Os Inconvenientes do Inglês para a Comunicação Aeronáutica
Enviado: Sex Out 24, 2008 7:36 pm
fonte: http://www.aleph.com.br/kce/artigo24.htm
Kent Jones (Chicago, EUA)
As Nações Unidas (ONU) surgiram em 1945. E, por sua vez, a ONU criou a Organização Internacional de Aviação Civil (ICAO/OIAC). Em 1951, a OIAC simplesmente recomendou o uso do inglês na aviação civil. Se ao invés dessa simples recomendação houvessem estabelecido uma regra, o aprendizado do inglês seria obrigatório para todos os pilotos, seriam submetidos a exames, além de serem obrigados a dominar essa língua. Mas até hoje o inglês é uma matéria meramente opcional na formação dos pilotos.
Quando se recomendou o uso do inglês, foi por oportunismo. Os EUA dominavam o mundo e não conheceram o estrago da guerra em seu território. Potência econômica e política, os EUA eram o maior produtor de aviões. Nada mais natural do que recomendar o inglês como língua internacional.
Mas naqueles dias nenhum estudo sério havia sido feito com vistas a catalogar as qualidades relativas de outras línguas além do inglês. Até que em 20 de novembro de 1997 a Comissão de Navegação Aérea da OIAC estabeleceu uma missão conhecida pela sigla ATM-9702. Tratava-se de "fornecer um estudo detalhado de todos os aspectos relacionados às comunicações verbais ar-terra e terra-terra na aviação civil internacional", segundo Gene Griffiths, colaborador da OIAC.
O relatório visava assistir a Comissão de Navegação Aérea da OIAC em suas deliberações. Paralelamente ao esforço necessário visando um uso menos aleatório do inglês, a Comissão tem por tarefa procurar uma língua mais adequada para uso nos próximos séculos. Porque o inglês apresenta deficiências que fazem mesmo necessária a sua substituição por uma outra língua.
OS PROBLEMAS ATUAIS
No mundo inteiro, 569 dos 1017 acidentes de avião foram imputados à tripulação. Em outras palavras, foi a tripulação, mais que as deficiências técnicas ou as condições atmosféricas, a principal responsável nesses acidentes. Logo, para alcançar uma maior segurança, é preciso concentrar as atenções sobre a tripulação, mais que nos aspectos físicos. Seu comportamento a bordo provém de informações verbais trocadas, por um lado, entre os membros da tripulação, e por outro entre estes e os controladores de vôo. Em sua participação no jornal da rede CBS em 30 e 31 de março de 1998, Dan Rather destacou os riscos ligados à situação atual.
A falta de capacidade no uso do inglês por pilotos e controladores de vôo de línguas maternas diferentes causa acidentes. Aliás, essa é uma das 5 categorias de acidentes, segundo a Flight Safety Foundation (Fundação para a Segurança de Vôo). A maior parte desses acidentes ocorreram fora dos EUA, mas havia norte-americanos a bordo, o que coloca esse problema tanto para a FAA (agência norte-americana para a aviação) como para a OIAC. Por exemplo, a colisão em pleno céu da Índia em novembro de 1976, na qual estava envolvida uma tripulação que falava três línguas maternas diferentes, fez 349 vítimas, das quais dois norte-americanos. Da mesma forma os membros da tripulação cuja língua materna não era o inglês provocaram os acidentes em Guam, na Indonésia, em Taiwan, e também na Colômbia, em maio de 98.
Além disso, Frank Price, diretor de uma divisão da FAA declarou "Ao contrário do que acontecia anteriormente, o tráfego aéreo internacional vem até o coração dos EUA. Cada um dos Centros de Controle de Tráfego Aéreo da FAA se vê confrontado com o tráfego internacional".
Chega a acontecer até mesmo que os próprios pilotos norte-americanos enfrentem dificuldades usando o inglês, uma vez que falam dialetos e também pelo fato de que no inglês abundam palavras homônimas e homófonas, o que pode provocar interpretações errôneas.
AS DEFICIÊNCIAS DA LÍNGUA INGLESA
A - A existência de inúmeras variantes impede a criação de uma norma.
1) Dado que o inglês espalhou-se pelo mundo tão rapidamente através do colonialismo, existem atualmente vários dialetos do inglês. Por exemplo, o da Austrália, o da Nova Zelândia, o da Irlanda, o da Escócia, o da Índia.
2) Dado que o inglês não é regulado nem por uma Academia, nem por princípios de autoridade, há variantes locais. Por exemplo, nos EUA temos o inglês (norte-americano) do Brooklyn, de Boston, do Sul dos Estados Unidos. Na Inglaterra há o cockney e também o inglês falado no oeste de Londres.
3) Os falantes que não têm o inglês como língua materna aplicam seus próprios hábitos aos sons do inglês, o que dá variações de sotaque bem marcado, como o de Nelson Mandela.
B - Incompatibilidade com o sistema métrico.
1) O Reino Unido, assim como as ex-colônias, adotaram o sistema métrico. Apenas os EUA se recusam.
2) Os instrumentos de bordo registram em "polegadas de mercúrio", "milhas marinhas", "nós" e "pés", unidades estranhas para 95% da população mundial, que já chegou a um sistema racional e coerente.
3) Por conseguinte, o pessoal aeronáutico se vê na obrigação de traduzir mentalmente essas unidades de medida não-métricas dos EUA, estranhas àquelas que aprenderam na escola. Uma carga adicional para o raciocínio, no caso por exemplo de uma situação de crise, sobretudo se o piloto é confrontado com uma falta de oxigênio ou a qualquer outro mal-estar.
C - O aprendizado do inglês pelos falantes não-anglófonos é difícil, pela presença de tantas irregularidades.
A linguagem da aviação é para se adquirir em profundidade. Não basta possuir um vocabulário limitado para ser operacional na navegação aérea. Para enfrentar situações críticas é necessária uma capacidade lingüística muito superior àquela de decorar simples expressões. Em 8 de maio de 1998, uma tempestade de granizo arrancou a antena do radar e quebrou o pára-brisas de um avião de linha com destino a Chicago. O piloto, privado do uso de seus instrumentos e da visão do solo, valeu-se das instruções de um controlador de vôo que dominava o inglês perfeitamente e pôde então aterrisar suavemente.
O controlador em serviço na ocasião do acidente da American Airlines em 1995, na Colômbia, bem que quis interrogar o piloto sobre sua posição no corredor aéreo, mas não pôde se expressar. Jack C. Richards, o autor de um ensaio intitulado "O CONTEXTO NO ENSINO DE LÍNGUAS" é de opinião que uma terminologia especializada é melhor aprendida no contexto geral da língua à qual pertence. A ênfase (a insistência sobre certas palavras) e a entonação desempenham um papel importante na comunicação e é preciso dominar bem o inglês para descobrir diferenças sutis. Eis um exemplo: "The flight attendant called the passengers' names". A forma escrita, claro, não deixa qualquer dúvida; a frase significa apenas "A comissária chamou os nomes dos passageiros". O apóstrofe está lá para evitar a ambiguidade. Mas em inglês a frase “The flight attendant called the passengers names" (sem apóstrofe) tem outro sentido: "A comissária chamou os passageiros de todos os nomes" (= os insultou). Ora, se essa frase é pronunciada, apenas a entonação (a música e o ritmo da frase) permite a interpretação correta.
Como destaca Shannon Uplinger, dos Serviços de Tradução Uplinger, "O conhecimento de uma terminologia especializada - como a da navegação aérea - é assimilada mais facilmente quando primeiro se adquirem os outros aspectos da língua, por exemplo os princípios que regem a formação de palavras e a estrutura da frase. Ensinar e testar o conhecimento da terminologia de aviação através de listas de termos e expressões é fazer dos controladores de vôo meros papagaios, que se desorientam quando confrontados com situações excepcionais ou estressantes; enquanto isso, as pessoas que dominam bem o inglês em geral sabem utilizá-lo de forma eficaz nas situações mais variadas".
As dificuldades encontradas por pilotos não-anglófonos que aprendem o inglês são enormes. Eis algumas:
1) Os 44 sons (fonemas) da língua inglesa não podem ser foneticamente representados pelas 26 letras de seu alfabeto. Daí o incrível problema de sua ortografia, quando se sabe que há mais de 250 formas de se escrever esses 44 sons. Isso torna a leitura de instruções e a redação de relatórios extremamente difícil. O IDEAL = UMA LETRA PARA CADA SOM.
2) Problemas despertados pela sílaba tônica: qual sílaba se deve acentuar? É principalmente na má acentuação que se reconhecem os falantes não-anglófonos: uma mesma palavra (escrita) toma significado diferente de acordo com sua acentuação, e portanto de acordo com sua pronúncia. Por exemplo, "refuse": a) REFuse = dejetos, detritos b) reFUSE = recusar c) RE-FUSE = refundir
O IDEAL = UM ACENTO TÔNICO ÚNICO PARA CADA PALAVRA.
3) Formas irregulares de plural. Se "man" vira "men" no plural, por que "pan" não vira "pen"?
O IDEAL = TODOS OS PLURAIS FORMADOS DA MESMA MANEIRA.
4) Quase 300 verbos são irregulares em inglês.
O IDEAL = NENHUM VERBO IRREGULAR.
5) As vogais são de extrema importância, porque são elas que esclarecem o sentido das palavras. Ora, o inglês possui 12 sons vogais diferentes (+ 8 ditongos), o que exige anos de prática antes que se possam dominá-los.
O IDEAL = NÃO MAIS DE QUE 5 SONS VOGAIS, COMO EM ESPANHOL.
6) O fato de que uma palavra em inglês pode freqüentemente ter vários significados, nos permite fazer trocadilhos, mas confunde os estudantes estrangeiros da minha língua. Assim, há um dicionário que se gaba de dar 500 mil definições para suas 100 mil palavras, ou seja, 5 definições por palavra! Para palavras tão simples e corriqueiras como "run" ou "get", encontram-se 30 significados.
Em um estudo de 6527 relatórios de vôo redigidos por pilotos e controladores de vôo e dirigidos ao Sistema de Relatórios de Segurança da Aviação, foram detectados 529 incidentes que Grayson & Billings caracterizou como "palavreado ambíguo".
O IDEAL = AS PALAVRAS TEREM APENAS UM SIGNIFICADO, NÃO AMBÍGUO.
7) Em inglês há cerca de 5 mil expressões idiomáticas. Trata-se de um palavreado de uso corrente e para o qual não se pode traduzir o significado de cada uma das palavras. O anglófonos de nascimento manejam sem qualquer dificuldade esses elementos lingüísticos de conotação cultural, mas os demais falantes, não.
Os pilotos anglófonos teriam facilmente uma tendência de recorrer espontaneamente a expressões desse tipo em situações críticas, deixando seus interlocutores estrangeiros se perguntando o que significa uma frase como "I'm out of time" - poderiam pensar que o piloto rompeu o tempo x espaço (quando se trata de "Estou atrasado"). Ou então do tipo "dead reckoning": trataria-se do número de vítimas que morreram? (trata-se na verdade do "chutômetro") Enormidades lingüísticas desse tipo abundam no glossário piloto/controlador de vôo do Manual de Informação Aeronáutica da FAA.
O capitão John Cox, da companhia aérea US Airways, declarou: "Nos dão um léxico cheio de abreviações, acrônimos e de jargão profissional, mas pense só no número de variantes do inglês. O que nós dizemos pode mesmo confundir, nós temos problemas com os as gírias, os homônimos (por exemplo, "to", "too", "two") etc...
O IDEAL = UMA LÍNGUA COM UM REDUZIDO NÚMERO DE EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS, DE GÍRIA E DE JARGÃO PROFISSIONAL.
CONCLUSÃO
Levando em conta todos esses inconvenientes do inglês, não é justo impor um aprendizado tão árduo para todos os não-anglófonos. E, além dessa injustiça, é preciso saber que de qualquer forma eles JAMAIS APRENDERÃO O INGLÊS DE FATO, essa língua tão difícil para os estrangeiros. É preciso criar uma comissão encarregada de encontrar uma língua apresentando um número reduzido de inconvenientes, mas precisamente uma língua que atenda aos 7 critérios acima indicados. Em seguida será preciso substituir, pouco a pouco, o inglês por essa outra língua, mais adequada para esse fim.
Enquanto aguardamos, tentemos fazer com que o inglês não seja mais a fonte de tantos problemas. Um estudo realizado em conjunto pela NTSB e pela FAA, com um orçamento de 500 mil dólares, será iniciado em junho de 1998. Mas como declarou Shannon Uplinger: "Supondo até que se faça o melhor ensino possível da língua inglesa, não se suprimirão jamais as ambiguidades inerentes a essa língua e não será compensada a falta de disciplina, a fadiga e os outros problemas da profissão. Mas esse aprendizado aumentará a capacidade dos controladores de vôo e reduzirá fortemente o risco de que eles e os pilotos se comuniquem sem se compreenderem".
Kent JONES
5048 N. Marine Drive, D6
Chicago, IL 60640
EUA
*traduzido pelo Kultura Centro de Esperanto-Campinas.
Kent Jones é engenheiro civil aposentado. Seu primeiro contato com a aviação foi durante o serviço militar na marinha norte-americana. Foi técnico em eletrônica na unidade de Aproximação Controlada por Terra na Estação Naval de Barber's Point, em Oahu, Havaí.
Kent Jones (Chicago, EUA)
As Nações Unidas (ONU) surgiram em 1945. E, por sua vez, a ONU criou a Organização Internacional de Aviação Civil (ICAO/OIAC). Em 1951, a OIAC simplesmente recomendou o uso do inglês na aviação civil. Se ao invés dessa simples recomendação houvessem estabelecido uma regra, o aprendizado do inglês seria obrigatório para todos os pilotos, seriam submetidos a exames, além de serem obrigados a dominar essa língua. Mas até hoje o inglês é uma matéria meramente opcional na formação dos pilotos.
Quando se recomendou o uso do inglês, foi por oportunismo. Os EUA dominavam o mundo e não conheceram o estrago da guerra em seu território. Potência econômica e política, os EUA eram o maior produtor de aviões. Nada mais natural do que recomendar o inglês como língua internacional.
Mas naqueles dias nenhum estudo sério havia sido feito com vistas a catalogar as qualidades relativas de outras línguas além do inglês. Até que em 20 de novembro de 1997 a Comissão de Navegação Aérea da OIAC estabeleceu uma missão conhecida pela sigla ATM-9702. Tratava-se de "fornecer um estudo detalhado de todos os aspectos relacionados às comunicações verbais ar-terra e terra-terra na aviação civil internacional", segundo Gene Griffiths, colaborador da OIAC.
O relatório visava assistir a Comissão de Navegação Aérea da OIAC em suas deliberações. Paralelamente ao esforço necessário visando um uso menos aleatório do inglês, a Comissão tem por tarefa procurar uma língua mais adequada para uso nos próximos séculos. Porque o inglês apresenta deficiências que fazem mesmo necessária a sua substituição por uma outra língua.
OS PROBLEMAS ATUAIS
No mundo inteiro, 569 dos 1017 acidentes de avião foram imputados à tripulação. Em outras palavras, foi a tripulação, mais que as deficiências técnicas ou as condições atmosféricas, a principal responsável nesses acidentes. Logo, para alcançar uma maior segurança, é preciso concentrar as atenções sobre a tripulação, mais que nos aspectos físicos. Seu comportamento a bordo provém de informações verbais trocadas, por um lado, entre os membros da tripulação, e por outro entre estes e os controladores de vôo. Em sua participação no jornal da rede CBS em 30 e 31 de março de 1998, Dan Rather destacou os riscos ligados à situação atual.
A falta de capacidade no uso do inglês por pilotos e controladores de vôo de línguas maternas diferentes causa acidentes. Aliás, essa é uma das 5 categorias de acidentes, segundo a Flight Safety Foundation (Fundação para a Segurança de Vôo). A maior parte desses acidentes ocorreram fora dos EUA, mas havia norte-americanos a bordo, o que coloca esse problema tanto para a FAA (agência norte-americana para a aviação) como para a OIAC. Por exemplo, a colisão em pleno céu da Índia em novembro de 1976, na qual estava envolvida uma tripulação que falava três línguas maternas diferentes, fez 349 vítimas, das quais dois norte-americanos. Da mesma forma os membros da tripulação cuja língua materna não era o inglês provocaram os acidentes em Guam, na Indonésia, em Taiwan, e também na Colômbia, em maio de 98.
Além disso, Frank Price, diretor de uma divisão da FAA declarou "Ao contrário do que acontecia anteriormente, o tráfego aéreo internacional vem até o coração dos EUA. Cada um dos Centros de Controle de Tráfego Aéreo da FAA se vê confrontado com o tráfego internacional".
Chega a acontecer até mesmo que os próprios pilotos norte-americanos enfrentem dificuldades usando o inglês, uma vez que falam dialetos e também pelo fato de que no inglês abundam palavras homônimas e homófonas, o que pode provocar interpretações errôneas.
AS DEFICIÊNCIAS DA LÍNGUA INGLESA
A - A existência de inúmeras variantes impede a criação de uma norma.
1) Dado que o inglês espalhou-se pelo mundo tão rapidamente através do colonialismo, existem atualmente vários dialetos do inglês. Por exemplo, o da Austrália, o da Nova Zelândia, o da Irlanda, o da Escócia, o da Índia.
2) Dado que o inglês não é regulado nem por uma Academia, nem por princípios de autoridade, há variantes locais. Por exemplo, nos EUA temos o inglês (norte-americano) do Brooklyn, de Boston, do Sul dos Estados Unidos. Na Inglaterra há o cockney e também o inglês falado no oeste de Londres.
3) Os falantes que não têm o inglês como língua materna aplicam seus próprios hábitos aos sons do inglês, o que dá variações de sotaque bem marcado, como o de Nelson Mandela.
B - Incompatibilidade com o sistema métrico.
1) O Reino Unido, assim como as ex-colônias, adotaram o sistema métrico. Apenas os EUA se recusam.
2) Os instrumentos de bordo registram em "polegadas de mercúrio", "milhas marinhas", "nós" e "pés", unidades estranhas para 95% da população mundial, que já chegou a um sistema racional e coerente.
3) Por conseguinte, o pessoal aeronáutico se vê na obrigação de traduzir mentalmente essas unidades de medida não-métricas dos EUA, estranhas àquelas que aprenderam na escola. Uma carga adicional para o raciocínio, no caso por exemplo de uma situação de crise, sobretudo se o piloto é confrontado com uma falta de oxigênio ou a qualquer outro mal-estar.
C - O aprendizado do inglês pelos falantes não-anglófonos é difícil, pela presença de tantas irregularidades.
A linguagem da aviação é para se adquirir em profundidade. Não basta possuir um vocabulário limitado para ser operacional na navegação aérea. Para enfrentar situações críticas é necessária uma capacidade lingüística muito superior àquela de decorar simples expressões. Em 8 de maio de 1998, uma tempestade de granizo arrancou a antena do radar e quebrou o pára-brisas de um avião de linha com destino a Chicago. O piloto, privado do uso de seus instrumentos e da visão do solo, valeu-se das instruções de um controlador de vôo que dominava o inglês perfeitamente e pôde então aterrisar suavemente.
O controlador em serviço na ocasião do acidente da American Airlines em 1995, na Colômbia, bem que quis interrogar o piloto sobre sua posição no corredor aéreo, mas não pôde se expressar. Jack C. Richards, o autor de um ensaio intitulado "O CONTEXTO NO ENSINO DE LÍNGUAS" é de opinião que uma terminologia especializada é melhor aprendida no contexto geral da língua à qual pertence. A ênfase (a insistência sobre certas palavras) e a entonação desempenham um papel importante na comunicação e é preciso dominar bem o inglês para descobrir diferenças sutis. Eis um exemplo: "The flight attendant called the passengers' names". A forma escrita, claro, não deixa qualquer dúvida; a frase significa apenas "A comissária chamou os nomes dos passageiros". O apóstrofe está lá para evitar a ambiguidade. Mas em inglês a frase “The flight attendant called the passengers names" (sem apóstrofe) tem outro sentido: "A comissária chamou os passageiros de todos os nomes" (= os insultou). Ora, se essa frase é pronunciada, apenas a entonação (a música e o ritmo da frase) permite a interpretação correta.
Como destaca Shannon Uplinger, dos Serviços de Tradução Uplinger, "O conhecimento de uma terminologia especializada - como a da navegação aérea - é assimilada mais facilmente quando primeiro se adquirem os outros aspectos da língua, por exemplo os princípios que regem a formação de palavras e a estrutura da frase. Ensinar e testar o conhecimento da terminologia de aviação através de listas de termos e expressões é fazer dos controladores de vôo meros papagaios, que se desorientam quando confrontados com situações excepcionais ou estressantes; enquanto isso, as pessoas que dominam bem o inglês em geral sabem utilizá-lo de forma eficaz nas situações mais variadas".
As dificuldades encontradas por pilotos não-anglófonos que aprendem o inglês são enormes. Eis algumas:
1) Os 44 sons (fonemas) da língua inglesa não podem ser foneticamente representados pelas 26 letras de seu alfabeto. Daí o incrível problema de sua ortografia, quando se sabe que há mais de 250 formas de se escrever esses 44 sons. Isso torna a leitura de instruções e a redação de relatórios extremamente difícil. O IDEAL = UMA LETRA PARA CADA SOM.
2) Problemas despertados pela sílaba tônica: qual sílaba se deve acentuar? É principalmente na má acentuação que se reconhecem os falantes não-anglófonos: uma mesma palavra (escrita) toma significado diferente de acordo com sua acentuação, e portanto de acordo com sua pronúncia. Por exemplo, "refuse": a) REFuse = dejetos, detritos b) reFUSE = recusar c) RE-FUSE = refundir
O IDEAL = UM ACENTO TÔNICO ÚNICO PARA CADA PALAVRA.
3) Formas irregulares de plural. Se "man" vira "men" no plural, por que "pan" não vira "pen"?
O IDEAL = TODOS OS PLURAIS FORMADOS DA MESMA MANEIRA.
4) Quase 300 verbos são irregulares em inglês.
O IDEAL = NENHUM VERBO IRREGULAR.
5) As vogais são de extrema importância, porque são elas que esclarecem o sentido das palavras. Ora, o inglês possui 12 sons vogais diferentes (+ 8 ditongos), o que exige anos de prática antes que se possam dominá-los.
O IDEAL = NÃO MAIS DE QUE 5 SONS VOGAIS, COMO EM ESPANHOL.
6) O fato de que uma palavra em inglês pode freqüentemente ter vários significados, nos permite fazer trocadilhos, mas confunde os estudantes estrangeiros da minha língua. Assim, há um dicionário que se gaba de dar 500 mil definições para suas 100 mil palavras, ou seja, 5 definições por palavra! Para palavras tão simples e corriqueiras como "run" ou "get", encontram-se 30 significados.
Em um estudo de 6527 relatórios de vôo redigidos por pilotos e controladores de vôo e dirigidos ao Sistema de Relatórios de Segurança da Aviação, foram detectados 529 incidentes que Grayson & Billings caracterizou como "palavreado ambíguo".
O IDEAL = AS PALAVRAS TEREM APENAS UM SIGNIFICADO, NÃO AMBÍGUO.
7) Em inglês há cerca de 5 mil expressões idiomáticas. Trata-se de um palavreado de uso corrente e para o qual não se pode traduzir o significado de cada uma das palavras. O anglófonos de nascimento manejam sem qualquer dificuldade esses elementos lingüísticos de conotação cultural, mas os demais falantes, não.
Os pilotos anglófonos teriam facilmente uma tendência de recorrer espontaneamente a expressões desse tipo em situações críticas, deixando seus interlocutores estrangeiros se perguntando o que significa uma frase como "I'm out of time" - poderiam pensar que o piloto rompeu o tempo x espaço (quando se trata de "Estou atrasado"). Ou então do tipo "dead reckoning": trataria-se do número de vítimas que morreram? (trata-se na verdade do "chutômetro") Enormidades lingüísticas desse tipo abundam no glossário piloto/controlador de vôo do Manual de Informação Aeronáutica da FAA.
O capitão John Cox, da companhia aérea US Airways, declarou: "Nos dão um léxico cheio de abreviações, acrônimos e de jargão profissional, mas pense só no número de variantes do inglês. O que nós dizemos pode mesmo confundir, nós temos problemas com os as gírias, os homônimos (por exemplo, "to", "too", "two") etc...
O IDEAL = UMA LÍNGUA COM UM REDUZIDO NÚMERO DE EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS, DE GÍRIA E DE JARGÃO PROFISSIONAL.
CONCLUSÃO
Levando em conta todos esses inconvenientes do inglês, não é justo impor um aprendizado tão árduo para todos os não-anglófonos. E, além dessa injustiça, é preciso saber que de qualquer forma eles JAMAIS APRENDERÃO O INGLÊS DE FATO, essa língua tão difícil para os estrangeiros. É preciso criar uma comissão encarregada de encontrar uma língua apresentando um número reduzido de inconvenientes, mas precisamente uma língua que atenda aos 7 critérios acima indicados. Em seguida será preciso substituir, pouco a pouco, o inglês por essa outra língua, mais adequada para esse fim.
Enquanto aguardamos, tentemos fazer com que o inglês não seja mais a fonte de tantos problemas. Um estudo realizado em conjunto pela NTSB e pela FAA, com um orçamento de 500 mil dólares, será iniciado em junho de 1998. Mas como declarou Shannon Uplinger: "Supondo até que se faça o melhor ensino possível da língua inglesa, não se suprimirão jamais as ambiguidades inerentes a essa língua e não será compensada a falta de disciplina, a fadiga e os outros problemas da profissão. Mas esse aprendizado aumentará a capacidade dos controladores de vôo e reduzirá fortemente o risco de que eles e os pilotos se comuniquem sem se compreenderem".
Kent JONES
5048 N. Marine Drive, D6
Chicago, IL 60640
EUA
*traduzido pelo Kultura Centro de Esperanto-Campinas.
Kent Jones é engenheiro civil aposentado. Seu primeiro contato com a aviação foi durante o serviço militar na marinha norte-americana. Foi técnico em eletrônica na unidade de Aproximação Controlada por Terra na Estação Naval de Barber's Point, em Oahu, Havaí.