Programa Espacial Brasileiro
Enviado: Dom Ago 01, 2010 5:13 pm
A Evolução do Programa Espacial Brasileiro
em Apoio à Segurança Nacional
Robert C. Harding
Pois o sábio olha ao espaço e sabe que dimensões limitadas não existem.
—Lao Tzu
Quando o primeiro astronauta brasileiro, o Tenente-Coronel Marcos Pontes, pegou carona a bordo de uma espaçonave russa em
março de 2006 para ir até a Estação Espacial Internacional, observadores de voos espaciais desinteressados, sem dúvida ficaram surpresos. O Brasil, embora mundialmente muito mais famoso pelo Carnaval e Futebol, durante os últimos cinquenta anos silencioso mas com perseverança, prosseguiu com programa dedicado ao desenvolvimento tecnológico espacial e de defesa. Assim, um astronauta brasileiro é só um passo a mais na jornada, a fim de estabelecer um programa espacial de ponta. Embora os programas espaciais de outros países emergentes como a China e a Índia tipicamente recebam maior atenção, especialmente como possíveis nações em competição com os Estados Unidos, o consenso é que o Brasil faz parte de pequeno grupo de elite, entre países de “alto-médio” desenvolvimento com programas avançados em pesquisa de mísseis, defesa e espaço.1
Dentro da América Latina, em particular, o Brasil é sem igual em capacidade [e recursos]. Embora alguns países Latino-Americanos já possuam certo tipo de programa espacial, tais empreendimentos foram, na maioria, relegados ao desenvolvimento de satélites e tecnologia aeroespacial relacionada e, com frequência, dependem de parceiros estrangeiros para o desenvolvimento tecnológico. Além disso, necessitam de tecnologia estrangeira para os lançamentos. Em contraste, embora o Brasil colabore com, e até dependa de outras nações espaciais mais avançadas para ajudar a estabelecer seu programa (da mesma forma que os E.U.A. e a União Soviética com a captura de cientistas especializados em foguetes V-2 Nazistas, após a II Guerra Mundial), principia agora, a alcançar o ponto de lançamento independente com programas consideravelmente mais sofisticados, diversificados e avançados que a maioria das nações emergentes.2
Analisamos aqui, a justificativa, trajetória e função que o programa espacial brasileiro atual desempenha para com a segurança nacional do país e sua agenda de desenvolvimento. O Brasil é o maior país Latino-Americano e possui a mais alta população. Conta com a 10a economia no mercado de câmbio internacional e é a 9a em poder aquisitivo.3 O desenvolvimento do programa espacial brasileiro evoluiu como a extensão natural da estratégia do país a longo prazo para estabelecer a hegemonia regional, abrangendo não só a América do Sul, mas também o Oceano Atlântico Sul. Mais uma justificativa para ser considerado como futuro líder mundial, possivelmente levando a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O Céu Não é Mais o Limite
Como o já falecido astrônomo e cientista, Carl Sagan, observou de forma astuta, “...os governos não despendem vastas quantias de dinheiro somente para o benefício de ciência e tecnologia ou, meramente para explorar. Necessitam de outro propósito e de senso político real.”4 O que Sagan compreendia é que a potência espacial da era moderna é essencial para compreendermos e medirmos a potência nacional. Os voos orbitais tripulados da China e o teste de sistema balístico anti-satélite em 11 de janeiro de 2007 demonstraram, de forma nua e crua, que a potência nacional ainda é avaliada e medida, em grande parte, pela autonomia de cada nação. Atualmente, entre os possíveis tesouros nacionais, um programa espacial possui alto destaque, uma faceta integral de toda estratégia de segurança nacional das potências atuais.
A disciplina referente a foguetes e programas espaciais são fundamentais para avaliarmos potências. Isso desde o programa de foguetes bem sucedido da Alemanha Nazista com o lançamento de um foguete V-2 a uma altitude de 80 quilômetros a Mach 4.4.5 Desde então, tanto os E.U.A. como a União Soviética dedicaram grandes recursos e estratégia para o uso de mísseis balísticos. E embora a declaração feita por Winston Churchill em 1946 da “cortina de ferro” através da Europa seja comumente aceita como o início metafórico da Guerra Fria, em prática, o lançamento do Sputnik pela União Soviética em 1957 foi o que elevou o agudo senso de urgência da competição ideológica entre o Oriente e o Ocidente. O sucesso do Sputnik cimentou os programas espaciais para os geoestrategistas, não só como simples fator, mas sim como ponto crucial na avaliação de potência nacional da era moderna. A capacidade de lançar cargas ao espaço tornou-se questão de soberania, segurança nacional e mais tarde, vantagem econômica, além de monitoramento de comunicações e meio ambiente.
Os benefícios de programas espaciais bem sucedidos foram muitos e estabeleceram a base para muita luta durante a Guerra Fria. Primeiramente, as considerações práticas foram inevitáveis, à medida que questões táticas tomaram um aspecto verdadeiramente tri-dimensional com o aperfeiçoamento de comunicações, cartografia e a habilidade de usar satélites para atividades espiãs. É o tipo de equipamento que orbita, lá bem do alto, o território soberano e está fora do alcance de possível defesa pela nação. Isso foi decisivo, especialmente após a União Soviética abater o avião espião U-2 pilotado por Francis Gary Powers em 1960. Os limites de soberania nacional pós-Westphalia, uma vez mais tornaram-se nebulosos. Em segundo lugar, mas também importante, os programas espaciais providenciaram à nação o meio de praticar, aperfeiçoar e desenvolver melhor tecnologia dentro do próprio país, assegurando assim, a segurança nacional sem dependência estrangeira.5
E finalmente, um bom programa espacial com capacidade de lançamento independente, tornou-se meio para destacar o prestígio nacional dentro e fora do país. Entre as super-potências durante a Guerra Fria, os programas espaciais tornaram-se vitrina onde essas nações em oposição podiam exibir a suposta superioridade das respectivas sociedades. Além de colocar satélites em órbita, ser o primeiro a alcançar os vários objetos do sistema solar – a Lua, Venus e, em particular, Marte – vieram a ser as etapas ao longo do caminho para os Estados Unidos e a União Soviética, a fim de estabelecer a hegemonia terrestre. É difícil negar o poder simbólico de cidadãos orbitando a Terra ou andando na Lua, mesmo com resultados científicos relativamente modestos. Durante quase duas décadas (1957-1975) a “corrida espacial” ocupou o centro do palco para as estratégias de segurança das super potências.
Assim, o empreendimento para colocar foguetes mais poderosos em produção, a fim de lançar cargas cada vez maiores ao espaço tornaram-se a força motriz para a pesquisa espacial, ocupando papel principal nas doutrinas de segurança nacional das principais potências mundiais. Além dos Estados Unidos e da União Soviética, outras nações em desenvolvimento como a França, Grã-Bretanha e mais tarde o Japão desenvolveram programas de mísseis balísticos, que evoluíram até os programas espaciais atuais, capazes de lançar uma variedade de satélites, tanto para uso civil como também militar. Hoje, virtualmente todas as nações em desenvolvimento investem em tecnologia espacial, pois o espaço não é mais o domínio único das super-potências.
Os Países em Desenvolvimento
Incluem o Espaço
Embora a busca de acesso ao espaço tenha sido normalmente associada às nações mais ricas e desenvolvidas, um número cada vez maior de “pequenas” e “médias potências em ascenção” buscam, também, adicionar ou possuir capacidades espaciais à lista de prioridades de segurança nacional. A produção de tecnologia espacial oferece a essas potências opção estratégica poderosa, que pode vir a ser a opção favorecida, devido ao custo-benefício: um financiamento relativamente modesto em pesquisa gera grandes ganhos em orgulho nacional e prestígio internacional. Assim, um programa espacial é quase um passo obrigatório, a fim de soerguer a posição do pais à potência regional ou mundial. Os países em desenvolvimento, tais como a Malásia, México, Índia e Nigéria, em si tão diversos, estabeleceram programas espaciais dedicados à tecnologia de telecomunicações via satélite, serviços meteorológicos, vigilância do meio ambiente e, recentemente, serviços de posicionamento geográfico.
O que a maioria dos programas espaciais não possuem, contudo, é capacidade de lançamento independente para colocar cargas em órbita, sem a qual, a dependência em outras, grandemente reduz o poder soberano real e percebido através do programa espacial. Contudo, um punhado de nações em desenvolvimento alcançaram tal estágio crítico. Embora nações como a Coréia do Norte recebam grande atenção da mídia, devido à pesquisa avançada em foguetes, uma lista mais abrangente inclui um punhado de potências regionais em ascenção. Esse crescimento ficou em evidência durante a década passada, com o envio de tripulações à órbita terreste e o advento da sonda Lunar pela China, sem mencionar o desenvolvimento de capacidade de lançamento interno pela Índia, inclusive a lunissagem bem sucedida da sonda Chandrayaan-I, em novembro de 2008.
Nesses e outros exemplos, os programas espaciais de países em desenvolvimento servem quase sempre as mesmas funções que os das antigas superpotências: ganhar prestígio entre as nações, especialmente obter experiência e aumento de capacidade para a indústria espacial e ser tão autônomo quanto possível. Assim, através da competição, reduzir o custo de lançamentos ao redor do globo. Contudo, a maioria das nações em desenvolvimento ainda não possui essa capacidade e usa recursos estrangeiros para alcancar as metas. O Brasil, por outro lado, é um dos poucos países em desenvolvimento que perseverou para conseguir lançamento autônomo.
A Justificativa para o Programa Espacial Brasileiro
A ênfase cada vez maior em programa espacial pelo Brasil é vital componente para a estratégia de segurança nacional. A justificativa do governo brasileiro para com os empreendimentos espaciais é expressa, inequivocadamente, como estratégica para atingir a soberania. Somente os países que dominam a tecnologia espacial possuirão autonomia para evolução global, que consideram tanto o impacto de ações humanas como também o de fenômenos naturais. Tais países terão a oportunidade de declarar suas posições e manter-se firmes ao redor das mesas de negociações diplomáticas.”6 Claramente, o Brasil fez a mesma admissão de hipótese que outras nações em anos anteriores – o espaço é meramente outra arena na qual o país deve exercer poderio e assegurar soberania.
As diretrizes espaciais brasileiras sumarizam-se em três objetivos gerais: 1. exercer soberania sobre seu vasto, rico, mas esparsamente povoado interior geográfico 2. desenvolver-se econômica e militarmente, a fim de obter a suposta merecida posição de liderança regional e 3. receber eventual reconhecimento como potência mundial. Primeiramente, em integridade territorial, a posição do Brasil como o maior país da América Latina faz com que seja um país hegemônico por natureza, mas isso não quer dizer sem desafios. Entretanto, com mais de 80 por cento dos 185 milhões de habitantes residindo dentro de uma faixa de 400 quilômetros da Costa Atlântica, grande parte do país é sub-povoada, com uma média de somente 18 pessoas por quilômetro quadrado. O Brasil adotou certas iniciativas no decorrer dos anos para expandir e fortalecer a integridade territorial.
A Operação Amazônia, pela primeira vez advogada pelo Presidente Castelo Branco em 1966, foi um programa que incentivava a migração para o interior. Em 1970 foi lançado o Plano de Interação Nacional para assegurar o controle nacional do vasto interior através de construção de estradas, relocação humana e subsídios agrícolas. No mesmo ano, como resultado da denominada “Guerra da Lagosta” com a França (uma disputa sobre direitos de pesca) o Brasil, unilateralmente, extendeu as águas territoriais a 360 quilômetros da costa.7 Finalmente, em 1984 expandiu seu alcance ao declarar a Antártica como “área de interesse” (tornando-se o terceiro país Latino Americano a pronunciar-se). Contudo, como signatário do Tratado do Sistema da Antártica de 1959 não reivindicou território formalmente. Esse lance faz parte dos que os estrategistas geopolíticos brasileiros chamaram de defrontamento, uma teoria que patrocinava maior presença no Atlântico Sul para o país.8
Da mesma forma, um tema que predomina há muito em sua jornada para reconhecimento como potência mundial foi o uso eficaz de extensos recursos naturais para o desenvolvimento econômico: a mudança da capital do país a Brasília em 1960; vários projetos hidroelétricos imponentes e extensos empreendimentos agrícolas. Os empenhos brasileiros audaciosos são equiparados às ambições do país para ser reconhecido como potência emergente. Assim, para melhor compreender as inferências do ingresso brasileiro ao espaço e o papel que seu programa espacial desempenha na estratégia de segurança nacional, seria útil colocá-lo em contexto com a evolução dos programas de segurança nacional mais amplos e as necessidades estratégicas.
É importante notar aqui que além dos fatores tangíveis delineados abaixo, devemos considerar outra questão mais subjetiva, porque oferece certo nível de justificativa aos projetos em expansão e à agenda de segurança, ou seja, a perene noção brasileira de grandeza. Como vivem em um país que é, de longe, o maior da América Latina (um pouco maior que os 48 Estados norte-americanos contíguos), os brasileiros tradicionalmente veem seu país como potência regional natural e possívelmente mundial. Esse conceito de grandeza vai longe para compreender a lógica de seu desenvolvimento nacional e prioridades de defesa. Essa percepção de porvir é defendida pela sua localização geoestratégica, ao longo de linhas marítimas de comunicação no Atlântico, do equador à Antártica. A Argentina sempre resistiu a essa noção de hegemonia regional mas, após sua derrota na Guerra de Falkland / Malvinas em 1982, os geoestrategistas brasileiros pensaram que o Brasil deveria preencher o vácuo por ela deixado. Décadas antes, o ex-Presidente Juscelino Kubitschek havia declarado que o Brasil produziria “50 anos de desenvolvimento, em cinco.” Do final da década de 1950 a meados de 1970, durante o período conhecido como O Grande Brasil, o governo brasileiro colocou em execução uma série de grandes projetos intrépidos, cuja lista era um exagero em engenharia: a maior ponte do mundo, a maior represa hidroelétrica do mundo, a Auto-Estrada Trans-Amazônica. Também possuía planos para uma rede de até 10 usinas nucleares (em cooperação com a Alemanha Ocidental).9
Dessa forma, a criação de um programa espacial encaixa-se de maneira lógica a esses planos grandiosos. Os governos militares sucessivos (1964-1985) prediziam com toda a confiança que o país iria fazer parte das potências espaciais mundiais, lançando satélites fabricados no Brasil com foguetes feitos no Brasil. Assumia-se também que o programa espacial iria incentivar certo grau de independência tecnológica em diversos setores, tais como informática, indústria de armamentos, energia nuclear e tecnologia de satélites a um país que era, por tradição, voltado à questões internas.
O Desenvolvimento da Estratégica Nacional Brasileira
A expansão da conscientização geopolítica brasileira teve início em princípios do século 20 e continuou até o término da II Guerra Mundial. Durante esse período de tempo o gasto em defesa do país aumentou em curva geométrica, em reação à ações de seu perene rival, a Argentina e, a fim de estabelecer sua hegemonia na América do Sul, particularmente em virtude da participação secreta da Argentina na Guerra do Chaco (1932-1935) e suas tendências militares pró-Axis no início da década de 1940. O ingresso definitivo do Brasil à Campanha Italiana durante a II Guerra Mundial com a Força Expedicionária Brasileira marcou o momento decisivo. Embora sua contribuição fosse relativamente modesta, comparada ao empreendimento total da guerra, o Brasil foi um dos dois países Latino-Americanos que participou ativamente na guerra (o outro foi o México, que contribuiu com um esquadrão aéreo durante a guerra do Pacífico). Os estrategistas brasileiros percebiam a participação ativa do Brasil em assuntos mundiais como essencial à aspiração do país para ser levado a sério como possível potência mundial.
A jornada do Brasil em busca a esse reconhecimento levou o país a iniciar o desenvolvimento de foguete e programa de energia nuclear independentes no final da década de 50. Durante a administração do Presidente JK (1956-1961) o Brasil começou a desenvolver o programa nacional de energia nuclear e armamentos, em parte para reagir à programa similar pela Argentina. Essas ambições nucleares foram mais tarde aceleradas pelo subsequente governo militar, que perseguiu uma variedade de métodos com urânio enriquecido em todas as Forças Armadas.10 O plano chegou ao ponto de construir um poço de 300 metros de profundidade no Estado Nortista do Pará para testes nucleares que nunca foram levados a efeito. Em consequência, a gênese do programa espacial moderno brasileiro pode ser traçada ao desenvolvimento dado aos programas de urânio enriquecido e de mísseis balísticos durante a ditadura militar.
Uma das prioridades simultâneas do governo militar foi o programa de mísseis balísticos. Em 1965, o Brasil lançou foguetes de sondagem do recém construído Centro de Lançamento Barreira do Inferno no Estado do Rio Grande do Norte. Seu programa nacional meteorológico teve início no ano seguinte. Mais de 2.000 lançamentos bem sucedidos foram feitos daquele local.11 Durante esse período, os estrategistas Brasileiros começaram a prever a necessidade de programa espacial para a segurança nacional, baseado em três areas de estratégia geral: gerenciamento de recursos, desenvolvimento econômico e nacional e, defesa e integridade territorial (abaixo).
A formalização do programa espacial iniciou-se em 1961 com a criação do Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (GOCNAE), designado pela presidência para examinar as necessidades do país, a fim de estabelecer um programa espacial viável. Durante os próximos trinta anos, o Brasil gastaria cerca de $1.5 bilhões de dólares para aperfeiçoar a tecnologia balística, até mesmo criando programas universitários especializados de engenharia e física para apoiar o projeto. Devido em grande parte a esses avanços, o Brasil veio a ser um dos signatários originais do OST [Outer Space Treaty – Tratado do Espaço Sideral] o qual, entre outras proibe a colocação de armamentos em órbita. Embora 91 países assinassem o OST, o Brasil foi um dos poucos que na verdade possuía a ambição e meios para estabelecer um programa espacial que poderia infringir o tratado.
Assim mesmo, pressionado pela contínua rivalidade, já de anos com a Argentina, e seu ambicioso programa de mísseis balísticos Condor II nos anos 70 e início de 80, o Brasil colocou recursos cada vez maiores para aperfeiçoar a tecnologia relacionada à defesa, especialmente tecnologia de mísseis. Criou o primeiro gabinete espacial para tecnologias relacionadas ao espaço em 1969 com o estabelecimento do Instituto de Atividades Espaciais,13 consolidado em 1971 em Comissão Brasileira de Atividades Espaciais (COBAE), sob o Ministério da Aeronáutica. Presidido pelo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, o objetivo do programa era, sem qualquer desculpa, militar em orientação e buscou produzir a auto-suficiência brasileira em tecnologia de mísseis. O programa teve suficiente sucesso para que os Estados Unidos colocassem em vigência uma proibição [de transferência] de tecnologia de mísseis ao Brasil, porque os EUA possuíam grandes ressalvas contra um míssil balístico, possivelmente com armas nucleares brasileiras. Afinal, verifica-se que tal preocupação não era infundada.
O Brasil iniciou pesquisa própria em fissão nuclear na década de 30. Inicialmente tentou adquirir centrífugas da Alemanha Ocidental em 1953. Acabou adquirindo reatores nucleares e combustível dos Estados Unidos na década de 60. Entretanto, os governos sucessivamente militares sentiram-se cada vez mais restritos pelos limites impostos pelos Estados Unidos em transferência de tecnologia. Assim, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, o Brasil saiu da esfera de Washington e uma vez mais abordou a Alemanha Ocidental, entrando em acordo em 1975. Tal acordo agendava até oito reatores nucleares sem a supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica International Atomic Energy Agency [IAEA]. Embora fosse um dos signatários do Tratado de Tlatelolco de 1967, que proibia armas nucleares na América Latina, o governo militar brasileiro, sem embargo, achava que a opção nuclear era crucial aos planos de segurança do país a longo prazo, porque permitia a transferência de tecnologia nuclear a um programa secreto de enriquecimento de urânio, com o código de Solimões (apropriadamente designado com o nome da cabeceira do Rio Amazonas). O objetivo era dominar todas as fases da produção de energia nuclear, inclusive aquelas para possível uso militar.14
Juntamente com o programa cada vez maior de mísseis, esse arranjo formou a base para o programa de defesa do país, que era dissuadir a Argentina de maneira crível. O programa foi publicamente rechaçado pelo Presidente Collor de Mello em 1990 e dois anos mais tarde o Brasil assinou o Tratado de Não-Proliferação o que afetou a legislatura doméstica (Lei 9112) para com a regulamentação da exportação de tecnologia de enriquecimento de urânio, a qual, em parte, era vista como passo necessário para a importação de tecnologia espacial civil estrangeira.15 Mesmo assim, tudo indica que as forças armadas brasileiras continuam a evitar os controles e seguem com programas secretos de aperfeiçoamento de enriquecimento de urânio.16 Embora já signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear desde 1995, o Brasil continuou a por em prática um programa acelerado de energia nuclear. A diretriz oficial do Brasil, declarada pela primeira vez em 1975, é ser completamente auto-suficiente em produção de urânio para energia nuclear até 2014, possuindo o suficiente para exportação.17
De Projéteis à Propulsão
de Foguetes
O desenvolvimento da indústria de defesa interna ocorreu ao mesmo tempo que o aumento em programas nucleares e de foguetes, com a produção de armamentos de alta qualidade, alcançando o apogeu durante a década de 80. As indústrias militares brasileiras cresceram de forma dramática durante os anos 70, findando a longa dependência do país em fornecedores estrangeiros. O país veio a ser o líder em exportação de armamentos entre os países emergentes.18 A indústria de defesa alcançou tal capacidade e qualidade que o país transformou-se em um dos exportadores principais de pequenas armas, produtos básicos de defesa, como radares e, até mesmo, tecnologia de armamentos nucleares e químicos. Floresceu extensa rede de indústrias de defesa e, no início dos anos 80 o Brasil passou a ser o 11° exportador de armas do mundo.19
Durante os anos 80, seu maior mercado regional foi o Oriente Médio, ao qual vendiam, aproximadamente, metade das armas. Quase meio bilhão de dólares em transferência de armas, de 1985 a 1989, foi ao Iraque, durante a Guerra Iran-Iraque.20 A maior parte sob forma de uma das exportações mais bem sucedidas e lucrativas do período, o Astros II lançador de foguetes múltiplos, fabricado por Avibrás Indústria Aerospacial, que se especializa em foguetes, mísseis, aeronaves e telecomunicações. Ao mesmo tempo, Avibrás estava projetando mísseis balísticos para as forças armadas com alcance de até 1.000 quilômetros. A ambição de vendas militares brasileiras foram mais além da entrega de sistemas. Além disso, de 1981 a 1982 o Brasil vendeu secretamente ao Iraque, dióxido de urânio (usado em varas de combustível nuclear) sem notificar a IAEA.21
Um dos resultados principais desse re-enfoque de prioridades foi que no início de 1987 o Brasil havia se transformado de importador de tecnologias relacionadas à defesa a um dos principais exportadores de pequenas armas, tanques, aeronaves e navios.22 Mas, após a queda do regime militar, ao início de 1985, a indústria de defesa desmantelou-se. Em princípios de 1990, a exportação de armas ficou reduzida a somente 3 milhões de dólares em vendas anuais e os três maiores fabricantes declararam bancarrota. O resultado foi que até 1994 todos os programas balísticos e de mísseis foram transferidos à empresas particulares.
O Espaço Toma o
Centro do Palco
Enquanto o complexo militar-industrial brasileiro alcançou o apogeu e entrou em declínio, seu programa espacial continuava firme. Em 1981, a COBAE, administrada pelos militares, passou a ser a Missão Espacial Completa Brasileira (MECB) que teria um alcance mais amplo de interesses de segurança nacional, refletindo a admissão do Brasil de realidade nacional e internacional mais complexas. Outorgados com orçamento generoso de 1 bilhão de dólares, expandiram-se os objetivos declarados do programa para incluir um grupo de prioridades nacionais mais amplas: 1. buscar e monitorar recursos naturais 2. mapear a região da Amazônia e rastrear o desmatamento 3. supervisar atividades agrícolas e 4. providenciar telecomunicações.23 Ademais, as autoridades brasileiras declararam abertamente que desejavam usar a capacidade de lançamento do país para ingressar ao mercado de lançamento espacial comercial internacional, “inclusive no setor militar”, de forma competitiva.24
A fim de alcançar essa meta, em 1982 o governo brasileiro iniciou a construção do Centro de Lançamento Alcântara na costa Atlântico Norte, no Estado do Maranhão, uma estação de rastreamento em Cuiabá, no Estado Oeste de Mato Grosso e um centro de controle de missão, em São Paulo. Erigido em 62.000 hectares apropriados dos habitantes locais e ao custo de quase meio bilhão de dólares, Alcântara é o estabelecimento de lançamento mais próximo do equador (menos de dois graus sul), dessa forma, o melhor local de lançamento do mundo, devido a eficiência (i.e., os lançamentos de Alcântara usam 30 porcento menos combustível para alcançar órbita do que os lançamentos do Cabo Canaveral, Florida, E.U.A., ótima vantagem para o lançamento de satélites geossíncronos). As dependências também abrigam a própria telemetria meteorológica e operações de montagem de veículo. O Brasil espera colher os benefícios oferecidos por esse estabelecimento, aprendendo a tecnologia de ponta que eventualmente auxiliará o país a desenvolver sua própria indústria de satélites.
De especial importância ao país em anos recentes foi a capacidade de monitorar o desmatamento da região Amazônica, que abrange cerca de um terço do país, bem como cerca de dois-terços de todas as florestas tropicais terrestres. Embora quase sempre ignorando as atividades madeireiras ilegais, o governo brasileiro declarou que a preservação da Amazônia é questão de segurança nacional e, na última década a legislatura buscou regular o abatimento ilegal de árvores.25 O Ministro de Ciências começou a monitorar o desmatamento em 1988, via USGS [United States Geological Survey – Levantamento Geológico dos Estados Unidos], usando imagens LandSat. Mas com o primeiro satélite brasileiro em 1993 – o SCD1, Satélite de Compilação de Dados, o Brasil começou a monitorar a região através do PRODES [Projeto de Monitoramento do Desflorestamento da Amazônia]. Um satélite mais recente, CBERS [Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres], produziu resultados impressionantes, um tanto inquietantes. Revelou que a floresta está desaparecendo duas vezes mais rápido do que se calculava, liberando 100 milhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera por ano.26 Resulta agora, que o Brasil lidera o estudo de emissões de carbono, devido a queima de matas.
Um dos motivos para seu sucesso foi o fato de que a capacidade tecnológica cresceu tanto que acabou sendo um entre os dois países em desenvolvimento (a Argentina foi o outro) a assinar o Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis [Missile Technology Control Regimen – MTCR], um acordo que buscou o controle da proliferação de mísseis balísticos de capacidade nuclear. Embora não seja um tratado, o acordo resultou em adiamento do programa de mísseis brasileiros, pois a MTCR forçou o cancelamento do proposto programa de cooperação de desenvolvimento de mísseis com a França.
O Programa Espacial Brasileiro Atual e Futuro
A jornada para se chegar à capacidade de navegação espacial era parte intrínseca do “cabo de guerra” entre a supremacia civil e militar brasileiras. A primeira agência espacial civil do país foi criada em 1994, onde a maioria da pesquisa do programa espacial anterior havia estado sob o controle das forças armadas brasileiras. Mas, apesar de tentativas sobre-humanas, nem sempre estava claro se o Brasil conseguiria alcançar o objetivo de programa espacial autônomo. Certos observadores tinham lá suas dúvidas. Um estudo da Rand Corporation de 1993 concluiu que as ambições espaciais brasileiras não eram economicamente viáveis.27 Contudo, os objetivos nunca foram baseados puramente em economia. Foram impulsionados, em grande parte, pelas necessidades de segurança nacional. Ao mesmo tempo, o Congresso Norte-Americano notou, de forma nítida, que o Brasil estava aumentando os empreendimentos para um programa espacial Sino-Russo-Brasileiro, a fim de circundar a proibição dos E.U.A. de transferência de tecnologia. Embora os EUA finalmente abandonassem as objeções contra a venda de tecnologia Russa ao Brasil, em 1996 o Congresso Norte-Americano uma vez mais expressou preocupação acerca da compra de tecnologia ICBM pelo Brasil.28
O projeto do veículo de lançamento nacional, Veículo Lançador de Satélites (VLS) iniciou aos trancos e barrancos. Como foi uma especulação civil-militar com a Força Aérea Brasileira, o VLS era visto como o equivante Brasileiro ao Ariane-5 da Agência Espacial Européia [European Space Agency] – um veículo para lançamentos domésticos e estrangeiros, poderoso e confiável, com fins lucrativos. Contudo, em agosto de 2003, uma explosão acidental do primeiro estágio do foguete no Centro de Lançamentos Alcântara resultou em morte de 21 engenheiros e líderes técnicos, reduzindo a plataforma a escombros. Atribuído a insuficiente financiamento e má administração, foi o terceiro lançamento fracassado do foguete VLS (as tentativas anteriores ocorreram em 1997 e 1999). Os lançamentos fracassados são corriqueiros para todos os países espaciais durante o desenvolvimento de veículos de lançamento (como aconteceu com o US. Apollo I e o N-1 Soviético). Contudo, para surpresa de muitos analistas, somente 14 meses após, o Brasil lançou um foguete VSB-30, que portava “mini satélite” a 260 quilômetros, com sucesso, i.e., à baixa órbita terrestre. Um segundo lançamento foi feito logo após. Embora o plano agendasse 22 lançamentos até 2014, espera-se que um veículo de lançamento atualizado, o VLS 2 ou o Alfa entre em serviço e lance um satélite fabricado no Brasil até 2012.29 Embora os ganhos, até agora, tenham sido modestos, tais sucessos colocaram o Brasil no mapa como espaço-porto emergente, um dos poucos existentes mundialmente.
Além de seguir avante com o programa de lançamento, o país continua a estabelecer a reputação de parceiro responsável em programas espaciais, mas não sem certo custo. Em 1997, a convite da administração Clinton, o Brasil foi o único país em desenvolvimento em longa lista de potências espaciais desenvolvidas a contribuir tecnologia à Estação Espacial Internacional. Embora aparente gesto de boas graças, o convite foi, na verdade, um complô da administração Clinton com o intento de moldar o programa espacial nuclear brasileiro, a fim de favorecer os interesses norte-americanos.30 Inicialmente prometendo uma contribuição de US $120 milhões em equipamento de voo, o Brasil mais tarde foi forçado a reduzí-lo a US $10 milhões em virtude da persistente dívida estrangeira. Embora menor, essa contribuição encaixa-se ao perene interesse em cooperação espacial pelo Brasil, o que os oficiais brasileiros, sem dúvida, esperam gerar dividendos para avançar a posição do Brasil como potência mundial.
Em julho de 1988 o Brasil e a China assinaram um protocolo de cooperação para a manufatura de satélites com sensores remotos de alta resolução CBERS-1 e CBERS-2. A cooperação foi muito bem sucedida e louvada como exemplo de cooperação tecnológica “Sul-Sul”.31 Em outubro de 2004 o Brasil assinou outros acordos com a China para a construção de satélite de alta resolução de imagens (DBERS-2B), lançado em 2007 a bordo do foguete Chinês Longa Marcha. Há um acordo que se estende até 2014, com a opção de dois outros modelos. Em gesto de reciprocidade, a China está considerando o envio de seus foguetes poderosos Longa Marcha ao Brasil para lançamento de Alcântara.
Não importa os sucessos, o programa espacial batalha para superar a luta interna inerente à burocracia, corrupção e uma quase legendária péssima alocação de fundos. Antes de 2003, 95% dos parcos $10 milhões de orçamento foram a Embraer, a quarta maior fabricante de aeronaves civis do mundo, e somente 0.5% encaminhados ao programa espacial.32 Mas, após a explosão de 2003, o governo brasileiro adotou uma metodologia completamente diferente. Além de abrir as portas do programa ao escrutínio estrangeiro, especialmente sob forma de acessores russos, o governo aumentou drasticamente a verba a US $100 milhões para o ano fiscal de 2005, que ainda assim, ficava atrás da Índia e China com orçamentos anuais para programas espaciais de US $300 milhões e US $1.8 bilhões, respectivamente.33 Ainda assim, esse número representa um aumento de 235 porcento sobre os desembolsos de 2003 e é um sinal bem claro da importância que o governo de Lula coloca ao programa espacial. Finalmente, em 2009, o governo brasileiro rapidamente mudou de diretrizes, alocando US $343 milhões ao programa espacial, quantia idêntica aos competidores.34
Mas, apesar do esforço gasto para alcançar autonomia em sistemas de lançamento, o Brasil busca parcerias, a fim de aumentar a capacidade e imagem de parceiro espacial. Em outubro de 2003, o INPE [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] do Brasil assinou um documento de empreendimento conjunto de missões comerciais [joint venture] com a Ucrania, que lançaria um foguete classe média Tsyklon 4, de Alcântara.
A projeção é de doze lançamentos por ano, durante 10 anos, com início em 2007, o que faz do Centro Alcântara um dos espaço-portos principais do mundo.35 Outros acordos de colaboração foram feitos com a Argentina, Canadá, China, Alemanha, Índia e Israel em projetos que vão de radares de visão noturna (com a Alemanha) à construção de satélites (China e Israel).
A colaboração mais visível, contudo, foi com a Rússia. Em novembro de 2004 o Brasil assinou um ”memorando de entendimento” (MOU) com a Agência Espacial Federal Russa, que criará uma nova geração de veículos de lançamento capazes de portar satélites maiores, bem como a versão de VLS com propulsor líquido. Logo após, em 2008, o Brasil finalizou o acordo com a Rússia para projetar uma série inteiramente nova de veículos de lançamento em um programa denominado Cruzeiro do Sul, que providenciaria ao Brasil três classes de capacidade de carga (pequena, média e pesada). [Esses veículos] baseados no recente foguete russo Angara entrariam em campo em 2022.36
A Rússia também concordou em melhorar os sistemas de telemetria e rastreamento, bem como aperfeiçoar a infraestrutura terrestre nas dependências de lançamento de Alcântara.
Os Benefícios e
os Problemas
Os benefícios presentes e futuros do programa espacial brasleiro são muitos. A curto-prazo o Brasil, com êxito, passou a ser importante participante no negócio de lançamento de satélites, possivelmente um competidor tanto para a NASA como para a ESA. Os lançamentos de satélites comerciais tem a possibilidade de gerar até US $100 milhões [em verbas] ao ano para o Brasil. Contudo, os benefícios mais óbvios desse programa ambicioso não se encontram no vácuo espacial.
Em primeiro lugar, o fato de ser potência espacial dá mais respaldo à disputa pelo assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (UNSC). Como um dos denominados “países G4” que competem para conseguir um assento (juntamente com a Alemanha, Índia e Japão) o Brasil coloca-se em boa posição com o programa espacial. Mais uma prova de capacidade de potência regional, da mesma maneira que os membros atuais da UNSC fazem uso da posição singular em que se encontram, tanto como vitoriosos da Segunda Grande Guerra como também potências nucleares declaradas. Uma vez que o Brasil já havia renunciado à manufatura de armas nucleares através da ratificação dos Tratados de Não-Proliferação Nuclear e Proibição Total de Testes Nucleares (NPT), tal trunfo não é opção viável (embora o Presidente Lula tenha mencionado o programa para a construção de submarino nuclear). Contudo, deve-se notar que a assinatura do NPT pelo Brasil permite que faça uso da opção de energia nuclear. Em 2009, os oficiais brasileiros abriram as dependências de Resende II para o enriquecimento de urânio, fechando, assim, o ciclo de energia nuclear para o país, eliminando sua dependência em fontes estrangeiras. Uma terceira usina nuclear está agendada para entrar em operação até 2014. Tudo isso em conjunto com o programa espacial mais independente e a capacidade de lançamento cada vez maior, o Brasil coloca-se em boa posição para apresentar argumentos à sua inclusão como membro permanente da UNSC.
Em segundo lugar, uma consideração de igual importância é que o programa espacial, juntamente com o enriquecimento nuclear, dará ao país maior grau de autonomia da influência norte-americana, algo que vem irritando o Brasil desde o final da Segunda Guerra Mundial. Esses marcos delimitam certa liberação de dependência tecnológica para com os EUA. Em perfeita ironia, os Estados Unidos que representam quatro quintos de todos os lançamentos espaciais comerciais, desde 2000, permitiram o lançamento de veículos espaciais americanos por potências estrangeiras. Isso pode resultar que o Brasil irá captar até 10 porcento dos lançamentos de satélites (especialmente americanos) durante a proxima década, gerando uma renda calculada em US $30 milhões anuais.
Finalmente, um bom programa espacial oferece ao Brasil uma vantagem econômica, comparado aos vizinhos Latino Americanos e a maioria das nações em desenvolvimento. O Brasil já lidera outros países Latino Americanos em número e capacidade de satélites de telecomunicações e imagens. Mas o grande obstáculo que o governo brasileiro encara não é tanto técnico mas burocrático. Devido a estrutura protecionista e antiquada das leis de impostos, os grandes fabricantes de satélites ativamente cortejam lançadores estrangeiros e isso acaba sendo contraproducente ao objetivo de autonomia que perseguem com tanto afinco.37
Em suma, o Brasil alcançou êxito em grande parte ao criar um programa espacial recente, mas que funciona, rivaliza ou ultrapassa praticamente os de outras nações em desenvolvimento.38Juntamente com amplas bases tecnológicas e de recursos, o Brasil está posicionado para utilizar essa nova capacidade de lançamento para projetar sua reivindicação à grandeza como potência mundial em ascenção para o século XXI. Como o legendário Pelé, que confundia e maravilhava os rivais, o Brasil parece estar intento em comprovar sua posição entre as potências mundiais - botão de lançamento a postos.
Notas:
1. United States Senate Select Committee on Intelligence, 11 janeiro 2007.
2. Theresa Hitchens, “US Space Policy: Time to Stop and Think,” Disarmament Diplomacy, No. 67, October-November 2002, http://www.acronym.org.uk/dd/dd67/67op2.htm.
3. Central Intelligence Estimate, 2008, www.civ.gov/worldfactbook.
4. Carl Sagan, Pale Blue Dot: A Vision of the Human Future in Space (New York: Ballantine Books, 1994), 25.
5. Michael J. Neufeld, The Rocket and the Reich: Peenemunde and the Coming of the Ballistic Missile Era (New York: Free Press, 1994), 87.
6. Esta consideração, por exemplo, foi o que levou à produção do tanque U.S. M1 Abrams. O Exército dos E.U.A. originalmente havia considerado a compra do tanque Leopard da Alemanha (Ocidental), mas decidiu não fazê-lo para não depender de potência estrangeira para o principal tanque de batalha.
7. Agência Espacial Brasileira, Programa Nacional de Atividades Espaciais: 2005-2014, Ministério da Ciência e Tecnologia, Brasília, 2005, 8.
8. Edmund Jan Osman´czyk, Encyclopedia of the United Nations (London: Taylor & Francis, 2003), 1334.
9. Michael A. Morris, The Strait of Magellan, Martinus Nijhoff Publishers, 1989,134.
10. Michael Barletta, “The Military Nuclear Program in Brazil,” Stanford, CA, Center for International Security and Arms Control, agosto 1997, 2.
11. Rodney W. Jones, et. al., “Brazil: Tracking Nuclear Proliferation 1998,” Washington, DC, Carnegie Endowment, 1998, 2, http://www.carnegieendowment.org/files/ ... brazil.pdf.
12. Demetrio Bastos-Netto, Dilemmas in Space Strategy for Regional Powers: A Brazilian Perspective, Strategic Choices for Small and Middle Powers, Rand Corporation, março 2001, 120.
13. Ministério da Ciência e Tecnologia, http://www.inpe.br/institucional/historia.php.
14. Thelma Krug, “Space Technology and Environmental Monitoring in Brazil,” Journal of International Affairs, Vol. 51, No. 2, Spring 1998, 655.
15. Leonard Spector, Nuclear Ambitions (Boulder, CO.: Westview Press, 1990), 221.
16. Wyn Q. Bowen, The Nonproliferation Review, Spring-Summer, 1996, 88.
17. Veja, 14 de agosto de 1991.
18. World Nuclear Organization, http://www.world-nuclear.org/info/inf95.html.
19. Pier A. Abetti and José O. Maldifassi, Defense Industries in Latin American Countries: Argentina, Brazil, and Chile (New York: Praeger Publishers, Westport, CT, 1994), 28–29.
20. Victor Zaborsky, “The Brazilian Export Control System,” The Nonproliferation Review, Summer 2003, 124.
21. Ethan B. Kapstein, The Brazilian Defense Industry and the International System, Political Science Quarterly, Vol. 105, No. 4 (Winter, 1990-1991), 587.
22. International Atomic Energy Agency, http://www.iaea.org/OurWork/SV/Invo/factsheet.html.
23. Richard F. Grimmett, “Trends in Conventional Arms Transfers to the Third World by Major Suppliers, 1980-1987,” Congressional Research Service (Washington, DC), 9 maio 1988.
24. Décio Castilho Ceballos, “The Brazilian Space Program: A Selective Strategy for Space Development and Business,” Space Policy, Issue 3, agosto 1995, 203.
25. Manchete, 13 de maio de 1989, FBIS-LAT, 16 de junho de 1989.
26. Contudo, em janeiro de 2001, o governo brasileiro anunciou um plano de US $40 bilhões para cobrir grande parte da mata Amazônica com 10.000 quilômetros de auto-estradas, bem como represas, linhas elétricas, minas, campos de gas natural e petróleo, canais, portos e zonas madeireiras, http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/1125419.stm.
27. Peter N. Spotts, “Satellite images reveal Amazon forest shrinking faster,” Christian Science Monitor, 21 October 2005, http://www.csmonitor.com/2005/1021/p04s01-sten.html.
28. Brian Chow, Emerging national space launch programs: economics and safeguards, Rand Corporation, 1993. http://www.rand.org/pubs/reports/R4179.
29. Congressional Record, 28 February 1996, E241.
30. Agência Espacial Brasileira, Programa Nacional de Atividades Espaciais: 2005-2014, Ministério da Ciência e Tecnologia, 2005, 82.
31. Darly Henriques da Silva, “Brazilian Participation in the International Space Station (ISS) program: Commitment or Bargain Struck?, Space Policy, Vol. 21, Issue 1, Fev. 2005, 56–57.
32. Yun Zhao, “The 2002 Space Cooperation Protocol between China and Brazil: An Excellent Example of South-South Cooperation, Space Policy, Issue 3, agosto 2005, 213.
33. Mery Galanternick, “Lost in space: a military vision of Brazil in space finds itself grounded by budget realities,” Latin Trade, novembro 2002, 2.
34. Congresso Nacional Brasileiro. 2009 Orçamento Federal, Agência Espacial Brasileira, http://www.camara
.gov.br.
35. “Empresa ucraniana termina fabricação de plataforma para Alcântara,” Agência Espacial Brasileira, Ministério da Ciência e Tecnologia (www.aeb.gov.br), 17 outubro 2006.
36. “Brasil revela novo programa de foguetes,” Folha de São Paulo, outubro26, 2005, FBIS Document LAP20051026032002.
37. “Brazil’s Pursuit of a Nuclear Submarine Raises Proliferation Concerns,” WMD Highlights, March 2008, http://www.wmdinsights.org/I23/I23_LA1_ ... ursuit.htm.
38. “Star One President Says Rules Favor Non-Brazilian Companies,” Space News Business Report, 23 setembro 2003, www.space.com.
Colaborador
Robert C. Harding Robert C. Harding é Catedrático Assistente de Ciência Política e Diretor de Estudos Internacionais para a Faculdade de Spring Hill em Mobile, Alabama, EUA. Possui Doutorado e Mestrado em Estudos Internacionais pela Universidade de Miami, Mestrado em Administração e Bacharelado em Espanhol pela Universidade de Louisville. A Política Latino Americana, Segurança Internacional e Política Espacial são suas áreas de especialização. É autor de três livros e inúmeros artigos de pesquisa nos campos supra citados. Seu último livro em fase de impressão, Space Policy in Developing Countries: The Search of Security and Development of the Final Frontier será publicado pela University Press da Florida em 2010. Oriundo do sul da Indiana, é astrônomo amador desde a infância.
As opiniões expressas ou insinuadas nesta revista pertencem aos seus respectivos autores e não representam, necessariamente, as do Departamento de Defesa, da Força Aérea, da Universidade da Força Aérea ou de quaisquer outros órgãos ou departamentos do governo norte-americano.
Publicado em Dezembro 09
em Apoio à Segurança Nacional
Robert C. Harding
Pois o sábio olha ao espaço e sabe que dimensões limitadas não existem.
—Lao Tzu
Quando o primeiro astronauta brasileiro, o Tenente-Coronel Marcos Pontes, pegou carona a bordo de uma espaçonave russa em
março de 2006 para ir até a Estação Espacial Internacional, observadores de voos espaciais desinteressados, sem dúvida ficaram surpresos. O Brasil, embora mundialmente muito mais famoso pelo Carnaval e Futebol, durante os últimos cinquenta anos silencioso mas com perseverança, prosseguiu com programa dedicado ao desenvolvimento tecnológico espacial e de defesa. Assim, um astronauta brasileiro é só um passo a mais na jornada, a fim de estabelecer um programa espacial de ponta. Embora os programas espaciais de outros países emergentes como a China e a Índia tipicamente recebam maior atenção, especialmente como possíveis nações em competição com os Estados Unidos, o consenso é que o Brasil faz parte de pequeno grupo de elite, entre países de “alto-médio” desenvolvimento com programas avançados em pesquisa de mísseis, defesa e espaço.1
Dentro da América Latina, em particular, o Brasil é sem igual em capacidade [e recursos]. Embora alguns países Latino-Americanos já possuam certo tipo de programa espacial, tais empreendimentos foram, na maioria, relegados ao desenvolvimento de satélites e tecnologia aeroespacial relacionada e, com frequência, dependem de parceiros estrangeiros para o desenvolvimento tecnológico. Além disso, necessitam de tecnologia estrangeira para os lançamentos. Em contraste, embora o Brasil colabore com, e até dependa de outras nações espaciais mais avançadas para ajudar a estabelecer seu programa (da mesma forma que os E.U.A. e a União Soviética com a captura de cientistas especializados em foguetes V-2 Nazistas, após a II Guerra Mundial), principia agora, a alcançar o ponto de lançamento independente com programas consideravelmente mais sofisticados, diversificados e avançados que a maioria das nações emergentes.2
Analisamos aqui, a justificativa, trajetória e função que o programa espacial brasileiro atual desempenha para com a segurança nacional do país e sua agenda de desenvolvimento. O Brasil é o maior país Latino-Americano e possui a mais alta população. Conta com a 10a economia no mercado de câmbio internacional e é a 9a em poder aquisitivo.3 O desenvolvimento do programa espacial brasileiro evoluiu como a extensão natural da estratégia do país a longo prazo para estabelecer a hegemonia regional, abrangendo não só a América do Sul, mas também o Oceano Atlântico Sul. Mais uma justificativa para ser considerado como futuro líder mundial, possivelmente levando a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O Céu Não é Mais o Limite
Como o já falecido astrônomo e cientista, Carl Sagan, observou de forma astuta, “...os governos não despendem vastas quantias de dinheiro somente para o benefício de ciência e tecnologia ou, meramente para explorar. Necessitam de outro propósito e de senso político real.”4 O que Sagan compreendia é que a potência espacial da era moderna é essencial para compreendermos e medirmos a potência nacional. Os voos orbitais tripulados da China e o teste de sistema balístico anti-satélite em 11 de janeiro de 2007 demonstraram, de forma nua e crua, que a potência nacional ainda é avaliada e medida, em grande parte, pela autonomia de cada nação. Atualmente, entre os possíveis tesouros nacionais, um programa espacial possui alto destaque, uma faceta integral de toda estratégia de segurança nacional das potências atuais.
A disciplina referente a foguetes e programas espaciais são fundamentais para avaliarmos potências. Isso desde o programa de foguetes bem sucedido da Alemanha Nazista com o lançamento de um foguete V-2 a uma altitude de 80 quilômetros a Mach 4.4.5 Desde então, tanto os E.U.A. como a União Soviética dedicaram grandes recursos e estratégia para o uso de mísseis balísticos. E embora a declaração feita por Winston Churchill em 1946 da “cortina de ferro” através da Europa seja comumente aceita como o início metafórico da Guerra Fria, em prática, o lançamento do Sputnik pela União Soviética em 1957 foi o que elevou o agudo senso de urgência da competição ideológica entre o Oriente e o Ocidente. O sucesso do Sputnik cimentou os programas espaciais para os geoestrategistas, não só como simples fator, mas sim como ponto crucial na avaliação de potência nacional da era moderna. A capacidade de lançar cargas ao espaço tornou-se questão de soberania, segurança nacional e mais tarde, vantagem econômica, além de monitoramento de comunicações e meio ambiente.
Os benefícios de programas espaciais bem sucedidos foram muitos e estabeleceram a base para muita luta durante a Guerra Fria. Primeiramente, as considerações práticas foram inevitáveis, à medida que questões táticas tomaram um aspecto verdadeiramente tri-dimensional com o aperfeiçoamento de comunicações, cartografia e a habilidade de usar satélites para atividades espiãs. É o tipo de equipamento que orbita, lá bem do alto, o território soberano e está fora do alcance de possível defesa pela nação. Isso foi decisivo, especialmente após a União Soviética abater o avião espião U-2 pilotado por Francis Gary Powers em 1960. Os limites de soberania nacional pós-Westphalia, uma vez mais tornaram-se nebulosos. Em segundo lugar, mas também importante, os programas espaciais providenciaram à nação o meio de praticar, aperfeiçoar e desenvolver melhor tecnologia dentro do próprio país, assegurando assim, a segurança nacional sem dependência estrangeira.5
E finalmente, um bom programa espacial com capacidade de lançamento independente, tornou-se meio para destacar o prestígio nacional dentro e fora do país. Entre as super-potências durante a Guerra Fria, os programas espaciais tornaram-se vitrina onde essas nações em oposição podiam exibir a suposta superioridade das respectivas sociedades. Além de colocar satélites em órbita, ser o primeiro a alcançar os vários objetos do sistema solar – a Lua, Venus e, em particular, Marte – vieram a ser as etapas ao longo do caminho para os Estados Unidos e a União Soviética, a fim de estabelecer a hegemonia terrestre. É difícil negar o poder simbólico de cidadãos orbitando a Terra ou andando na Lua, mesmo com resultados científicos relativamente modestos. Durante quase duas décadas (1957-1975) a “corrida espacial” ocupou o centro do palco para as estratégias de segurança das super potências.
Assim, o empreendimento para colocar foguetes mais poderosos em produção, a fim de lançar cargas cada vez maiores ao espaço tornaram-se a força motriz para a pesquisa espacial, ocupando papel principal nas doutrinas de segurança nacional das principais potências mundiais. Além dos Estados Unidos e da União Soviética, outras nações em desenvolvimento como a França, Grã-Bretanha e mais tarde o Japão desenvolveram programas de mísseis balísticos, que evoluíram até os programas espaciais atuais, capazes de lançar uma variedade de satélites, tanto para uso civil como também militar. Hoje, virtualmente todas as nações em desenvolvimento investem em tecnologia espacial, pois o espaço não é mais o domínio único das super-potências.
Os Países em Desenvolvimento
Incluem o Espaço
Embora a busca de acesso ao espaço tenha sido normalmente associada às nações mais ricas e desenvolvidas, um número cada vez maior de “pequenas” e “médias potências em ascenção” buscam, também, adicionar ou possuir capacidades espaciais à lista de prioridades de segurança nacional. A produção de tecnologia espacial oferece a essas potências opção estratégica poderosa, que pode vir a ser a opção favorecida, devido ao custo-benefício: um financiamento relativamente modesto em pesquisa gera grandes ganhos em orgulho nacional e prestígio internacional. Assim, um programa espacial é quase um passo obrigatório, a fim de soerguer a posição do pais à potência regional ou mundial. Os países em desenvolvimento, tais como a Malásia, México, Índia e Nigéria, em si tão diversos, estabeleceram programas espaciais dedicados à tecnologia de telecomunicações via satélite, serviços meteorológicos, vigilância do meio ambiente e, recentemente, serviços de posicionamento geográfico.
O que a maioria dos programas espaciais não possuem, contudo, é capacidade de lançamento independente para colocar cargas em órbita, sem a qual, a dependência em outras, grandemente reduz o poder soberano real e percebido através do programa espacial. Contudo, um punhado de nações em desenvolvimento alcançaram tal estágio crítico. Embora nações como a Coréia do Norte recebam grande atenção da mídia, devido à pesquisa avançada em foguetes, uma lista mais abrangente inclui um punhado de potências regionais em ascenção. Esse crescimento ficou em evidência durante a década passada, com o envio de tripulações à órbita terreste e o advento da sonda Lunar pela China, sem mencionar o desenvolvimento de capacidade de lançamento interno pela Índia, inclusive a lunissagem bem sucedida da sonda Chandrayaan-I, em novembro de 2008.
Nesses e outros exemplos, os programas espaciais de países em desenvolvimento servem quase sempre as mesmas funções que os das antigas superpotências: ganhar prestígio entre as nações, especialmente obter experiência e aumento de capacidade para a indústria espacial e ser tão autônomo quanto possível. Assim, através da competição, reduzir o custo de lançamentos ao redor do globo. Contudo, a maioria das nações em desenvolvimento ainda não possui essa capacidade e usa recursos estrangeiros para alcancar as metas. O Brasil, por outro lado, é um dos poucos países em desenvolvimento que perseverou para conseguir lançamento autônomo.
A Justificativa para o Programa Espacial Brasileiro
A ênfase cada vez maior em programa espacial pelo Brasil é vital componente para a estratégia de segurança nacional. A justificativa do governo brasileiro para com os empreendimentos espaciais é expressa, inequivocadamente, como estratégica para atingir a soberania. Somente os países que dominam a tecnologia espacial possuirão autonomia para evolução global, que consideram tanto o impacto de ações humanas como também o de fenômenos naturais. Tais países terão a oportunidade de declarar suas posições e manter-se firmes ao redor das mesas de negociações diplomáticas.”6 Claramente, o Brasil fez a mesma admissão de hipótese que outras nações em anos anteriores – o espaço é meramente outra arena na qual o país deve exercer poderio e assegurar soberania.
As diretrizes espaciais brasileiras sumarizam-se em três objetivos gerais: 1. exercer soberania sobre seu vasto, rico, mas esparsamente povoado interior geográfico 2. desenvolver-se econômica e militarmente, a fim de obter a suposta merecida posição de liderança regional e 3. receber eventual reconhecimento como potência mundial. Primeiramente, em integridade territorial, a posição do Brasil como o maior país da América Latina faz com que seja um país hegemônico por natureza, mas isso não quer dizer sem desafios. Entretanto, com mais de 80 por cento dos 185 milhões de habitantes residindo dentro de uma faixa de 400 quilômetros da Costa Atlântica, grande parte do país é sub-povoada, com uma média de somente 18 pessoas por quilômetro quadrado. O Brasil adotou certas iniciativas no decorrer dos anos para expandir e fortalecer a integridade territorial.
A Operação Amazônia, pela primeira vez advogada pelo Presidente Castelo Branco em 1966, foi um programa que incentivava a migração para o interior. Em 1970 foi lançado o Plano de Interação Nacional para assegurar o controle nacional do vasto interior através de construção de estradas, relocação humana e subsídios agrícolas. No mesmo ano, como resultado da denominada “Guerra da Lagosta” com a França (uma disputa sobre direitos de pesca) o Brasil, unilateralmente, extendeu as águas territoriais a 360 quilômetros da costa.7 Finalmente, em 1984 expandiu seu alcance ao declarar a Antártica como “área de interesse” (tornando-se o terceiro país Latino Americano a pronunciar-se). Contudo, como signatário do Tratado do Sistema da Antártica de 1959 não reivindicou território formalmente. Esse lance faz parte dos que os estrategistas geopolíticos brasileiros chamaram de defrontamento, uma teoria que patrocinava maior presença no Atlântico Sul para o país.8
Da mesma forma, um tema que predomina há muito em sua jornada para reconhecimento como potência mundial foi o uso eficaz de extensos recursos naturais para o desenvolvimento econômico: a mudança da capital do país a Brasília em 1960; vários projetos hidroelétricos imponentes e extensos empreendimentos agrícolas. Os empenhos brasileiros audaciosos são equiparados às ambições do país para ser reconhecido como potência emergente. Assim, para melhor compreender as inferências do ingresso brasileiro ao espaço e o papel que seu programa espacial desempenha na estratégia de segurança nacional, seria útil colocá-lo em contexto com a evolução dos programas de segurança nacional mais amplos e as necessidades estratégicas.
É importante notar aqui que além dos fatores tangíveis delineados abaixo, devemos considerar outra questão mais subjetiva, porque oferece certo nível de justificativa aos projetos em expansão e à agenda de segurança, ou seja, a perene noção brasileira de grandeza. Como vivem em um país que é, de longe, o maior da América Latina (um pouco maior que os 48 Estados norte-americanos contíguos), os brasileiros tradicionalmente veem seu país como potência regional natural e possívelmente mundial. Esse conceito de grandeza vai longe para compreender a lógica de seu desenvolvimento nacional e prioridades de defesa. Essa percepção de porvir é defendida pela sua localização geoestratégica, ao longo de linhas marítimas de comunicação no Atlântico, do equador à Antártica. A Argentina sempre resistiu a essa noção de hegemonia regional mas, após sua derrota na Guerra de Falkland / Malvinas em 1982, os geoestrategistas brasileiros pensaram que o Brasil deveria preencher o vácuo por ela deixado. Décadas antes, o ex-Presidente Juscelino Kubitschek havia declarado que o Brasil produziria “50 anos de desenvolvimento, em cinco.” Do final da década de 1950 a meados de 1970, durante o período conhecido como O Grande Brasil, o governo brasileiro colocou em execução uma série de grandes projetos intrépidos, cuja lista era um exagero em engenharia: a maior ponte do mundo, a maior represa hidroelétrica do mundo, a Auto-Estrada Trans-Amazônica. Também possuía planos para uma rede de até 10 usinas nucleares (em cooperação com a Alemanha Ocidental).9
Dessa forma, a criação de um programa espacial encaixa-se de maneira lógica a esses planos grandiosos. Os governos militares sucessivos (1964-1985) prediziam com toda a confiança que o país iria fazer parte das potências espaciais mundiais, lançando satélites fabricados no Brasil com foguetes feitos no Brasil. Assumia-se também que o programa espacial iria incentivar certo grau de independência tecnológica em diversos setores, tais como informática, indústria de armamentos, energia nuclear e tecnologia de satélites a um país que era, por tradição, voltado à questões internas.
O Desenvolvimento da Estratégica Nacional Brasileira
A expansão da conscientização geopolítica brasileira teve início em princípios do século 20 e continuou até o término da II Guerra Mundial. Durante esse período de tempo o gasto em defesa do país aumentou em curva geométrica, em reação à ações de seu perene rival, a Argentina e, a fim de estabelecer sua hegemonia na América do Sul, particularmente em virtude da participação secreta da Argentina na Guerra do Chaco (1932-1935) e suas tendências militares pró-Axis no início da década de 1940. O ingresso definitivo do Brasil à Campanha Italiana durante a II Guerra Mundial com a Força Expedicionária Brasileira marcou o momento decisivo. Embora sua contribuição fosse relativamente modesta, comparada ao empreendimento total da guerra, o Brasil foi um dos dois países Latino-Americanos que participou ativamente na guerra (o outro foi o México, que contribuiu com um esquadrão aéreo durante a guerra do Pacífico). Os estrategistas brasileiros percebiam a participação ativa do Brasil em assuntos mundiais como essencial à aspiração do país para ser levado a sério como possível potência mundial.
A jornada do Brasil em busca a esse reconhecimento levou o país a iniciar o desenvolvimento de foguete e programa de energia nuclear independentes no final da década de 50. Durante a administração do Presidente JK (1956-1961) o Brasil começou a desenvolver o programa nacional de energia nuclear e armamentos, em parte para reagir à programa similar pela Argentina. Essas ambições nucleares foram mais tarde aceleradas pelo subsequente governo militar, que perseguiu uma variedade de métodos com urânio enriquecido em todas as Forças Armadas.10 O plano chegou ao ponto de construir um poço de 300 metros de profundidade no Estado Nortista do Pará para testes nucleares que nunca foram levados a efeito. Em consequência, a gênese do programa espacial moderno brasileiro pode ser traçada ao desenvolvimento dado aos programas de urânio enriquecido e de mísseis balísticos durante a ditadura militar.
Uma das prioridades simultâneas do governo militar foi o programa de mísseis balísticos. Em 1965, o Brasil lançou foguetes de sondagem do recém construído Centro de Lançamento Barreira do Inferno no Estado do Rio Grande do Norte. Seu programa nacional meteorológico teve início no ano seguinte. Mais de 2.000 lançamentos bem sucedidos foram feitos daquele local.11 Durante esse período, os estrategistas Brasileiros começaram a prever a necessidade de programa espacial para a segurança nacional, baseado em três areas de estratégia geral: gerenciamento de recursos, desenvolvimento econômico e nacional e, defesa e integridade territorial (abaixo).
A formalização do programa espacial iniciou-se em 1961 com a criação do Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (GOCNAE), designado pela presidência para examinar as necessidades do país, a fim de estabelecer um programa espacial viável. Durante os próximos trinta anos, o Brasil gastaria cerca de $1.5 bilhões de dólares para aperfeiçoar a tecnologia balística, até mesmo criando programas universitários especializados de engenharia e física para apoiar o projeto. Devido em grande parte a esses avanços, o Brasil veio a ser um dos signatários originais do OST [Outer Space Treaty – Tratado do Espaço Sideral] o qual, entre outras proibe a colocação de armamentos em órbita. Embora 91 países assinassem o OST, o Brasil foi um dos poucos que na verdade possuía a ambição e meios para estabelecer um programa espacial que poderia infringir o tratado.
Assim mesmo, pressionado pela contínua rivalidade, já de anos com a Argentina, e seu ambicioso programa de mísseis balísticos Condor II nos anos 70 e início de 80, o Brasil colocou recursos cada vez maiores para aperfeiçoar a tecnologia relacionada à defesa, especialmente tecnologia de mísseis. Criou o primeiro gabinete espacial para tecnologias relacionadas ao espaço em 1969 com o estabelecimento do Instituto de Atividades Espaciais,13 consolidado em 1971 em Comissão Brasileira de Atividades Espaciais (COBAE), sob o Ministério da Aeronáutica. Presidido pelo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, o objetivo do programa era, sem qualquer desculpa, militar em orientação e buscou produzir a auto-suficiência brasileira em tecnologia de mísseis. O programa teve suficiente sucesso para que os Estados Unidos colocassem em vigência uma proibição [de transferência] de tecnologia de mísseis ao Brasil, porque os EUA possuíam grandes ressalvas contra um míssil balístico, possivelmente com armas nucleares brasileiras. Afinal, verifica-se que tal preocupação não era infundada.
O Brasil iniciou pesquisa própria em fissão nuclear na década de 30. Inicialmente tentou adquirir centrífugas da Alemanha Ocidental em 1953. Acabou adquirindo reatores nucleares e combustível dos Estados Unidos na década de 60. Entretanto, os governos sucessivamente militares sentiram-se cada vez mais restritos pelos limites impostos pelos Estados Unidos em transferência de tecnologia. Assim, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, o Brasil saiu da esfera de Washington e uma vez mais abordou a Alemanha Ocidental, entrando em acordo em 1975. Tal acordo agendava até oito reatores nucleares sem a supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica International Atomic Energy Agency [IAEA]. Embora fosse um dos signatários do Tratado de Tlatelolco de 1967, que proibia armas nucleares na América Latina, o governo militar brasileiro, sem embargo, achava que a opção nuclear era crucial aos planos de segurança do país a longo prazo, porque permitia a transferência de tecnologia nuclear a um programa secreto de enriquecimento de urânio, com o código de Solimões (apropriadamente designado com o nome da cabeceira do Rio Amazonas). O objetivo era dominar todas as fases da produção de energia nuclear, inclusive aquelas para possível uso militar.14
Juntamente com o programa cada vez maior de mísseis, esse arranjo formou a base para o programa de defesa do país, que era dissuadir a Argentina de maneira crível. O programa foi publicamente rechaçado pelo Presidente Collor de Mello em 1990 e dois anos mais tarde o Brasil assinou o Tratado de Não-Proliferação o que afetou a legislatura doméstica (Lei 9112) para com a regulamentação da exportação de tecnologia de enriquecimento de urânio, a qual, em parte, era vista como passo necessário para a importação de tecnologia espacial civil estrangeira.15 Mesmo assim, tudo indica que as forças armadas brasileiras continuam a evitar os controles e seguem com programas secretos de aperfeiçoamento de enriquecimento de urânio.16 Embora já signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear desde 1995, o Brasil continuou a por em prática um programa acelerado de energia nuclear. A diretriz oficial do Brasil, declarada pela primeira vez em 1975, é ser completamente auto-suficiente em produção de urânio para energia nuclear até 2014, possuindo o suficiente para exportação.17
De Projéteis à Propulsão
de Foguetes
O desenvolvimento da indústria de defesa interna ocorreu ao mesmo tempo que o aumento em programas nucleares e de foguetes, com a produção de armamentos de alta qualidade, alcançando o apogeu durante a década de 80. As indústrias militares brasileiras cresceram de forma dramática durante os anos 70, findando a longa dependência do país em fornecedores estrangeiros. O país veio a ser o líder em exportação de armamentos entre os países emergentes.18 A indústria de defesa alcançou tal capacidade e qualidade que o país transformou-se em um dos exportadores principais de pequenas armas, produtos básicos de defesa, como radares e, até mesmo, tecnologia de armamentos nucleares e químicos. Floresceu extensa rede de indústrias de defesa e, no início dos anos 80 o Brasil passou a ser o 11° exportador de armas do mundo.19
Durante os anos 80, seu maior mercado regional foi o Oriente Médio, ao qual vendiam, aproximadamente, metade das armas. Quase meio bilhão de dólares em transferência de armas, de 1985 a 1989, foi ao Iraque, durante a Guerra Iran-Iraque.20 A maior parte sob forma de uma das exportações mais bem sucedidas e lucrativas do período, o Astros II lançador de foguetes múltiplos, fabricado por Avibrás Indústria Aerospacial, que se especializa em foguetes, mísseis, aeronaves e telecomunicações. Ao mesmo tempo, Avibrás estava projetando mísseis balísticos para as forças armadas com alcance de até 1.000 quilômetros. A ambição de vendas militares brasileiras foram mais além da entrega de sistemas. Além disso, de 1981 a 1982 o Brasil vendeu secretamente ao Iraque, dióxido de urânio (usado em varas de combustível nuclear) sem notificar a IAEA.21
Um dos resultados principais desse re-enfoque de prioridades foi que no início de 1987 o Brasil havia se transformado de importador de tecnologias relacionadas à defesa a um dos principais exportadores de pequenas armas, tanques, aeronaves e navios.22 Mas, após a queda do regime militar, ao início de 1985, a indústria de defesa desmantelou-se. Em princípios de 1990, a exportação de armas ficou reduzida a somente 3 milhões de dólares em vendas anuais e os três maiores fabricantes declararam bancarrota. O resultado foi que até 1994 todos os programas balísticos e de mísseis foram transferidos à empresas particulares.
O Espaço Toma o
Centro do Palco
Enquanto o complexo militar-industrial brasileiro alcançou o apogeu e entrou em declínio, seu programa espacial continuava firme. Em 1981, a COBAE, administrada pelos militares, passou a ser a Missão Espacial Completa Brasileira (MECB) que teria um alcance mais amplo de interesses de segurança nacional, refletindo a admissão do Brasil de realidade nacional e internacional mais complexas. Outorgados com orçamento generoso de 1 bilhão de dólares, expandiram-se os objetivos declarados do programa para incluir um grupo de prioridades nacionais mais amplas: 1. buscar e monitorar recursos naturais 2. mapear a região da Amazônia e rastrear o desmatamento 3. supervisar atividades agrícolas e 4. providenciar telecomunicações.23 Ademais, as autoridades brasileiras declararam abertamente que desejavam usar a capacidade de lançamento do país para ingressar ao mercado de lançamento espacial comercial internacional, “inclusive no setor militar”, de forma competitiva.24
A fim de alcançar essa meta, em 1982 o governo brasileiro iniciou a construção do Centro de Lançamento Alcântara na costa Atlântico Norte, no Estado do Maranhão, uma estação de rastreamento em Cuiabá, no Estado Oeste de Mato Grosso e um centro de controle de missão, em São Paulo. Erigido em 62.000 hectares apropriados dos habitantes locais e ao custo de quase meio bilhão de dólares, Alcântara é o estabelecimento de lançamento mais próximo do equador (menos de dois graus sul), dessa forma, o melhor local de lançamento do mundo, devido a eficiência (i.e., os lançamentos de Alcântara usam 30 porcento menos combustível para alcançar órbita do que os lançamentos do Cabo Canaveral, Florida, E.U.A., ótima vantagem para o lançamento de satélites geossíncronos). As dependências também abrigam a própria telemetria meteorológica e operações de montagem de veículo. O Brasil espera colher os benefícios oferecidos por esse estabelecimento, aprendendo a tecnologia de ponta que eventualmente auxiliará o país a desenvolver sua própria indústria de satélites.
De especial importância ao país em anos recentes foi a capacidade de monitorar o desmatamento da região Amazônica, que abrange cerca de um terço do país, bem como cerca de dois-terços de todas as florestas tropicais terrestres. Embora quase sempre ignorando as atividades madeireiras ilegais, o governo brasileiro declarou que a preservação da Amazônia é questão de segurança nacional e, na última década a legislatura buscou regular o abatimento ilegal de árvores.25 O Ministro de Ciências começou a monitorar o desmatamento em 1988, via USGS [United States Geological Survey – Levantamento Geológico dos Estados Unidos], usando imagens LandSat. Mas com o primeiro satélite brasileiro em 1993 – o SCD1, Satélite de Compilação de Dados, o Brasil começou a monitorar a região através do PRODES [Projeto de Monitoramento do Desflorestamento da Amazônia]. Um satélite mais recente, CBERS [Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres], produziu resultados impressionantes, um tanto inquietantes. Revelou que a floresta está desaparecendo duas vezes mais rápido do que se calculava, liberando 100 milhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera por ano.26 Resulta agora, que o Brasil lidera o estudo de emissões de carbono, devido a queima de matas.
Um dos motivos para seu sucesso foi o fato de que a capacidade tecnológica cresceu tanto que acabou sendo um entre os dois países em desenvolvimento (a Argentina foi o outro) a assinar o Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis [Missile Technology Control Regimen – MTCR], um acordo que buscou o controle da proliferação de mísseis balísticos de capacidade nuclear. Embora não seja um tratado, o acordo resultou em adiamento do programa de mísseis brasileiros, pois a MTCR forçou o cancelamento do proposto programa de cooperação de desenvolvimento de mísseis com a França.
O Programa Espacial Brasileiro Atual e Futuro
A jornada para se chegar à capacidade de navegação espacial era parte intrínseca do “cabo de guerra” entre a supremacia civil e militar brasileiras. A primeira agência espacial civil do país foi criada em 1994, onde a maioria da pesquisa do programa espacial anterior havia estado sob o controle das forças armadas brasileiras. Mas, apesar de tentativas sobre-humanas, nem sempre estava claro se o Brasil conseguiria alcançar o objetivo de programa espacial autônomo. Certos observadores tinham lá suas dúvidas. Um estudo da Rand Corporation de 1993 concluiu que as ambições espaciais brasileiras não eram economicamente viáveis.27 Contudo, os objetivos nunca foram baseados puramente em economia. Foram impulsionados, em grande parte, pelas necessidades de segurança nacional. Ao mesmo tempo, o Congresso Norte-Americano notou, de forma nítida, que o Brasil estava aumentando os empreendimentos para um programa espacial Sino-Russo-Brasileiro, a fim de circundar a proibição dos E.U.A. de transferência de tecnologia. Embora os EUA finalmente abandonassem as objeções contra a venda de tecnologia Russa ao Brasil, em 1996 o Congresso Norte-Americano uma vez mais expressou preocupação acerca da compra de tecnologia ICBM pelo Brasil.28
O projeto do veículo de lançamento nacional, Veículo Lançador de Satélites (VLS) iniciou aos trancos e barrancos. Como foi uma especulação civil-militar com a Força Aérea Brasileira, o VLS era visto como o equivante Brasileiro ao Ariane-5 da Agência Espacial Européia [European Space Agency] – um veículo para lançamentos domésticos e estrangeiros, poderoso e confiável, com fins lucrativos. Contudo, em agosto de 2003, uma explosão acidental do primeiro estágio do foguete no Centro de Lançamentos Alcântara resultou em morte de 21 engenheiros e líderes técnicos, reduzindo a plataforma a escombros. Atribuído a insuficiente financiamento e má administração, foi o terceiro lançamento fracassado do foguete VLS (as tentativas anteriores ocorreram em 1997 e 1999). Os lançamentos fracassados são corriqueiros para todos os países espaciais durante o desenvolvimento de veículos de lançamento (como aconteceu com o US. Apollo I e o N-1 Soviético). Contudo, para surpresa de muitos analistas, somente 14 meses após, o Brasil lançou um foguete VSB-30, que portava “mini satélite” a 260 quilômetros, com sucesso, i.e., à baixa órbita terrestre. Um segundo lançamento foi feito logo após. Embora o plano agendasse 22 lançamentos até 2014, espera-se que um veículo de lançamento atualizado, o VLS 2 ou o Alfa entre em serviço e lance um satélite fabricado no Brasil até 2012.29 Embora os ganhos, até agora, tenham sido modestos, tais sucessos colocaram o Brasil no mapa como espaço-porto emergente, um dos poucos existentes mundialmente.
Além de seguir avante com o programa de lançamento, o país continua a estabelecer a reputação de parceiro responsável em programas espaciais, mas não sem certo custo. Em 1997, a convite da administração Clinton, o Brasil foi o único país em desenvolvimento em longa lista de potências espaciais desenvolvidas a contribuir tecnologia à Estação Espacial Internacional. Embora aparente gesto de boas graças, o convite foi, na verdade, um complô da administração Clinton com o intento de moldar o programa espacial nuclear brasileiro, a fim de favorecer os interesses norte-americanos.30 Inicialmente prometendo uma contribuição de US $120 milhões em equipamento de voo, o Brasil mais tarde foi forçado a reduzí-lo a US $10 milhões em virtude da persistente dívida estrangeira. Embora menor, essa contribuição encaixa-se ao perene interesse em cooperação espacial pelo Brasil, o que os oficiais brasileiros, sem dúvida, esperam gerar dividendos para avançar a posição do Brasil como potência mundial.
Em julho de 1988 o Brasil e a China assinaram um protocolo de cooperação para a manufatura de satélites com sensores remotos de alta resolução CBERS-1 e CBERS-2. A cooperação foi muito bem sucedida e louvada como exemplo de cooperação tecnológica “Sul-Sul”.31 Em outubro de 2004 o Brasil assinou outros acordos com a China para a construção de satélite de alta resolução de imagens (DBERS-2B), lançado em 2007 a bordo do foguete Chinês Longa Marcha. Há um acordo que se estende até 2014, com a opção de dois outros modelos. Em gesto de reciprocidade, a China está considerando o envio de seus foguetes poderosos Longa Marcha ao Brasil para lançamento de Alcântara.
Não importa os sucessos, o programa espacial batalha para superar a luta interna inerente à burocracia, corrupção e uma quase legendária péssima alocação de fundos. Antes de 2003, 95% dos parcos $10 milhões de orçamento foram a Embraer, a quarta maior fabricante de aeronaves civis do mundo, e somente 0.5% encaminhados ao programa espacial.32 Mas, após a explosão de 2003, o governo brasileiro adotou uma metodologia completamente diferente. Além de abrir as portas do programa ao escrutínio estrangeiro, especialmente sob forma de acessores russos, o governo aumentou drasticamente a verba a US $100 milhões para o ano fiscal de 2005, que ainda assim, ficava atrás da Índia e China com orçamentos anuais para programas espaciais de US $300 milhões e US $1.8 bilhões, respectivamente.33 Ainda assim, esse número representa um aumento de 235 porcento sobre os desembolsos de 2003 e é um sinal bem claro da importância que o governo de Lula coloca ao programa espacial. Finalmente, em 2009, o governo brasileiro rapidamente mudou de diretrizes, alocando US $343 milhões ao programa espacial, quantia idêntica aos competidores.34
Mas, apesar do esforço gasto para alcançar autonomia em sistemas de lançamento, o Brasil busca parcerias, a fim de aumentar a capacidade e imagem de parceiro espacial. Em outubro de 2003, o INPE [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] do Brasil assinou um documento de empreendimento conjunto de missões comerciais [joint venture] com a Ucrania, que lançaria um foguete classe média Tsyklon 4, de Alcântara.
A projeção é de doze lançamentos por ano, durante 10 anos, com início em 2007, o que faz do Centro Alcântara um dos espaço-portos principais do mundo.35 Outros acordos de colaboração foram feitos com a Argentina, Canadá, China, Alemanha, Índia e Israel em projetos que vão de radares de visão noturna (com a Alemanha) à construção de satélites (China e Israel).
A colaboração mais visível, contudo, foi com a Rússia. Em novembro de 2004 o Brasil assinou um ”memorando de entendimento” (MOU) com a Agência Espacial Federal Russa, que criará uma nova geração de veículos de lançamento capazes de portar satélites maiores, bem como a versão de VLS com propulsor líquido. Logo após, em 2008, o Brasil finalizou o acordo com a Rússia para projetar uma série inteiramente nova de veículos de lançamento em um programa denominado Cruzeiro do Sul, que providenciaria ao Brasil três classes de capacidade de carga (pequena, média e pesada). [Esses veículos] baseados no recente foguete russo Angara entrariam em campo em 2022.36
A Rússia também concordou em melhorar os sistemas de telemetria e rastreamento, bem como aperfeiçoar a infraestrutura terrestre nas dependências de lançamento de Alcântara.
Os Benefícios e
os Problemas
Os benefícios presentes e futuros do programa espacial brasleiro são muitos. A curto-prazo o Brasil, com êxito, passou a ser importante participante no negócio de lançamento de satélites, possivelmente um competidor tanto para a NASA como para a ESA. Os lançamentos de satélites comerciais tem a possibilidade de gerar até US $100 milhões [em verbas] ao ano para o Brasil. Contudo, os benefícios mais óbvios desse programa ambicioso não se encontram no vácuo espacial.
Em primeiro lugar, o fato de ser potência espacial dá mais respaldo à disputa pelo assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (UNSC). Como um dos denominados “países G4” que competem para conseguir um assento (juntamente com a Alemanha, Índia e Japão) o Brasil coloca-se em boa posição com o programa espacial. Mais uma prova de capacidade de potência regional, da mesma maneira que os membros atuais da UNSC fazem uso da posição singular em que se encontram, tanto como vitoriosos da Segunda Grande Guerra como também potências nucleares declaradas. Uma vez que o Brasil já havia renunciado à manufatura de armas nucleares através da ratificação dos Tratados de Não-Proliferação Nuclear e Proibição Total de Testes Nucleares (NPT), tal trunfo não é opção viável (embora o Presidente Lula tenha mencionado o programa para a construção de submarino nuclear). Contudo, deve-se notar que a assinatura do NPT pelo Brasil permite que faça uso da opção de energia nuclear. Em 2009, os oficiais brasileiros abriram as dependências de Resende II para o enriquecimento de urânio, fechando, assim, o ciclo de energia nuclear para o país, eliminando sua dependência em fontes estrangeiras. Uma terceira usina nuclear está agendada para entrar em operação até 2014. Tudo isso em conjunto com o programa espacial mais independente e a capacidade de lançamento cada vez maior, o Brasil coloca-se em boa posição para apresentar argumentos à sua inclusão como membro permanente da UNSC.
Em segundo lugar, uma consideração de igual importância é que o programa espacial, juntamente com o enriquecimento nuclear, dará ao país maior grau de autonomia da influência norte-americana, algo que vem irritando o Brasil desde o final da Segunda Guerra Mundial. Esses marcos delimitam certa liberação de dependência tecnológica para com os EUA. Em perfeita ironia, os Estados Unidos que representam quatro quintos de todos os lançamentos espaciais comerciais, desde 2000, permitiram o lançamento de veículos espaciais americanos por potências estrangeiras. Isso pode resultar que o Brasil irá captar até 10 porcento dos lançamentos de satélites (especialmente americanos) durante a proxima década, gerando uma renda calculada em US $30 milhões anuais.
Finalmente, um bom programa espacial oferece ao Brasil uma vantagem econômica, comparado aos vizinhos Latino Americanos e a maioria das nações em desenvolvimento. O Brasil já lidera outros países Latino Americanos em número e capacidade de satélites de telecomunicações e imagens. Mas o grande obstáculo que o governo brasileiro encara não é tanto técnico mas burocrático. Devido a estrutura protecionista e antiquada das leis de impostos, os grandes fabricantes de satélites ativamente cortejam lançadores estrangeiros e isso acaba sendo contraproducente ao objetivo de autonomia que perseguem com tanto afinco.37
Em suma, o Brasil alcançou êxito em grande parte ao criar um programa espacial recente, mas que funciona, rivaliza ou ultrapassa praticamente os de outras nações em desenvolvimento.38Juntamente com amplas bases tecnológicas e de recursos, o Brasil está posicionado para utilizar essa nova capacidade de lançamento para projetar sua reivindicação à grandeza como potência mundial em ascenção para o século XXI. Como o legendário Pelé, que confundia e maravilhava os rivais, o Brasil parece estar intento em comprovar sua posição entre as potências mundiais - botão de lançamento a postos.
Notas:
1. United States Senate Select Committee on Intelligence, 11 janeiro 2007.
2. Theresa Hitchens, “US Space Policy: Time to Stop and Think,” Disarmament Diplomacy, No. 67, October-November 2002, http://www.acronym.org.uk/dd/dd67/67op2.htm.
3. Central Intelligence Estimate, 2008, www.civ.gov/worldfactbook.
4. Carl Sagan, Pale Blue Dot: A Vision of the Human Future in Space (New York: Ballantine Books, 1994), 25.
5. Michael J. Neufeld, The Rocket and the Reich: Peenemunde and the Coming of the Ballistic Missile Era (New York: Free Press, 1994), 87.
6. Esta consideração, por exemplo, foi o que levou à produção do tanque U.S. M1 Abrams. O Exército dos E.U.A. originalmente havia considerado a compra do tanque Leopard da Alemanha (Ocidental), mas decidiu não fazê-lo para não depender de potência estrangeira para o principal tanque de batalha.
7. Agência Espacial Brasileira, Programa Nacional de Atividades Espaciais: 2005-2014, Ministério da Ciência e Tecnologia, Brasília, 2005, 8.
8. Edmund Jan Osman´czyk, Encyclopedia of the United Nations (London: Taylor & Francis, 2003), 1334.
9. Michael A. Morris, The Strait of Magellan, Martinus Nijhoff Publishers, 1989,134.
10. Michael Barletta, “The Military Nuclear Program in Brazil,” Stanford, CA, Center for International Security and Arms Control, agosto 1997, 2.
11. Rodney W. Jones, et. al., “Brazil: Tracking Nuclear Proliferation 1998,” Washington, DC, Carnegie Endowment, 1998, 2, http://www.carnegieendowment.org/files/ ... brazil.pdf.
12. Demetrio Bastos-Netto, Dilemmas in Space Strategy for Regional Powers: A Brazilian Perspective, Strategic Choices for Small and Middle Powers, Rand Corporation, março 2001, 120.
13. Ministério da Ciência e Tecnologia, http://www.inpe.br/institucional/historia.php.
14. Thelma Krug, “Space Technology and Environmental Monitoring in Brazil,” Journal of International Affairs, Vol. 51, No. 2, Spring 1998, 655.
15. Leonard Spector, Nuclear Ambitions (Boulder, CO.: Westview Press, 1990), 221.
16. Wyn Q. Bowen, The Nonproliferation Review, Spring-Summer, 1996, 88.
17. Veja, 14 de agosto de 1991.
18. World Nuclear Organization, http://www.world-nuclear.org/info/inf95.html.
19. Pier A. Abetti and José O. Maldifassi, Defense Industries in Latin American Countries: Argentina, Brazil, and Chile (New York: Praeger Publishers, Westport, CT, 1994), 28–29.
20. Victor Zaborsky, “The Brazilian Export Control System,” The Nonproliferation Review, Summer 2003, 124.
21. Ethan B. Kapstein, The Brazilian Defense Industry and the International System, Political Science Quarterly, Vol. 105, No. 4 (Winter, 1990-1991), 587.
22. International Atomic Energy Agency, http://www.iaea.org/OurWork/SV/Invo/factsheet.html.
23. Richard F. Grimmett, “Trends in Conventional Arms Transfers to the Third World by Major Suppliers, 1980-1987,” Congressional Research Service (Washington, DC), 9 maio 1988.
24. Décio Castilho Ceballos, “The Brazilian Space Program: A Selective Strategy for Space Development and Business,” Space Policy, Issue 3, agosto 1995, 203.
25. Manchete, 13 de maio de 1989, FBIS-LAT, 16 de junho de 1989.
26. Contudo, em janeiro de 2001, o governo brasileiro anunciou um plano de US $40 bilhões para cobrir grande parte da mata Amazônica com 10.000 quilômetros de auto-estradas, bem como represas, linhas elétricas, minas, campos de gas natural e petróleo, canais, portos e zonas madeireiras, http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/1125419.stm.
27. Peter N. Spotts, “Satellite images reveal Amazon forest shrinking faster,” Christian Science Monitor, 21 October 2005, http://www.csmonitor.com/2005/1021/p04s01-sten.html.
28. Brian Chow, Emerging national space launch programs: economics and safeguards, Rand Corporation, 1993. http://www.rand.org/pubs/reports/R4179.
29. Congressional Record, 28 February 1996, E241.
30. Agência Espacial Brasileira, Programa Nacional de Atividades Espaciais: 2005-2014, Ministério da Ciência e Tecnologia, 2005, 82.
31. Darly Henriques da Silva, “Brazilian Participation in the International Space Station (ISS) program: Commitment or Bargain Struck?, Space Policy, Vol. 21, Issue 1, Fev. 2005, 56–57.
32. Yun Zhao, “The 2002 Space Cooperation Protocol between China and Brazil: An Excellent Example of South-South Cooperation, Space Policy, Issue 3, agosto 2005, 213.
33. Mery Galanternick, “Lost in space: a military vision of Brazil in space finds itself grounded by budget realities,” Latin Trade, novembro 2002, 2.
34. Congresso Nacional Brasileiro. 2009 Orçamento Federal, Agência Espacial Brasileira, http://www.camara
.gov.br.
35. “Empresa ucraniana termina fabricação de plataforma para Alcântara,” Agência Espacial Brasileira, Ministério da Ciência e Tecnologia (www.aeb.gov.br), 17 outubro 2006.
36. “Brasil revela novo programa de foguetes,” Folha de São Paulo, outubro26, 2005, FBIS Document LAP20051026032002.
37. “Brazil’s Pursuit of a Nuclear Submarine Raises Proliferation Concerns,” WMD Highlights, March 2008, http://www.wmdinsights.org/I23/I23_LA1_ ... ursuit.htm.
38. “Star One President Says Rules Favor Non-Brazilian Companies,” Space News Business Report, 23 setembro 2003, www.space.com.
Colaborador
Robert C. Harding Robert C. Harding é Catedrático Assistente de Ciência Política e Diretor de Estudos Internacionais para a Faculdade de Spring Hill em Mobile, Alabama, EUA. Possui Doutorado e Mestrado em Estudos Internacionais pela Universidade de Miami, Mestrado em Administração e Bacharelado em Espanhol pela Universidade de Louisville. A Política Latino Americana, Segurança Internacional e Política Espacial são suas áreas de especialização. É autor de três livros e inúmeros artigos de pesquisa nos campos supra citados. Seu último livro em fase de impressão, Space Policy in Developing Countries: The Search of Security and Development of the Final Frontier será publicado pela University Press da Florida em 2010. Oriundo do sul da Indiana, é astrônomo amador desde a infância.
As opiniões expressas ou insinuadas nesta revista pertencem aos seus respectivos autores e não representam, necessariamente, as do Departamento de Defesa, da Força Aérea, da Universidade da Força Aérea ou de quaisquer outros órgãos ou departamentos do governo norte-americano.
Publicado em Dezembro 09