Meus prezados:
"Este cronista nunca acreditou que a administração da Gol, linhas aéreas, fosse livre das influências rodoviárias de sua origem mais remota. Teve um início brilhante, debutando no mercado de transportes aéreos com agilidade, dando a impressão que seria uma low cost/low fare à altura das mais famosas congêneres estrangeiras. De fato, conseguiu manter baixos seus custos, mas suas forças de trabalho, as vezes escassas em alguns setores, afetou a qualidade dos serviços de bordo e também em terra, nas relações com os usuários. Mas no debute, houve o impacto de seus Boeing novos em folha criando uma imagem antes desconhecida na aviação comercial do país, pois nenhuma outra empresa havia antes oferecido uma rede doméstica a tarifas mais baratas, operada por aviões tão modernos. Na comparação, os Fokker 50 da Tam pareciam, juntos com outras marcas que ainda voam nas aéreas menores, pouco mais que sucatas. Mas aos poucos aconteceu que, enquanto zelava pela manutenção de custos baixos, suas tarifas eram mais baixas das normais somente em algumas promoções, quando o mercado andava meio parado , nas épocas de tráfego menor.
Os primeiros anos, logo no início deste século, foram tão bem administrados por Constantino Jr. e seus familiares, que a Gol foi reconhecida como um raro exemplo de crescimento acelerado e rentável, merecendo diplomas e títulos que serviram como imãs para atrair os capitais necessários para seu crescimento. O lançamento das ações foi um sucesso, a solidez operacional da aérea era confirmada pelos resultados anuais, pela compra de mais aeronaves, pelos planos de crescimento e pela distribuição de lucros. Nos últimos quatro anos, nada menos de R$ 664,7 milhões em dividendos foram entregues aos acionistas.
Bem no meio desse período de vacas gordas, três episódios interferiram e deram um novo rumo às atividades da Gol. Aconteceu o desastre com o pequeno jato americano, evento trágico sem a menor responsabilidade por parte da aérea brasileira; ouve a longa crise baseada na pouca eficiência dos controles de vôos, que culminou com centenas de atrasos e cancelamentos que revolucionaram os principais aeroportos do país; e veio a enorme alta do preço do petróleo, que se refletiu no custo do querosene de aviação e afetou a rentabilidade operacional das empresas, derrubando aquelas de menores reservas financeiras. A Gol reagiu de maneira bastante passiva aos efeitos negativos que a colisão aérea teve sobre sua imagem. Não criticou, nem opinou, como deveria. Em relação aos atrasos e cancelamentos tentou tirar proveitos deles, praticando over-booking, altamente prejudiciais para seus usuários. E quando a escalada dos preços do petróleo levou além de 30% o índice de participação do combustível nos custos operacionais, demorou meses para alterar seus planos e bloquear a vinda de mais aviões.
Entretanto, numa decisão em contraste com sua política de progressiva e prudente expansão, acreditando nos palpites de analistas mal informados em questões aviatórias, depois de ter demonstrado desinteresse total na compra da velha Varig, não participando no leilão que oferecia a tradicional aérea por menos de US$ 25 milhões, decidiu depois adquiri-la da VarigLog, a compradora que fez o repasse por US$ 320 milhões. Para justificar o gasto afirmou que a VRG lhe abriria o caminho nas rotas para o exterior, onde pretendia competir com a Tam, mas depois de vôos inaugurais pífios, utilizando aviões quase obsoletos, saiu do mercado internacional. A operação abriu buracos de centenas de milhões no seu orçamento e acabou quando as perdas haviam chegado ao bilhão e os acionistas começavam a revender em Bolsa títulos que continuavam em baixa.
Chegamos assim à atual decisão da Gol de não distribuir mais, neste 2008, os dividendos trimestrais aos acionistas, para poder utilizar esses recursos num reforço de caixa, indispensável para atender os investimentos de curto prazo. Mas a anunciada decisão de reduzir em 5% seu crescimento, terminando este ano com 104 aviões e 2009 com 108, como conseqüência de sua desistência do recebimento de sete aeronaves 737-800, evidenciou que a empresa estava começando a sentir a falta de capital. E com vôos demais para manter em atividade suas aeronaves, foram apenas paliativos as medidas para reduzir o consumo de combustível. Seus dados estatísticos do mês de julho confirmam a evolução da crise :1) com mais 25% de oferta, em comparação com o mesmo mês de 2007, o aproveitamento (assentos quilômetros ocupados) foi de 13%, representando uma taxa de ocupação consolidada de vôos domésticos de apenas 62%, que chega a 74% nos internacionais, dando uma média de 65% no inteiro sistema. E haveria também problemas nas relações entre os funcionários da Gol e da Varig, motivando recomendações do Sindicato Nacional de Aeronautas para a administração investir mais no relacionamento de suas forças de trabalho.
A crise na Gol pegou de surpresa os investidores nacionais, que estariam agora exigindo a cabeça de Constantino Jr. Na quarta-feira houve a baixa de 13,96% no valor das ações negociadas em Bolsa e no exterior a agência de classificação de riscos Moody´s decidiu rebaixar todos os ratings de dívida da Gol, de Ba3 para B1, sem excluir a possibilidade de novos rebaixamentos, evidenciada por ter adotado a avaliação “em revisão”. A agência afirma que o rebaixamento foi causado pela “continua deterioração da solidez financeira da Gol”, prevendo ainda “novo declínio das medidas financeiras”, se não houver “uma melhora significativa na estrutura de custos da companhia”. A Moody´s atribui grande importância ao sucesso do plano de integração com a Varig, formando uma única empresa, anunciado na semana passada pela Gol. Somente maiores liquidez, rentabilidade, fluxo de caixa e capacidade de acessar linhas de crédito poderão justificar a revisão das notas agora atribuídas à Gol.
O momento é delicado e a pressão dos acionistas é grande. Houve erros e, entre eles, a pretensão de adquirir uma empresa sobre* medida, para com ela competir no mercado internacional, representou a prova evidente da pouca experiência da Gol no setor aéreo.
Como se constatou em poucos meses, não bastava contar com o prestígio da Varig sem aeronaves adequadas, sem uma equipe treinada para atuar no mercado internacional (tendo sido dispensados a maioria de ex-variguianos), sem integração das forças de trabalho, sem plano de marketing e com uma fraca campanha promocional. Precisava muito mais para reconquistar posições de mercado e competir com congêneres que, no longo intervalo operacional, se haviam instalado firmemente nas rotas entre o Brasil e o exterior. E deu no que deu, deixando em aberto ainda muitas incógnitas."
(O redator do informativo, Guido Sonino, trabalhou durante quase 35 anos na aviação comercial e é jornalista profissional (Registro 6.3107 de 28/06/56, no Serviço de Identificação Profissional da Delegacia Regional do Trabalho de São Paulo). A marca e o logotipo " Aeroconsult " são registrados no INPI sob o n. 815878362, desde 01/09/92.)
fonte aeroconsult.com.br
Obs,: * creio que o cronista quiz dizer sob
Um abraço e até mais...
GOL: êrros acumulados levaram-na à crise atual
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