dois últimos mandatos presidenciais em que a picuinha foi substituída pela obsessão de enquadrar os militares e anulá-los nas suas prerrogativas constitucionais e institucionais, no ritmo de notória partidarização política da pasta.

Porém, é simplesmente incrível que o Ministério da Defesa se associe - como reiterou através de nota oficial – à iniciativa de julgar de forma discricionária e unilateral a ação das Forças Armadas no combate à guerrilha treinada, financiada e orientada por potências estrangeiras no contexto de um conflito global, outro “esquecimento” de verdades cruas de mais um campo de batalha onde se defendeu a soberania brasileira.

Diante da perda da Memória pela Defesa, só resta aos militares restabelecer pelo conhecimento a verdade sobre a guerra que devem vencer de novo pela História do Brasil. Não há mais estadistas.

*Sérgio Paulo Muniz Costa, historiador, foi delegado do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, órgão de assessoria da OEA para assuntos de segurança hemisférica.

http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/n ... -e-defesa/

Re: Memória e defesa

Enviado: Qui Mar 17, 2011 12:10 pm
por suntsé
Seja bem vindo ao Forum!

Brilhante texto prezado colega.

Re: Memória e defesa

Enviado: Qui Mar 17, 2011 2:50 pm
por delmar
A batalha do Passo do Rosário foi uma sucessão de erros do comandante brasileiro, o Marques de Barbacena. O principal foi dividir suas tropas, no dia da batalha o melhor da cavalaria brasileira não estava no local e não participou do combate. Outra coisa, a base da infantaria imperial era composta de mercenários europeus e não baianos e pernambucanos. Nada contra os baianos, principalmente, que sempre foram valorosos soldados de infantaria em todas guerras travadas aqui no sul, mas no presente caso D. Pedro havia contratado um exército de mercenários. Foram eles que mantiveram a formação e repeliram os ataques da cavalaria Argentina, retirando-se em ordem. Afinal naquela hora eles estavam lutando pela própria vida e, se abrissem a formação, seriam massacrados.
O local da batalha pode ser visitado, fica logo ao lado da rodovia que liga Porto Alegre a Uruguaiana, logo depois de São Gabriel. Há um monumento no local, dedicado aos soldados de ambos os lados que ali tombaram naquele dia.

Re: Memória e defesa

Enviado: Qui Mar 17, 2011 6:27 pm
por Tupi
Bem vindo M-16.
Obrigado por nos presenear com este texto.

Re: Memória e defesa

Enviado: Seg Mar 21, 2011 3:17 pm
por M-16
suntsé escreveu:Seja bem vindo ao Forum!

Brilhante texto prezado colega.
Tupi escreveu:Bem vindo M-16.
Obrigado por nos presenear com este texto.
Obrigado, suntsé e Tupi.