Sei que muitos tem muito o que contar
Começando:
Estória retirada do site ABRA-PC
Várias estórias de todas as épocas são encontradas nesse maravilhoso site:ENGOLIDO POR CUMULUS NIMBUS (CB) EM PARATY
(Estória 75-2)
Certo fim de tarde, início de noite, na BASC (Santa Cruz). Minha função era de chefe da SCOAM (Seção de Controle de Operações Militares) e estávamos na véspera de uma manobra “SACI” com a Brigada Paraquedista do EB (Exército Brasileiro), sendo o assalto aeroterrestre planejado para a área de Resende, no Vale do Paraíba.
A previsão meteorológica não era nada boa. Chuva forte à noite e teto baixo na manhã seguinte. Nada bom para se fazer ataques de apoio aéreo aproximado e lançamento de PQD (paraquedistas).
Peguei meu “Jeep” funcional com o Gustavo (Guga), então um guri de oito anos, que vivia “grudado” comigo quando o assunto era operacional, e fui para o acampamento dos PQD, próximo à cabeceira da pista 04, falar com o general comandante da brigada.
Dei as “más novas” e após os devidos brifins e acertos, saí com o general a conversar pelo pátio de cheque-final e vimos um enorme CB (cumulus nimbus) lá pela área de Paraty – Angra.
Temendo que ele viesse para a BASC, falei com o OPO (Oficial de Permanência Operacional) de serviço e perguntei quantas aeronaves tínhamos voando. Ele me disse que umas seis e que já estariam sendo recolhidas.
Vimos mesmo uns cinco F-5E pousando quando me chamaram no rádio. O “THOR” (Controle de Defesa Aérea, em Brasília) acabara de informar que perdera contacto radar – rádio com um dos F-5E que estava numa missão de interceptação sobre o setor de Paraty.
Fui de imediato para a sala do OPO e iniciei o acompanhamento da situação. Era um elemento liderado pelo Mauro, da minha turma, cujo ala era o Ten. Rui Barbosa Nunes.
Por coincidência eu havia cruzado com eles, na sala de equipamento de vôo, ao voltar de uma missão, naquela tarde, e trocamos algumas palavras, sendo que o Nunes dissera estar um pouco gripado. Eu lhe disse ser melhor então não voar. Ele respondeu que era coisa leve e que “hora de vôo perdida era hora de vôo nunca mais recuperada”.
Eu gostava do Nunes. Garoto dinâmico, educado, vibrador e jovial. Voara algumas missões de instrução comigo em seu curso de formação operacional de F-5E/B. Era irmão do Gilmar, da turma de 65 (BQ). Mesmo “pedigree”!
Esgotada a fase de “Alerfa” (Alerta) e entrado direto na de “Detresfa” (Acidente quase certo) já não havia mais esperança do retorno do Nunes. Foi acionado o SAR (Busca e Salvamento), decolando do Campo dos Afonsos um helicóptero “Puma”, pilotado pelo Tsuji (turma de 65) e Neves (turma de 68).
Pousaram em Santa Cruz, fizeram um brifim conosco e fomos, eu aí embarcado, para o setor da Ilha Grande – Paraty. Noite escura e ventania super forte. O CB estava muito próximo e ativo.
Circulamos a Ilha Grande em seu setor de Angra e fomos até próximos à Ponta do Boi, em Paraty, dali voando no setor do mar aberto da ilha. Próximos à Ponta do Boi avistamos uma luz a piscar no mar. Euforia a bordo! Deveria ser o Nunes, de seu bote, a nos sinalizar. Foi iniciada a aproximação para a luz sob muita chuva e vento. Tensão a bordo... Ao chegarmos a uns 100 pés vimos que a luz era de um pequeno barco de pesca que balançava muito no mar super agitado. Frustração geral!
Ainda voamos uns 30 minutos enquanto pudemos, mas tivemos de voltar a Base. O CB “entrava rachando” ali!
Passamos a noite em brifins e preparativos para o reinício das buscas logo cedo, o que foi feito. Decolei ao nascer do sol com um U-42 “Regente” e vasculhei todo o litoral até pousar em Santos. Reabasteci e voltei esquadrinhando tudo a baixa altura e velocidade; nada...
Continuamos as buscas à tarde por uns 10 dias. Voei muito com os “Puma” como observador de porta. Fomos até cerca de 50 milhas náuticas do litoral, nada escapava de ser investigado no mar. Qualquer objeto flutuante que era avistado era investigado. Nada...
O Gilmar veio com sua família para a Base e ficaram acompanhando tudo de perto; que sofrimento, que pena! Eles possuíam um tio, mateiro experiente, que foi chamado, pois havia, também, a possibilidade de que o Nunes se ejetara e pudesse estar na densa mata atlântica da Serra do Mar, na área de Angra-Cunha-Paraty.
Um “Puma”, com colegas meus de turma (Joel e Paulo Tadeu) foi acionado. Fomos, Gilmar, o tio e eu, até uma clareira da serra e pela mata andamos por todo um dia; nada... No dia seguinte isso se repetiu; nada...
Foram avistados detritos no mar próximos à Ponta do Boi. A descrição coincidia com a espuma marrom dos tanques do F-5E. Fui com um “Puma” para a área e realmente vimos as espumas. O helicóptero nos deixou, eu e um cabo do PARASAR, o Tinoco, que havia sido meu comandado na Marambaia, no Condomínio Laranjeiras, onde consegui uma lancha emprestada e fomos em direção ao local. Que mar agitado! Após uns 30 minutos chegamos à área mas nada vimos, a não ser um aviso de um “Bandeirante” SAR de que havia tubarões próximos. f-5 para interceptação
No outro dia um “Puma” me deixou com mais 3 elementos do PARASAR num ponto do litoral, a oeste da Ponta do Boi, e dali saímos a esquadrinhar as pedras e praias por todo um dia; nada...
As buscas foram encerradas em mais uns 5 dias. Após isso, numa tarde, recebi na Base a informação de que haviam sido encontradas espumas tais como as do F-5E, numa praia da Vila do Abrahão, na Ilha grande. Não acreditei que fosse verdade, mas enviei um pessoal para recolhê-las...
Era!
Isso, se confrontado com as informações do último “plot” radar de “Thor”, da observação do Mauro que disse ter visto o Nunes iniciar a curva de conversão da interceptação às suas 7 horas sobre a área de Paraty e as correntes da área, nos deixa muita dúvida de onde poderia ter sido a queda e impacto com o mar. Se formos considerar as correntes marítimas, entre a Marambaia e a Ilha Grande... se considerarmos o “Thor”, entre a Ponta de Paraty e a Ilha Grande, mas então as correntes não poderiam ter levado as espumas para a Enseada do Abrahão...
O cenário em vôo não foi difícil de imaginar; vôo noturno, interceptação supersônica a Mach 1,2, curva de conversão com 60 graus de inclinação puxando uns 2,5G, cheque cruzado bem rápido entre os instrumentos de vôo e o escopo do radar – aquele nosso velho AN/APQ-153 – um CB enorme logo abaixo com suas inerentes correntes ascendentes- descendentes e muito gelo, piloto novo, em fase de instrução... uma vez “entrado” nele, bem difícil de se recuperar...
Pena... perdemos um ótimo oficial, colega e caçador.
Marco Aurélio Rocha Rocky – Maj.Av.R1.
Piloto de Caça - Turma de 1976
http://www.abra-pc.com.br/ -> ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PILOTOS DE CAÇA