Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

Assuntos em discussão: Exército Brasileiro e exércitos estrangeiros, armamentos, equipamentos de exércitos em geral.

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Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#1 Mensagem por Clermont » Qua Jul 02, 2008 12:28 am

TÁTICAS ALEMÃS NA CAMPANHA DA ITÁLIA - 1ª Parte.

Por Gerhard Muhm

Desde meu primeiro dia como cadete, a expressão ”Auftrag wiederholen” (“Repita a missão”) soava nos meus ouvidos. Os superiores exigiam de nós, “repetir a missão” que nos havia sido designada, para terem certeza de que a havíamos entendido. E eles sempre diziam “Auftrag” (“missão”) e não “Befehl” (“Ordem”).

E assim foi, por toda a Campanha da Itália. Sempre me foi dada uma “Auftrag”, nunca uma “Befehl”. E eu sempre fiz a mesma coisa com meus subordinados, a quem sempre passei “Auftrag”, na bem-usada e tradicional “Auftragstaktik” do Exército alemão.

O conceito tático seguido pelo Exército alemão era o de “Táticas Orientadas Para a Missão ou Tarefa” (“Auftragstaktik”), em contraste com as “Táticas Orientadas Para Ordens” (“Befehlstaktik”) utilizada por outros exércitos. A diferença de concepção e execução entre estas duas táticas é fundamental: a primeira exalta a inteligência e capacidade do soldado, a segunda tende a desencorajá-las, tornando o soldado um executor passivo das ordens dos outros.

Com a “Auftragstaktik”, a missão é ordenada e o oficial é deixado com liberdade para levar à cabo a missão designada para ele e, dessa forma, ele se sente responsável pela ações que lhe são sugeridas por sua própria inteligência, seu empreendedorismo e suas capacidades. Com a “Befehlstaktik’, no entanto, aquele que executa deve cumprir com uma ordem dada a ele por outros, sem nenhuma chance para se basear em sua própria iniciativa e habilidade, seja adaptando-se, ou explorando situações quando estas aparecem. Este segundo conceito é, naturalmente, mais fácil de seguir, já que se baseia em pura disciplina, enquanto “Auftragstaktik” exige que oficiais, sargentos e praças tenham de ser treinados em escolas militares, com exercícios contínuos.

Em 1813, o general von Gneisenau, chefe do estado-maior do Exército prussiano e antigo colaborador do general Scharhorst, introduziu uma nova técnica de comando, que também foi aplicada em outros exércitos da comunidade germânica daquela era. A característica distintiva desta técnica era a que a “intenção” devia ser formulada de uma forma transparente e compreensível, sempre deixando espaço para a iniciativa pessoal e liberdade de ação. O marechal-de-campo von Moltke, em suas concisas, porém clássicas, diretivas aos exércitos nas campanhas de 1866, contra a Áustria, e de 1870, contra a França, proclamava que, em termos, tanto de conhecimento, quanto de experiência, a aplicação prática da “Auftragstaktik” exigia treinamento especial e rigoroso dos comandantes, em todos os níveis. Deste esta época, esse tipo de treinamento tem sido utilizado no Exército alemão para alcançar:

- Um critério unificado de julgamento na avaliação de situações e tomada das conseqüentes decisões e:

- Abstenção de todos os tipos de rígido esquematismo, com independência de pensamento e ação, quando liderando em combate.

Deste modo, autonomia em executar a missão designada, juntamente com treinamento em como levá-la adiante, se tornou uma característica especial e um ponto forte do Exército alemão. Ao dirigir uma batalha, um comandante precisa, não apenas agir com valentia, mas também ser capaz de reconhecer uma situação favorável no momento, e explorá-la. Algo que nem sempre é feito na guerra. Von Senger und Etterlin escreveu: “Tarefas operacionais forçam os comandantes a tomar decisões, mais ou menos autonomamente. Em exercícios, oficiais aprendiam a agir por sua própria iniciativa e procurar assumir responsabilidades... Este método limita a emissão de ordens, apenas àquelas mais indispensáveis para a execução de qualquer tarefa particular, o que significa que o comandante, assim encarregado, pode escolher, livremente, os meios e as táticas que mais se adequarem a ele.

Na Campanha da Itália, o mais elevado exemplo de “Auftragstaktik” pode ser encontrado nas ordens emitidas pelo marechal-de-campo Kesselring, em junho de 1944, para a retirada rumo ao norte de Roma.

Dos dois exércitos alemães, o 14º tinha sido gravemente abalado em batalha, enquanto o 10º, que havia lutado na Frente de Cassino, achava-se desequilibrado, demasiado à frente, ambos nos Apeninos Centrais e na costa do Adriático. Para reorganizar o 14º Exército, Kesselring emitiu esta “Auftragstaktik” que se estendia até ao nível divisionário: “Retirada em combate, ponham em linha de batalha, a partir da retaguarda e dos flancos, as reservas já em marcha rumo ao sul, cerrem as brechas entre as várias unidades, e construam os flancos destas... essa fase, entretanto, não deve continuar até que a Linha dos Apeninos (Linha Gótica) tenha sido alcançada, mas, após as grandes formações, em crise, terem sido reordenadas, parem e concentrem-se em posições defensivas, tão ao sul quando possível...”. Isto aconteceu sobre a Linha Albert (Lago Trasímeno).

Por contraste, um exemplo que ilustra a diferença entre “Auftragstaktik” e “Befehlstaktik” é o inepto desembarque aliado em Anzio, em janeiro de 1944. Quando o general Lucas (comandando a força expedicionária), desembarcou, ele, cuidadosamente, seguiu as ordens recebidas para se defender e evitar outra Salerno, antes do rumar para Roma. Se ele fosse um general alemão seguindo “Auftragstaktik” e explorasse as enormes vantagens táticas e estratégicas, derivadas da surpresa, a falta de defesas na estrada para Roma e sua absoluta superioridade em homens e meios, ele teria conquistado a Cidade Eterna e, a partir da retaguarda, abalado a defesa alemã inteira, baseada em Cassino.

Os pontos básicos do treinamento de um oficial alemão, na conduta de uma batalha sob “Auftragstaktik” foram, concisamente, listados por Muller-Hillebrandt, começando com o axioma de von Moltke de que, todo plano que concebemos no campo de batalha, se contrapõe às intenções independentes e, raramente conhecidas do inimigo; isso cria uma atmosfera de insegurança na consciência de que uma situação militar evolui e se altera, quase que constantemente. Quando nossas intenções encontram a realidade das coisas, fricções são criadas em decorrência dos numerosos imponderáveis que aumentam, quando encontramos o inimigo. O que, por sua vez, aumenta a insegurança e rouba ao comandante qualquer chance de calcular, de antemão, como a luta irá se desenrolar. Mesmo se ele puder aplicar todos os mais precisos meios para descobrir a situação real, as intenções do inimigo e o modo como suas decisões, no terreno, estão se desenvolvendo, sempre irá existir uma certa insegurança, que oficiais e sargentos terão de encarar com sua força de vontade e inteligência.

Líderes, indo do comandante supremo da frente, ao comandante de batalhão, e descendo até o líder de GC, poderão se encontrar em situações que serão impossíveis de antever. Todo comandante de uma unidade combatente deve ter autoridade e habilidade para, continuamente, alterar sua idéia sobre a situação, levando em consideração, não apenas as intenções e capacidades do inimigo, mas suas próprias capacidades, também. Suas próprias intenções devem ser focadas em levar à cabo a missão designada para ele e as capacidades de seus homens.

A pessoa, a quem uma tarefa é designada, deve receber o tempo necessário para executá-la. Quanto mais elevada a posição daquele que recebe a tarefa, mais tempo precisa lhe ser concedido para sua execução, porque as situações, continuamente, se alteram e exigem tempo suficiente. Um subordinado não sente prazer algum em executar uma ordem rígida. Apenas sua colaboração de boa-vontade, dentro do quadro estrutural, ou da visão de uma tarefa superior, tornará possível sobrepujar as mais sérias dificuldades de um exército moderno, e obter os melhores resultados.

Uma tarefa poderá – se necessário – ser emitida como uma ordem.

A utilização dos melhores recursos técnicos é considerara como garantida.

Eu já referi às diretrizes clássicas do marechal von Moltke sobre o treinamento de oficiais. Aqui, eu cito as palavras do general von Senger:

No Exército alemão, líderes de todas as patentes deviam ser treinados no comando. Isso é uma longa tradição. O Estado-Maior Geral alemão foi, indubitavelmente, superior a todos os outros estados-maiores gerais no que concernia à rápida e precisa avaliação de situações; decisões que não se prestavam a interpretações ambíguas e ordens, expressas com clareza concisa. Todos os oficiais passavam por treinamento, tanto em exercícios de campo, quanto de estado-maior, e em viagens de instrução, para, desta forma, adquirirem uma perfeita maestria dos problemas que deveriam confrontar, algum dia.

Tarefas operacionais sempre eram concebidas, como forma para obrigar o comandante envolvido a tomar decisões, mais ou menos, independentes. Para conseguir isso, os exercícios de tempo de paz, com freqüência, representavam situações, “ligeiramente” forçadas: quando um “novo inimigo” aparecia, o exercício determinava uma interrupção das comunicações, ou algo do tipo, como ocorre, freqüentemente, na realidade.


Liberdade na execução de uma tarefa designada e treinamento em iniciativa pessoal, iriam se tornar a marca-registrada e a força do Exército alemão. Quanto mais progrediam, na direção da “Auftragstaktik”, os treinamentos e a instrução dos comandantes, em todos os níveis, mais as tropas sentiam-se seguras, na rápida e flexível execução de suas missões de combate.

Os comandantes superiores podiam confiar na coragem para execução de tarefas, e na vantagem de que a situação poderia ser explorada por comandantes subalternos, algo que ocorre, com freqüência, no campo de batalha, mas que nem sempre é reconhecido ou aproveitado. E, no fim, foi possível sujeitar o inimigo a nossa própria vontade. Em resumo, acima e além dos recursos materiais, muitas pré-condições para o sucesso futuro, puderam ser obtidas. A unidade de conduta dos comandantes – que nunca conheceram a existência de comandos especiais – juntamente com a liberdade de decisão que apreciaram, lhes deu a habilidade para atuar por suas próprias iniciativas, ao executar as tarefas designadas para eles. E, embora esses conceitos básicos de “Auftragstaktik” não mais estivessem em uso nos altos-comandos, eu posso afirmar, por minha própria experiência de que tais conceitos permaneceram o pilar da conduta de batalhas. Por gerações, trabalhou-se para aperfeiçoar estes conceitos e treinar homens no campo – mesmo após 1918 e 1935. Este trabalho frutificou nas campanhas de 1939, 1940 e 1941, nos Bálcãs, África do Norte e determinou a conduta da guerra contra a União Soviética. Uma campanha que teve maciça influência sobre o destino da Alemanha, mas que também demonstrou o elevado potencial da “Auftragstaktik”, em todos os níveis, com uma medida de capacidade, experiência e senso de dever não obtidas, desde então. Os altos-comandos tomavam o campo com fé em si mesmos, não importando se o inimigo fosse, numericamente, muito superior.

Quais foram, então, os ensinamentos táticos e estratégicos ou confirmações vindas da Campanha da Itália? O general von Senger, meticulosamente, examinou estes aspectos, resumindo-os em “Auftragstaktik” nos tempos modernos, ou, pelo menos, na Segunda Guerra Mundial, já que não podemos tomar como certo de que nenhuma guerra é como a anterior.

Sua primeira observação concerne à exploração do sucesso:

A lei da guerra exige que a perseguição seja incansável, que ela continue “até acabar o fôlego de homem e cavalo”. Isto envolve ataques noturnos e marchas sem parada, dia e noite, para manter contato com o inimigo. Demolições que este execute na retirada, tornam mais e mais difícil trazer suprimentos. E, finalmente, a crescente carência de combustível obriga o perseguidor a confiar a perseguição à cavalaria, que é menos presa a suprimentos, e que é mais móvel em terrenos diferentes, mas, em troca, é muito menos efetiva em batalha.”


Esta lei da guerra nunca foi aplicada pelos aliados durante a Campanha da Itália.

As divisões blindadas, originalmente organizadas, somente como formações de ataque, tornaram-se as melhores formações defensivas. A defesa moderna é sempre organizada dentro de espaços e zonas especificados, e não segue um desenvolvimento linear. Mas, defesas móveis pedem pela presença de formações móveis, isto é, motorizadas. Apenas reservas motorizas podem ser redesdobradas, rapidamente, de um flanco para outro, ou serem lançadas, da retaguarda para a área de batalha. Apenas os elementos de infantaria destas divisões eram utilizados para lutar, juntamente com os tanques, ambos sendo organicamente parte da arma blindada. Apenas retaguardas constituídas por formações blindadas, podem manter posições bem à frente, até o último momento, porque são capazes de se desengajarem, rapidamente e surpreender o inimigo.

De novembro de 1943 até junho de 1944, seis divisões móveis lutaram na Itália (as 3ª, 15ª, 29ª, e a 90ª Panzergrenadier; a 26ª Panzer e a Divisão Panzer de Pára-quedistas “Hermann Goering”). Depois disso, restaram, apenas, três divisões móveis, as 26ª, 29ª e 90ª, às quais foi acrescentada, entre o período de junho à outubro de 1944, a 16ª Divisão Panzergrenadier SS “Reichsführer-SS” . Todas as outras divisões alemãs na Itália eram divisões de infantaria, cujos sistemas de defesa móvel foram confiadas às habilidades dos respectivos comandantes. Típica dessas era a 362ª Divisão de Infantaria, uma pobre unidade, organizada em seis batalhões de 250 homens cada, e à qual foi confiada a missão de retardar as divisões americanas na frente de Bolonha. O general Greiner adotou o sistema de “Zentimeter Krieg’, ou “Guerra aos centímetros”, com o lema de “perca terreno, mas não perca os soldados”, ao recuar sobre suas sucessivas linhas de defesa, quatorze no total. Greiner designou tropas para estas linhas de defesa de modo que facilitasse a ocupação e organização das próprias linhas; ele executou os necessários movimentos de tropas, mesmo de dia, em desafio ao poder aéreo aliado, e tirando vantagem do terreno montanhoso; já que contra-ataques envolviam pesadas baixas, ele deu ordens para que a guarnição de posições de barreiras fosse mais importante do que contra-ataques; ele utilizou seus canhões anti-aéreos no combate terrestre, o canhão 88 mm contra tanques e os montantes quádruplos de 20 mm contra infantaria. A bem-sucedida defesa da divisão foi facilitada pelas táticas dos americanos que, quase nunca realizavam ataques noturnos, desta forma dando aos alemães a chance de reorganizarem durante a noite. No fim, as perdas da divisão, de 19 de setembro até 20 de outubro de 1944, foram elevadas: 420 mortos, 12 destes oficiais, com 1614 feridos, 603 doentes, e 1362 desaparecidos, mas o propósito foi cumprido. A falta de informações sobre o inimigo foi um considerável obstáculo para os comandantes alemães, nos vários níveis. Como von Senger escreve:

Do inimigo, sabíamos pouco. O chefe da seção de inteligência foi mantido informado sobre a situação pelo comando de exército, que, em termos gerais, sabia qual divisão tínhamos à nossa frente. Diretamente, nós, praticamente, não conseguíamos virtualmente nenhuma informação, sobre o inimigo. Apenas ocasionalmente nós fazíamos um prisioneiro, que era interrogado no comando de corpo, antes de ser enviado para o comando de exército. O inimigo, por sua vez, sabia que não éramos capazes de lançar um ataque. Ele foi capaz de despir, completamente, certas faixas da frente, de modo a criar pontos fortes e escalonar-se, em profundidade, nestes pontos, quando tencionava atacar. Ele podia ordenar seus batalhões a se moverem e redesdobrarem, em plena ordem de marcha, ao longo das linhas de comunicação de retaguarda. Suas unidades sempre estavam bem-descansadas para o primeiro ataque.l

Hoje, sabemos, por fontes de nosso antigo inimigo, entre outras, que seus erros táticos tornaram a vida mais fácil para nós. Estes eram erros que havíamos aprendido a evitar, embora de outra maneira, após Stalingrado. O passo lento de seus ataques iniciais, desfechados pela infantaria, refletia sua hesitação em arremessar reservas, onde estas eram necessárias para apoiar o ataque.


O fracasso em explorar o sucesso foi, de fato, um característica constante das táticas aliadas, como foi, também, demonstrado por Amedeo Montemaggi, que cita a incrível lentidão do avanço aliado; o desastroso desembarque de Anzio/Nettuno; o monótono banho de sangue em Cassino; o fracasso em envolver Valmontone; a falhada tentativa de penetrar a frente dos Apeninos, na Toscânia. “Se eu tivesse os recursos deles, teria conquistado a Itália, numa semana”, disse Kesselring, que foi educado na “Auftragstaktik

Eu concluo com algumas observações sobre a tropa e o efeito que a qualidade de um comandante tem sobre ela. Von Senger louvou minha divisão, a 29ª Panzergrenadier, “uma das nossas melhores divisões”, e diz do general Fries (que a comandou até 31 de agosto de 1944), “que ele tinha o hábito de avaliar situações, objetivamente, de se apegar à realidade, de executar sua função de comando, calmamente, e não buscar glória pessoal; ele era afeito aos seus soldados e podia, portanto, contar com eles, todas as vezes. Todos confiavam nele.”

Isso era totalmente acurado. Embora, nós o apelidássemos de “der letzte Preusse” (“o últimos dos prussianos”), ele sempre nos deu o exemplo de um soldado combatente; ele chegava, inesperadamente, na linha de frente, no posto de comando de algum comandante de companhia, daí ajudando a nós, comandantes de nível inferior, a manter elevado o moral de nossos combatentes de linha de frente.

Von Senger fez outro profundo comentário sobre o moral dos soldados na Itália, quando falando da 3ª Divisão Panzergrenadier, a mais exposta à pressão inimiga, na primeira metade de 1944. Ele tinha ficado com a impressão de que o moral da tropa tinha sido abalado pelos numerosos reveses e contínua retirada. Ele não ficou de todo surpreendido por isto, pois, enquanto os soldados podem ter sido levados a acreditar na propaganda e sido leais à Hitler, em certo momento, deve ter ficado claro para eles que uma ininterrupta série de derrotas não podia, possivelmente, levá-los à vitória.

Naturalmente. Eu sempre estive convencido de que se tínhamos lutado até o fim, isso foi porque estávamos sempre lutando pelo camarada na nossa direita, por aquele à nossa esquerda ou, talvez, pelo nosso comandante imediato, a quem respeitávamos, ou talvez porque acreditássemos que estávamos lutando por nossa honra, cumprindo nosso dever de soldados até o último dia. Em 1944-45, seria muito difícil persuadir os soldados da linha de frente a lutarem por Hitler, ou mesmo pela Alemanha. Nós entoávamos canções satíricas contra Hitler, canções que reforçavam nosso espírito de luta, e que ninguém contestava, porque você não discute com o soldado de linha de frente, o homem que nós chamávamos de Frontsoldat.


(continua, qualquer noite dessas, neste mesmo DB canal e neste mesmo DB horário...)




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#2 Mensagem por EscripolRonaldo » Qua Jul 02, 2008 3:58 pm

Quando estava na academia, sempre fomos orientados como policiais civis do Estado de São Paulo, a executarmos uma “Auftrag” (“missão”), pois receber “Befehl” (“Ordem”), é coisa de militar(no caso Polícia Militar); pois, nós como policiais civis, estávamos sendo treinados para raciocinar, enquantos que os policiais militares, unicamente para receber ordens.

Portanto, que os militares de fodam com suas >>>“Befehl” (“Ordem”).




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#3 Mensagem por EscripolRonaldo » Qua Jul 02, 2008 4:00 pm

Agora...falando sério...desculpe-me "Clermont", seu texto está espetacular...aguardo a continuação..




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#4 Mensagem por Naval » Qui Jul 03, 2008 2:38 pm

Parabéns Clermont !
Obrigado por dividir conosco o texto.
Sou fã do Exército Alemão, no que concerne às táticas empregadas.

Abraços.




"A aplicação das leis é mais importante que a sua elaboração." (Thomas Jefferson)
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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#5 Mensagem por marcolima » Qui Jul 03, 2008 6:10 pm

Uma coisa que me chamou atenção Clermont, sobre as taticas de combate do exército alemão ,é que pelo menos até onde eu sei fazia-se sempre "reconhecimento em força". No caso do EB o reconhecimento em força é um tipo de operação ofensiva, mas existe o reconhecimento puro e simples ( zona, area e eixo ) onde me parece que a força empregada não tem o mesmo poder da que o exercito alemão utilizava, e certmente não tinha o mesmo poder da que os aliados empregavam.
Isso me parece que dava aos alemães maiores oportunidades de explorar situaçoes imprevistas e continuar combatendo e combatendo.
Lembro de ter lido sobre como Rommel ordenou ao a Streich ( comandande da então 5ª ligeira) que desfizesse de toda a carga de seus veiculos e continuasse avançando ( 3 da bril de 1941 quando da penatraçao na Cirenaica )... e deu no que deu Gambier Parry e O'Connor prisioneiros.
[] marco




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#6 Mensagem por Clermont » Qui Jul 03, 2008 10:16 pm

Uma coisa que me chamou atenção Clermont, sobre as taticas de combate do exército alemão ,é que pelo menos até onde eu sei fazia-se sempre "reconhecimento em força". No caso do EB o reconhecimento em força é um tipo de operação ofensiva, mas existe o reconhecimento puro e simples ( zona, area e eixo ) onde me parece que a força empregada não tem o mesmo poder da que o exercito alemão utilizava, e certemente não tinha o mesmo poder da que os aliados empregavam.

Isso me parece que dava aos alemães maiores oportunidades de explorar situaçoes imprevistas e continuar combatendo e combatendo.
Acho que não. Isso seria muito rígido, contrariando, frontalmente, o espírito de flexibilidade da doutrina militar alemã. Assim, as ações de reconhecimento eram efetuadas, de acordo com o que o comando julgava ser necessário, em dada situação e em dado momento. O reconhecimento em força alemão era um dos pratos no menu de uma formação alemã. E era reservado para situações específicas, como o reconhecimento de uma posição fortemente defendida e, eventualmente, antes de uma ofensiva. E esse tipo de missão, por sua vez, era precedido de ações de reconhecimento mais furtivas.

O que acontece é que as unidades de reconhecimento alemãs foram alterando sua constituição orgânica, com a passagem dos anos de guerra. Sem contar que elas já variavam, dependendo da formação: uma divisão blindada ou motorizada tinha unidades de reconhecimento mais potentes (com blindados leves) do que a infantaria comum. E, no momento em que os alemães passaram à defensiva estratégica, a primazia da função de coleta de informações cedeu lugar às necessidades defensivas, em grandes frentes, e com efetivos escassos. Portanto, na infantaria “pé-de-poeira” alemã, o batalhão de reconhecimento foi convertido num batalhão de fuzileiros, altamente móvel (equipado com bicicletas, por exemplo) para servir de força de reação rápida.

Claro que isso tinha lá seus inconvenientes, os comandantes superiores alemães na Itália, por exemplo, viviam reclamando de que suas divisões não conseguiam mais pegar prisioneiros, para lhes tirar informações.




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#7 Mensagem por marcolima » Sex Jul 04, 2008 1:34 pm

Acho que não. Isso seria muito rígido, contrariando, frontalmente, o espírito de flexibilidade da doutrina militar alemã. Assim, as ações de reconhecimento eram efetuadas, de acordo com o que o comando julgava ser necessário, em dada situação e em dado momento. O reconhecimento em força alemão era um dos pratos no menu de uma formação alemã. E era reservado para situações específicas, como o reconhecimento de uma posição fortemente defendida e, eventualmente, antes de uma ofensiva. E esse tipo de missão, por sua vez, era precedido de ações de reconhecimento mais furtivas.

O que acontece é que as unidades de reconhecimento alemãs foram alterando sua constituição orgânica, com a passagem dos anos de guerra. Sem contar que elas já variavam, dependendo da formação: uma divisão blindada ou motorizada tinha unidades de reconhecimento mais potentes (com blindados leves) do que a infantaria comum. E, no momento em que os alemães passaram à defensiva estratégica, a primazia da função de coleta de informações cedeu lugar às necessidades defensivas, em grandes frentes, e com efetivos escassos. Portanto, na infantaria “pé-de-poeira” alemã, o batalhão de reconhecimento foi convertido num batalhão de fuzileiros, altamente móvel (equipado com bicicletas, por exemplo) para servir de força de reação rápida.

Claro que isso tinha lá seus inconvenientes, os comandantes superiores alemães na Itália, por exemplo, viviam reclamando de que suas divisões não conseguiam mais pegar prisioneiros, para lhes tirar informações.

Entendi.
Uma coisa que li também eram tres tipos de reconhecimento: operacional ( operative aufklarung) , tatico (taktische aufklarung) e de batalha ( gefechtsaufklarung ).
O primeiro utilizava meios aéreos ( fotografia ) e terrestres motorizados, para identificar o local das atividades inimigas ( concentração de elementos ferroviários, áreas de carga e descarga militares construções permanetes e fortificações concentraçoes de artilharia AAA, identificação de grandes elementos motorizados ).
O reconhecimento tatico seria desenvolvido à retaguarda da área do reconhecimento operacional e envolvia identificação das unidades inimigas, disposição, força, capacidade de serem reforçadas, defesa AAA. Utilizava-se para isso unidades da força aerea e batalhoes motorizados. O raio de açao dependeria dos resultados do reconhecimento operacional.
As unidades aereas empregariam avioes solitarios operando em regioes não cobertas pelas unidades motorizadas.
Os batalhoes de reconhecimento não utilizariam rodovias principais como limites (as rodovias principais ficariam dentro da area de responsabilidade do batalhão), e teriam uma frente de até 30 milhas.
Colunas motorizadas avançando por lances, se o contato com o inimigo fosse provavel, utilizando-se de estradas o máximo possivel, e usualmente rotas diferantes de aproximação e retorno.O comandante do batalhão mandaria patrulhas a no máximo 1 hora de distancia à frente e o batalhão serviria de reserva para as patrulhas ( daí a potencia das patulhas ) bem como de centro de mensagens avançado ( Meldekopf ). Carros blindados, meias-lagartas ou motocicletas comporias as patrulhas de roconhecimento motorizadas. As motocicletas tomarias posição entre os gaps criando uma especie de rede.
continua...

[]marco




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#8 Mensagem por marcolima » Sex Jul 04, 2008 2:06 pm

Continuando...

O rconhecimento de batalha (gefechtsaufklarung) começaria quando a força inimiga iniciasse o desdobramento.
As divisões Panzer utilizariam patrulhas equipadas com veículos blindados e numerosas armas automaticas, sendo relativamente veloses e com grande raio de ação (três carros de reconhecianto blindados, um equipado com radio, um observador de artilharia, assim aresposta poderia ser imediata( mais um dado afavor da agressividade da força de reconhecimento, a missão durando 1 a 2 dias).
Se uma foça inimiga fosse encontrada o engajamento seria evitado a menos que a força fosse muito fraca, e pudesse ser destruida sem que apatrulha se desviasse da sua missão.
Caso a opção fosse pelo engajamento a patrulha seria reforçada até com carros de combate. Engenheiros tambem faziam parte dessas patrulhas.
As patrulhas de reconhecimento de batalha ( spahtruppen?) seriam tropa qu quando desmontada eram compostas pelo comendante da patrulha e tres a quatro subordinados. A missão era a de obter informações de uma posição inimiga, por exemplo uma área de bloqueio rodoviário, que não tivesse respondido ao fogo efetuado pelo carro de vanguarda da patrulha. Em geral evitaria contato cpm o inimigo retraindo se necessário.
A patrulha de combate (strosstruppen?) seria composta por um sargento comandando 15 a 20 homens em dois grupos( esquadras?) cada um comandado por um lider. Uma das missões seria a de trazer prisioneiros de guerra, importantes já que os aliados tinham supremacia aérea no final.
Fora isso tinham as patrulhas especiais dependendo do terreno e missão, reconhecimento de terreno (gelandeerkundung?)

[]s marco




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#9 Mensagem por tique » Sex Jul 04, 2008 11:27 pm

Axei esse site e tem algumas taticas interesantes nele
Não sei se alguem aqui ja conheçe mas se voces nao conhece aqui vai

http://tropaselite.t35.com/index.htm

:twisted:




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#10 Mensagem por Guerra » Sáb Jul 05, 2008 12:26 pm

No EB as regras para o reconhecimento variam de acordo com amissão. A regra para um reconhecimento para coleta de informações é ver sem ser visto.
Já um reconhecimento com finalidade de não deixar atrasar uma coluna de marcha é "cachorro louco". A ordem é partir para cima.




A HONESTIDADE É UM PRESENTE MUITO CARO, NÃO ESPERE ISSO DE PESSOAS BARATAS!
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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#11 Mensagem por Clermont » Dom Jul 06, 2008 10:47 am

TÁTICAS ALEMÃS NA CAMPANHA DA ITÁLIA - 2ª Parte.

De Valmontone ao Arno.

Kesselring aplicou os princípios da “Auftragstaktik”, magistralmente, durante a Campanha da Itália, com grande perspicácia, escolhendo os Schwerpunkt, ou pontos-fortes, onde ele iria concentrar suas forças opondo-se aos “pontos fracos” do inimigo, isto é, em setores que estavam quase privados de tropas ou com apenas forças fracas, incapazes de intervirem em tempo.

Eu irei discutir dois exemplos clássicos de Schwerpunkte na Itália:

A) a defesa e fechamento da brecha entre os 10º e 14º Exércitos alemães, durante a retirada de Roma para o Monte Amiata;

B) a batalha de Rimini, com a concentração de dez divisões num único setor de corpo-de-exército.


O fracasso em encurralar as tropas alemãs em Valmontone, sul de Roma, nunca irá deixar de provocar discussões. O ponto de vista alemão é este de von Tippelskirch, que comandava o 14º Exército, entre dezembro de 1944 à fevereiro de 1945:

“Nossa situação mais perigosa ocorreu no final de maio, após o colapso da frente entre Velletri e Cisterna, na direção de Valmontone. Neste momento decisivo, o estado-maior americano cometeu um erro decisivo, com momentosas conseqüências: ao invés de concentrar todas as suas forças num único ponto, talvez no vale rumo à Artena/Valmontone, onde só haviam remanescentes das divisões de Anzio/Nettuno, eles continuaram a reforçar seus flancos. Antes que a ruptura americana pudesse ser feita, lá chegaram em cena nossa divisões “Hermann Goering” e a 29ª Panzergrenadier. Com estas forças, o 14º Exército foi capaz, em parte devido ao lançamento de uma série de contra-ataques, em impedir a decisiva ruptura para Valmontone, até 30 de maio. Na noite de 30-31 de maio, as tropas americanas, com quatro divisões contra, apenas, a 29ª, finalmente conseguiram irromper através da frente, e tomar Valmontone, em 1º de junho.”


Em nenhum livro escrito que eu conheça, a história foi contada, exatamente como aconteceu. Eu fui testemunha pessoal do fato de que, até agora, ninguém contou que a 29ª Panzergrenadier esteve, pesadamente, envolvida nesta batalha, ou de que foi ela quem travou a defesa, até a última trincheira, do setor de Valmontone, de 25 de maio até 15 de junho, na área próxima a Velletri, na direita e incluindo Anagni, na esquerda.

Nenhum de nós – nem mesmo, creio eu, nosso comandante divisionário – tinha a exata noção das enormes forças aliadas nos confrontando. Apenas, muito mais tarde, depois do fim da guerra, soubemos que a 29ª tinha combatido dois corpos-de-exército inteiros, o II Corpo americano e o Corpo Expedicionário Francês (Corps Expéditionaire Français, CEF). Na Linha Hitler, de 21 de maio até 22 de junho, o meu regimento (o 15º) enfrentou, sozinho, seis regimentos americanos, das 85ª e 88ª Divisões americanas, enquanto outro de nossos regimentos, o 71º, enfrentou tropas coloniais francesas. Mais tarde, na frente de Valmontone, de 25 de maio até 22 de junho, nossa divisão enfrentou três divisões americanas, as 3ª, 85ª e 88ª, e também as divisões, 2ª de Infantaria marroquina e 3ª de Infantaria argelina. “Por quê eles não avançam? Por quê são tão lentos?”, costumávamos nos perguntar.

Exigiria muito espaço nestas páginas, para contar toda a história de nosso envolvimento na luta em que intervimos, afinal de contas, tarde demais, quando a situação já tinha-se tornado irreversível. Basta dizer que nós, na reserva, na área de Bracciano, fomos alertados, tarde demais, e começamos nosso movimento, apenas, em 19 de maio, quando não mais era possível tapar a brecha aberta pelos franceses e alargada pelos americanos.

Em 22 de maio, minha companhia capturou Monte delle Fate, ao norte de Terracina, tomando como prisioneiros, uns poucos oficiais americanos e cerca de 30 soldados, que haviam estabelecido um posto de observação lá. Após rechaçar contra-ataques, tivemos de nos retirar sob a ameaça de acabar cercados. Nós nos infiltramos através das linhas inimigas, à noite, em Amaseno, até alcançarmos nossas próprias linhas, novamente, em Prossedi. De lá, fomos transportados para a área de Velletri (onde fomos ultrapassados pelas primeiras unidades da Divisão Panzer de Pára-quedistas “Hermann Goering”), à qual o nosso I Batalhão do 15º Regimento (I/15º), temporiamente anexado à “Hermann Goering”, defendia de ataques inimigos, vindo da direção de cabeça-de-ponte de Anzio, enquanto o restante da 29ª Divisão defendia a frente sul, contra os franceses e americanos. Na noite de 27 de maio, fomos transferidos para a frente de Artena-Valmontone, ficando sob as ordens de nossa própria divisão, de novo. Minha companhia, sozinha, defendia um setor de 500 metros, ao longo da estrada de Artena para Valmontone. A frente do I/15º, somente, era de 2,5 Km, e tinha de ser defendida contra os ataques de três regimentos inimigos. Por quê os americanos não irromperam através dela? Talvez, porque eles sempre atacavam frontalmente, e na mesma direção.

À 29 de maio, a luta transferiu-se mais para o sul, em torno de Gorga, onde o comando concentrou três batalhões, o meu, o III/15º e o II/8º da 3ª Divisão Panzergrenadier. Isso significava que a frente, de Artena até Valmontone, estava quase despida de defensores, apenas os remanescentes de dois batalhões do regimento 1060 da 362ª Divisão, dispostos em posição, apressadamente, para tapar a brecha. Eu nunca compreendi por quê nossos comandantes assumiram esse risco, e por quê os americanos nunca tiraram vantagem da situação. Em Gorga, lançamos um contra-ataque contra os marroquinos, então, recuamos para Colleferro-Valmontone, onde a luta continuou até 2 de junho, quando, finalmente, nos retiramos para Subíaco e para Tivoli.

Os aliados tinham concentrado enormes forças para a batalha por Roma/Valmontone: sete divisões americanas, duas britânicas, quatro coloniais francesas; num total de treze divisões.

Pessoalmente, eu sentia que duas ou três divisões teriam sido suficiente para a captura de Roma. As nossas divisões, sendo de pára-quedistas, infantaria e de montanha, retiravam-se, lentamente, de Cassino rumo ao norte. O sucesso estava, virtualmente, assegurado. Mas, talvez o comando aliado, não acostumado à “Auftragstaktik”, carecia de coragem parra planejar uma tão extensa manobra de envolvimento. Certamente, o estado-maior americano não tinha idéia alguma de como explorar o sucesso em Valmontone. Ao mesmo tempo, eu acrescentaria que os americanos, mesmo nos níveis médios e baixo, nunca soubera como tirar vantagem de situações favoráveis que ocorriam em seus setores de competência. Eu posso dizer isto, baseando-me em minha experiência como defensor de Valmontone, Gorga e Colleferro.

Von Tippelskirch descreve como o 10º Exército se encontrou em situação de extremo perigo, após Valmontone, já que foi incapaz de fazer uso dos seis dias ganhos lá (25 de maio a 1º de junho) para ligar seu flanco direito com o flanco esquerdo do 14º Exército. Neste caso, os americanos não souberam como tirar vantagem do erro cometido pelo nosso Grupo de Exércitos.


Assim, após a queda de Roma, um enorme espaço vazio foi criado entre o 14º Exército na frente tirrena e o 10º Exército, em retirada na Itália Central e na frente adriática. O 14º, com poucas divisões (a 3ª Panzergrenadier, a 4ª de Pára-quedistas, a 65ª de Infantaria e parte da 362ª de Infantaria) – quase todas dizimadas -, foi ameaçado de envolvimento e aniquilamento pelos americanos, que estavam avançando, numa média de dez quilômetros por dia. O 10º Exército, lentamente se retirando ao longo das poucas estradas disponíveis, defendia seu flanco esquerdo com a 15ª Divisão Panzergrenadier, ela mesma em grave perigo de ser envolvida e destruída, ainda mais porque tinha de coletar os remanescentes das divisões que haviam lutado no setor sul de Anzio (a 715ª de Infantaria e parte da 362ª).

Para evitar ter seus flancos envolvidos, e juntar os dois exércitos, cerrando a brecha entre eles, Kesselring criou um ponto-forte no vale do Tiberina, de Tivoli ao Lago Trasímeno, com apenas quatro divisões: a 26º Panzer, as 29ª e 90ª Panzergrenadier e a 1ª de Pára-quedistas (“Schwerpunkt am Tiber” entre 4 e 16 de junho). Para conseguir isto, ele deslocou sua frente – numa audaciosa e magistral conversão – de uma direção meridional para uma ocidental, contra as tropas americanas avançando ao longo da costa.

As tarefas prescritas para este Schwerpunkt eram para assegurar o flanco direito do 10º Exército, sua retirada e a defesa da “posição de barreira” entre Tivoli e Acquapendente (Lago Trasímeno), com todo o XIV Corpo Panzer. Com uma perfeita manobra, tão difícil quanto não-familiar, as quatro divisões, moveram-se por lanços, uma pela outra, formando uma nova frente, que conectou os dois exércitos.

O sucesso deste movimento de retardamento para conter o avanço aliado na Itália central, ganhou o louvor do general Puddu, um historiador que demonstrou um sólido conhecimento do Exército alemão, tanto que seus comentários parecem ter sido escritos por um general alemão em suas “memórias de guerra”. Após apontar para a gravidade da situação alemão, Puddu continua:

”E, também, a solução para o problema operacional alemão foi complicada por vários fatores: a mínima segurança fornecida pelas defesas costeiras; a falta de suficientes recursos navais e aéreos para impedir desembarques; a inabilidade do próprio reconhecimento aéreo em dar aviso antecipado das intenções e movimentações inimigas; a dificuldade de assegurar o próprio ressuprimento, em face do domínio do ar pelos aliados; a inadequação das redes rodoviária e ferroviárias e, finalmente, as dificuldades impostas pelo terreno montanhoso”.


Eu compartilho as observações feitas pelo general Puddu. Nós sofremos muito com a falta de capacidade de nossos serviços de inteligência. Para nós, na linha de frente, já era alguma coisa saber se estávamos enfrentando marroquinos, ou poloneses, ou britânicos, ou canadenses, ou gurkhas, e por aí vai. Com freqüência, recebíamos a ordem (e não a missão!) de tomar prisioneiros, como forma de obter novidades sobre qual inimigo estava confrontando nossos comandos regimentais e divisionários!

No concernente ao suprimentos, eu discordo de Puddu, mas minha experiência não é representativa, pois a 29ª era uma divisão móvel, especial, que nunca careceu de provisões, vestimentas, substituições em homens, viaturas, “Panzerfausts” antitanques, munição, combustível e por aí vai, pelo menos, até 18 de abril de 1945 (quando fui capturado).

Puddu continua:

”No entanto, estas dificuldades puderam, em grande medida, serem sobrepujadas, durante as primeira e segunda fases da batalha, graças à vontade de ferro dos comandantes; a habilidade dos estados-maiores; o valor da tropa; o intenso treinamento, especialmente em combate cerrado e luta de rua; a cooperação próxima entre infantaria e artilharia; a gradual e inteligente introdução de novas unidades em combate, com patrulhas de veteranos experimentados sendo utilizadas para aclimatar os recém-chegados; e o intensivo trabalho feito na área de combate para melhorar as posições ocupadas.


Eu posso confirmar, totalmente, o que o general Puddu diz a respeito da gradual e judiciosa introdução de unidades descansadas em combate. Nosso sistema de dispor novas unidades e indivíduos em linha, poupou muito sangue e deu à tropa, uma certa segurança enquanto combatia. Em minha própria companhia, entre 19 de maio e 26 de outubro, recebi 285 substitutos, em grupos de vinte, quarenta, cinqüenta e setenta por vez. Nunca os coloquei, todos juntos, na linha de frente, mas, apenas, em pequenos grupos de cinco. Somente em Lastra a Signa, quando recebi um grupo de 70 substitutos, tive de enviá-os para a frente, em grupos de dez, porque a urgência do momento não permitia mantê-los atrás mais tempo.

E Puddu escreve:

A ação de retardamento dos alemães, foi tornada possível, também, pela contínua destruição de pontes, a minagem de extensas áreas de trânsito e as demolições de toda a espécie, que eles levavam à cabo, com sua costumeira meticulosidade. No entanto, enquanto tais condições favoráveis possam ter facilitado a ação do comando alemão, é preciso aceitar que a habilidade alemã em sobrepujar a crise e conduzir uma retirada ordenada pode, predominantemente, ser atribuída a habilidade do próprio comando alemão em avaliar o perigo, com frieza, prontamente tomando as medidas para lidar com ele. E, também, ao espírito da tropa que, mesmo sofrendo pesadas baixas, manteve seu senso de coesão e seu espírito de luta, intactos.

A habilidade do alto-comando alemão tem sido reconhecida, mesmo pelos historiadores do inimigo que louvam a perícia dos comandantes alemães, primeiro, ao avaliarem todos os perigos, com precisão, e em saberem como tomar as medidas apropriadas, no tempo certo. Segundo, eles conseguiram manter suas companhias juntas e em boa ordem, conservando seu espírito de luta, apesar de perdas extremamente altas.


Esta observação é perfeitamente verdadeira. Nós obedecíamos a uma ordem moral que nunca nos foi dada, mas que sempre seguíamos: melhor perder terreno do que destruir a companhia! E, por este modo, nós mantivemos as companhias intactas, apesar de alguns combates muito duros que nos custaram baixas muito elevadas, e que, freqüentemente, isolavam uma companhia das outras.

Para dar uma noção da gravidade das perdas, nos treze dias, entre 21 de maio e 2 de junho de 1944 (a batalha por Roma), não precisamos mais do que mencionar as baixas de seis batalhões da 29ª Divisão Panzergrenadier: I Batalhão do 15º Regimento, 192 homens (37 %); II/15º, 200 homens (39 %); III/15º, 198 homens (38 %); I/71º, 225 homens (43 %), II/71º, 258 homens (50 %); III/71º, 212 homens (41 %). No total, a 29ª Divisão perdeu 2066 homens, incluindo mortos, feridos e desaparecidos (sem contar os enfermos), dos quais 1591 eram grenadieren, 247 batedores, 145 artilheiros, 41 engenheiros, 21 sinaleiros e 21 do corpo de serviços. Os mortos foram 268, feridos 889 e 909 desaparecidos.

Como foi a guerra na Itália para nós, nas linhas de frente? Eu só posso concordar com o que Walter Nardini escreveu, tendo em mente que as condições de batalha descritas por ele, são as mesmas com as quais o meu próprio regimento – já então, um veterano de ferozes combates em Rimini e das contínuas lutas, ao sul de Cesena, contra os canadenses e os gurkhas e reduzido à metade de sua força – se defrontou no final de outubro, quando se voltou para enfrentar a 34ª Divisão de Infantaria americana, no vale do Zena, quinze quilômetros de Bologna:

Cada simples casa, cada colina, cada metro de terreno teve se arrancado aos alemães, com baixas muito elevadas, e nenhum americano esperava um fim rápido para aquela situação. Tão logo cruzávamos um rio, aparecia outro; tão logo ganhávamos uma colina ou montanha, outra surgia na nossa frente, de onde bombas de morteiro e granadas de artilharia choviam sobre nós. Os tanques paravam, atolados na lama, o clima impedia os aviões de decolarem. Quando, mais tarde, a batalha mudou para luta corpo-a-corpo, os americanos pareciam terem perdido o espírito.


Os generais britânicos tinham tencionado varrer as tropas alemãs, ao sul de uma linha indo de Pisa a Rimini (a Linha Gótica, geralmente falando) para que pudessem atravessar a Brecha de Ljubljana e avançar sobre Viena, mas o fracasso de seus planos, na perseguição após a queda de Roma, teve um efeito adverso, de muitos pontos de vista, sobre seu planejamento estratégicos para a Europa Central (von Senger).


(continua...)




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#12 Mensagem por marcolima » Dom Jul 06, 2008 9:58 pm

Seria possível Clermont que vocÊ nos descrevesse a organização dos meios de 29ª Divisão Panzergrenadier da Waffen SS?

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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#13 Mensagem por Clermont » Dom Jul 06, 2008 11:29 pm

marcolima escreveu:Seria possível Clermont que vocÊ nos descrevesse a organização dos meios de 29ª Divisão Panzergrenadier da Waffen SS?
Na verdade, ela era uma divisão do Exército, não das Waffen-SS.

E organização dela era de, basicamente, dois regimentos de infantaria motorizada (três batalhões cada); 1 regimento de artilharia (dois batalhões); 1 batalhão de canhões de assalto; 1 batalhão anti-aéreo e 1 de reconhecimento. Mais as unidades tradicionais de apoio (comunicações, engenharia etc).




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#14 Mensagem por marcolima » Seg Jul 07, 2008 10:37 pm

Clermont escreveu:
marcolima escreveu:Seria possível Clermont que vocÊ nos descrevesse a organização dos meios de 29ª Divisão Panzergrenadier da Waffen SS?
Na verdade, ela era uma divisão do Exército, não das Waffen-SS.

E organização dela era de, basicamente, dois regimentos de infantaria motorizada (três batalhões cada); 1 regimento de artilharia (dois batalhões); 1 batalhão de canhões de assalto; 1 batalhão anti-aéreo e 1 de reconhecimento. Mais as unidades tradicionais de apoio (comunicações, engenharia etc).

Perdão, achei que era das Waffen, foi o que eu li no site Feldgrau.
Bom, a 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária Brasileira parece que tinha uma organização parecida, não?
O que consta no livro do então Ten. Cel. Manuel Tomaz Castelo Branco é resumidamente o seguinte:
Infantaria Divisionária: 3 RI com 3 BI cada + 1 Cia obuzes ( 6 peças de 105mm) + 1 Cia de canhoes AT ( 9 peças de 57mm )
Cada RI com 3256 militares+ 1 Cia Ob com 6 peças de 105mm ( total de 18 peças)
Cada BI com 871 militares com 3 CiaFzo de 193 militares, 1 Cia de petrechos pesados, fora comando

Artilharia Divisionária: 3 Grupos de 105mm com 3 Bia Ob cada ( 4 peças por bateria; total por grupo12 peças, 36 peças no total dos tês grupos)
1 Grupo de 155mm em três baterias de 4 peças ( total 12 peças)

+ 13 carros blindados M8 em um Esquadrão de Recon
+ apoio logistico

No final das contas: 13 canhões de 37mm
57 de 57mm
1632 lança-granadas
585 lança rojão 2.36
54 Ob de 105mm
12 Ob de 155mm
13 carros M8
05 1/2 lagartas
5231 carabinas .30
6510 fuzis .30
243 fuzis automáticos .30
175 metralhadoras .30
237 " .50
90 morteiros 60mm
54 " 81mm
87 sub metralhadoras .45


Coloquei isso tudo porque talvez fosse interessante vc tecer alguns comentários sobre a força das duas divisões, lembrando também que a FEB foi organizada de acordo com o modelo americano.

[] marco




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#15 Mensagem por cabeça de martelo » Ter Jul 08, 2008 10:05 am

Subversão e contra-subversão

Francisco Proença Garcia[2]



Neste artigo intitulado “Subversão e contra-subversão” foi empregue uma multi-metodologia, e definido um modelo de análise holístico, que depois aplicámos ao caso português, para podermos encontrar resposta à seguinte questão fundamental: Qual a contribuição portuguesa para uma estratégia contra-subversiva na actualidade?

O trabalho está organizado em três partes distintas contudo inter-relacionadas. Na primeira parte, descrevemos o fenómeno da subversão e a sua evolução na actualidade, as suas causas e tipologias; na segunda parte, a temática centra-se na resposta a ser equacionada aos diferentes níveis de modo a fazer face à subversão. Por último, na terceira parte, efectuamos o estudo de caso de Portugal numa longa luta contra-subversiva, para, à luz dessa experiência histórica e da recente actuação em missões de paz, se conseguirem identificar os contributos nacionais para uma estratégia global de contra-subversão na actualidade.


Abstract

The title of our article is "Insurgency and counter-insurgency ". We used a holistic and multi-methodological approach that was later applied to find an answer to the following fundamental subject: Which were the Portuguese contributions for a strategy of counter-insurgency in the present days?


The present book is organized in three different though interconnected chapters. The first chapter concerns the phenomenon of insurgency and its evolution in the present, its causes and typologies; the second chapter focuses upon the answer that should be set out at different levels in order to face insurgency. The third and last chapter analyses the case study of Portugal in the midst of a long counter-insurgency campaign so that, bearing that historical experience in mind as well as the recent operations in peace missions, it will be possible to identify the national contributions for a global strategy of counter-insurgency in the present.

Ao Soldado português e ao Exército onde me orgulho de servir.

INTRODUÇÃO

A entrada no terceiro milénio continua cheia de incertezas, sendo evidentes as mudanças profundas da conjuntura internacional. Com a implosão a Leste, a ameaça que estava bem definida desapareceu, dando lugar a um período de anormal instabilidade, com uma ampla série de focos de convulsão regionais e múltiplos radicalismos. A instabilidade é igualmente criada pelos novos tipos de ameaças, algumas já hoje manifestas, de que os trágicos acontecimentos de Nova Iorque, Madrid e Londres, são o paradigma.

A actual conjuntura internacional, onde o papel do Estado soberano está em crise, também se caracteriza pela flexibilização do conceito de fronteira e pela aceitação de situações de cidadanias múltiplas e de governança partilhada. Este cenário facilita o crescimento e o disseminar da violência internacional não-estatal, deixando as guerras de obedecer apenas à concepção típica de matriz essencialmente clausewitziana, do anterior sistema internacional. Hoje, a violência global que é permanente, manifesta-se sobretudo de uma forma estruturalmente assimétrica, não tem uma origem clara, pode surgir em qualquer lugar e apresentar um cariz subversivo.

O nosso livro, que se intitula “Subversão e Contra-Subversão”, parece-nos assim de inegável interesse, pois procura não só descrever e analisar a conflitualidade associada ao fenómeno subversivo na actualidade, como identificar os contributos que no presente Portugal pode dar para uma estratégia contra-subversiva.

O título do nosso livro sugere-nos logo à partida diversas questões:O que caracteriza hoje o fenómeno subversivo? Como se articula a estratégia contra-subversiva na actualidade? Como poderá Portugal contribuir para uma estratégia contra-subversiva?

O propósito da presente monografia insere-se na construção de um modelo de análise, que procura encontrar respostas para todas as perguntas formuladas. Para a concretização do objectivo proposto nesta investigação, tivemos presente que a Estratégia, pela pluralidade de perspectivas que podem ser chamadas a integrar temática que daquela Ciência se reclame, determina o recurso a outras áreas das Ciências Sociais como a Sociologia, o Direito, as Relações Internacionais, a História e a Geopolítica. Esta confluência possibilitará, em nossa opinião, uma maior precisão do campo de trabalho e maior nitidez quanto ao desenvolvimento do nosso plano.

As agora generalizadamente chamadas subversão e guerra subversiva, são fenómenos cuja origem se perde na História, tendo sido teorizados desde a Antiguidade por pensadores como T´ai Kung e Sun Tzu, surgindo as primeiras análises sistemáticas apenas na segunda metade do século XVIII, com Jean de Folard e Augustin Grandmaison, no século XIX, com Le Mière de Corvey, Carl Von Clausewitz, Marechal Lyautey e, no século XX, com Lettow-Vorbeck, Thomas Edward Lawrence, Mao Tse Tung, Nguyen Giap e Amílcar Cabral, entre tantos outros.

São inúmeros os conceitos que podemos encontrar para a definição de subversão, todos eles referindo uma intenção de alteração da ordem e do Poder vigentes, ou mesmo a sua conquista. Nós defini-la-íamos como uma técnica de“assalto ou de corrosão dos poderes formais, para cercear a capacidade de reacção, diminuir e/ou desgastar e pôr em causa o Poder em exercício, mas nem sempre visando a tomada do mesmo” (Garcia, 2000, p. 78)[1].

Existe uma confusão frequente entre o conceito de subversão e o de guerra subversiva. A subversão, como aqui a definimos, nem sempre conduz à guerra subversiva, mas temos por certo que a antecede ou que a acompanha. Esta é a mais hábil e sofisticada forma de conflito (Collins, 2002, p. 167) e consiste numa “luta conduzida no interior de um dado território, por uma parte dos seus habitantes, ajudados e reforçados ou não do exterior, contra as autoridades de direito ou de facto estabelecidas, com a finalidade de lhes retirar o controlo desse território ou, pelo menos, de paralisar a sua acção” (EME, 1966 a, cap. I, p. 1).

A guerra subversiva, que se inicia antes de se evidenciarem as suas manifestações violentas, subordina-se, em regra, a uma ideologia política de um grupo organizado, que actua conscientemente, com planeamento, preparação e conduta na actuação contra o Poder estabelecido (legítimo ou de ocupação), não sendo uma acção espontânea e descoordenada da população. Os meios (violentos ou não, legais ou não) para a levarem a cabo são avaliados pela eficácia e pelo seu valor relativamente ao fim em vista, materializando a população o seu centro de gravidade (objectivo, meio e instrumento) (EME, 1966 a, cap. I, p. 2; Couto, 1989, p. 212 e Alves, 1992, p. 151).

Na diferente literatura da especialidade consultada para a elaboração deste estudo, são frequentemente empregues expressões que se podem confundir com os de subversão e guerra subversiva adoptados por nós. Entre essas expressões figuram as seguintes: guerra revolucionária, guerra insurreccional e guerrilha.

Segundo Franco Pinheiro, a guerra revolucionária, sendo certo que incorpora os conteúdos conceptuais da guerra subversiva, caracteriza-se por ser conduzida nos pressupostos do marxismo-leninismo e pretender, em última análise, a implantação do comunismo, utilizando uma amplitude de meios e processos que vão da guerra convencional à guerra subversiva, ou simples aspectos de guerra-fria. Ou ainda, o mero esquema de agitação/propaganda (1963, p. 21). Guerra revolucionária significa igualmente a transformação da luta em revolução, já que uma vez destruída a sociedade velha, através de um sistema de educação revolucionária, emergirá um “Homem novo”.

Guerra insurreccional confunde-se com o conceito de guerra interna, sendo “uma luta armada, de carácter político, levada a efeito num dado país, contra o poder político constituído” (EME, 1966 a, cap. I, p.4). De acordo com esta definição, diferencia-se da guerra subversiva por não ser conduzida obrigatoriamente pela população civil.

O conceito de guerrilha[2] corresponde a uma táctica adoptada, uma forma de levar a cabo a subversão armada que emprega determinado tipo de meios e processos com um carácter restrito, na realização de operações militares. A guerra subversiva trava-se, em regra, no plano militar, sob a forma de guerrilhas.

Parece-nos oportuno esclarecer que inserimos a subversão num conceito alargado e abrangente, integrador de diversos outros conceitos, razão pela qual daqui em diante, referiremos indistintamente, guerra subversiva/guerra revolucionária/guerra insurreccional, pois todas elas se desenvolvem em ambiente subversivo e empregam técnicas comuns para obter o controlo político do Estado ou simplesmente para desgaste do Poder instituído. Neste sentido, e porque as guerras subversivas combinam as diversas formas de violência (da militar, à das vontades, passando pela pressão económica e pela diplomacia), são uma guerra política na expressão de Paul Smith (1989, p. 3), ou, na linha clausewitziana, também elas continuam a política por outros meios (1976, p. 87), uma vez que através de uma estratégia total, pretendem, em última análise, a implantação de um novo sistema político ou, no mínimo, o desgaste do vigente, pela prática de um desenvolvimento lento, de guerra prolongada e de esgotamento da ordem constituída. Isto significa que recorrem a outros meios, para além dos políticos, para alcançarem os objectivos políticos pretendidos.

Procurando responder ao desafio que nos foi proposto, articulámos o nosso estudo em três partes distintas mas interrelacionadas. Na primeira parte descrevemos o fenómeno da subversão e a sua evolução na actualidade, quais os seus móbiles e as suas tipologias; posteriormente a temática centra-se na resposta que deve ser equacionada aos diferentes níveis para fazer face à subversão e, por último, na terceira parte efectuamos o estudo de caso de Portugal numa longa luta contra-subversiva para, à luz dessa experiência histórica e da recente actuação em missões de paz, se conseguirem identificar os contributos nacionais para uma estratégia de contra-subversão na actualidade.

A nossa investigação baseia-se essencialmente na pesquisa monográfica e em publicações em série. Privilegiámos ainda a análise da documentação legislativa e oficial, e explorámos vários documentos inéditos existentes em diversos fundos documentais, quer do Exército quer do Estado-Maior General das Forças Armadas. Tivemos ainda oportunidade de complementar o nosso estudo recorrendo a depoimentos de diversas personalidades especialista na matéria que tivemos a oportunidade de entrevistar.

A investigação científica em sentido lato requer, para constituir ciência, resposta a uma série de requisitos como a sistematização dos dados, a credibilidade dos resultados e a aceitabilidade pela comunidade científica. Requisitos que procuramos cumprir com este nosso estudo.

CONCLUSÃO

Os fenómenos da subversão e contra-subversão obedecem a estratégias de actuação globais, que visam sempre o Poder, carecendo assim, para a sua análise, de uma abordagem holística. A descrição e sequente análise efectuadas no primeiro capítulo deste estudo, permitem-nos afirmar que a subversão é um fenómeno político intemporal que afecta a soberania dos Estados e cuja substância se mantém, mas que modifica o seu carácter e se adapta a cada caso concreto, assumindo hoje formas qualitativamente novas em consequência de diversos factores que caracterizam o sistema internacional e as sociedades políticas, bem como as suas inter-relações.

Nesta ordem de ideias, a subversão na actualidade, que agrupámos em quatro grandes tipologias, lumpen, clânica, popular e, global, manifesta-se devido a fenómenos como: a conurbação, o recrudescimento dos nacionalismos, as mudanças civilizacionais em diversas sociedades ou no confronto entre elas, o crime organizado, o terrorismo transnacional, a forma clássica da luta de libertação e ideológica, ou através da tradicional resistência à ocupação territorial. Estas motivações podem ser alternativas ou cumulativas, encontrando a sua expressão mais violenta nas designadas guerras de quarta geração. Estas guerras são todas irregulares, sem regras, sem princípios, sem frente ou retaguarda, onde os objectivos são fluidos, no entendimento de que a única legitimidade é o exercício, tendo como maiores vítimas as populações.

Partindo do princípio de que qualquer resposta contra-subversiva deve ser contextualizada no espaço e tempo próprios e ser equacionada para fazer face à tipologia subversiva identificada, idealizámos um modelo de análise que tem por base os principais actores do fenómeno subversivo (a população, as forças de subversão, as forças de contra-subversão e a comunidade internacional), todos eles a relacionarem-se e a condicionarem-se de uma forma dinâmica. Sobre os mesmos aplicámos diversos processos e técnicas, cuja combinação, integração e coordenação formam a manobra contra-subversiva, que assenta numa estratégia total, ao nível interno e externo, directa e indirecta, anti-lassidão, carecendo de uma coordenação muito estreita de cinco manobras parcelares: político-diplomática; sócio-económica; psicológica; informações e militar; todas, visando a conquista da adesão das populações.

Da actuação política esperam-se reformulações de carácter dinâmico, a tomada de decisões a nível administrativo, a adopção de medidas de âmbito legislativo, regulamentar, organizativo e de reforço da autoridade do Estado; a nível externo, a acção diplomática deve angariar apoios para a contra-subversão e redução dos da subversão e do seu descrédito. Ao nível sócio-económico, a manobra assentará na promoção das condições de vida e no controlo da população e dos recursos. Da manobra militar espera-se a neutralização e destruição da estrutura subversiva, bem como a preservação e obtenção da adesão da população, criando interna e externamente condições que desfavoreçam a eclosão da subversão. Estas manobras parcelares pressupõem ainda uma intensa e integrada actuação psicológica sobre as populações, a subversão e a contra-subversão. Para poderem conduzir acções rendíveis, todas estas acções parcelares pressupõem Informações oportunas, precisas e relevantes e que os diversos órgãos funcionem em sintonia no seu esforço de pesquisa, para saber como, onde e quando se deve actuar.

A manobra contra-subversiva, com o seu ritmo próprio, deve ter em conta o factor tempo e, numa actuação ética, procurar alcançar uma paz sustentada, de preferência com a remoção das causas que estavam na origem do conflito.


Pela análise efectuada neste estudo, entendemos que a estratégia da resposta contra-subversiva, porque total, depende muito da eficácia da organização global do poder instituído, e as iniciativas desencadeadas exigem uma acção de cooperação e de coordenação muito estreita entre as autoridades civis, autoridades militares e as populações, ou seja, as formas de articulação da contra-subversão que visam a conquista da adesão das populações, apesar das alterações qualitativas face a novos processos e técnicas, são as de sempre, desempenhando a presença militar um papel distintivo, pois, mesmo que este tipo de guerra não se ganhe pela sua acção, perde-se pela inacção militar.

As análises históricas das experiências passadas são fundamentais para ajudarem a compreender a natureza e as linhas de continuidade e mudança do fenómeno subversivo ao longo do tempo mas, as novas realidades estratégicas não devem ser esquecidas pelos investigadores e, sendo certo que o futuro reserva novas incertezas, novos desafios e novas lições, devemos operacionalizar lições aprendidas na História que evitem a repetição dos mesmos erros.

O nosso estudo de caso assentou num primeiro tempo, na análise da experiência portuguesa na luta contra-subversiva em África, através de uma actuação global, ao longo de treze anos contra diversos movimentos populares de cariz independentista, que se traduziu naquilo que designámos por “resposta possível”, concertando e promovendo as acções definidas pelo nosso modelo de análise: político-diplomática, sócio-económica, psicológica, informações e militar, todas obviamente simultâneas e interpenetradas, mas a desenvolverem-se em esferas de acção diferenciadas, procurando o Poder português desequilibrar as populações em favor do seu controlo. Num segundo tempo, onde os ensinamentos adquiridos em África foram relembrados, o nosso estudo incidiu nas intervenções em OAP (operações de apoio à paz), ou seja, numa resposta apenas parcelar, mas inserida também ela numa estratégia total, contra as diversas tipologias subversivas.

Em ambas as situações analisadas, as Forças Armadas alimentam o tempo da manobra política; logo, o seu objectivo prioritário e essencial é o de entretanto garantirem a mobilidade e concretização das outras componentes da complexidade estratégica.

Face à doutrina construída e consolidada, à experiência adquirida e aos conhecimentos acumulados, Portugal está em condições para contribuir para uma estratégia contra-subversiva na actualidade, nas suas diversas tipologias, particularmente nas situações em que a subversão se manifeste em sociedades pré-modernas, essencialmente rurais e cujas populações sejam maioritariamente islamizadas.


Este contributo pode ser materializado quer em cada uma das manobras parcelares que constituem a resposta contra-subversiva, quer a um nível mais abrangente e transversal a todas as manobras parcelares, especificamente:

Manobra político-diplomática:

A política de cooperação, nomeadamente através da cooperação técnico-militar e policial, desempenha um papel primordial na restruturação do Sector de Segurança em situações pós-conflito, como tem sido o caso em Angola e Moçambique;
Fortalecimento da Autoridade do Estado e das Organizações Internacionais, com a adopção de medidas legislativas adequadas, com um carácter dissuasor e preventivo, de forma a reduzir vulnerabilidades;
Colaboração na democratização das sociedades.
Manobra sócio-económica;

Colaboração no desenvolvimento e na promoção da condição de vida das populações;
Manobra psicológica:

Promoção de acções de informação pública, isentas e esclarecidas;
Manobra de informações:
Manutenção de um eficiente sistema de Informações;
Partilha de Informações com os restantes países e OI;
Manobra militar:

Disponibilização de forças (diferenciadas pelas características e capacidades do soldado português) e meios para a adopção de medidas preventivas e de combate, com acções tácticas de destruição das capacidades subversivas e dos seus apoiantes, em qualquer localização geográfica;
Disponibilização da Companhia CIMIC (Assuntos Civis-militares) e de equipas HUMINT (Human Intelligence);
De uma forma transversal:

Sustentação e divulgação dos conhecimentos e da experiência, nas escolas militares e civis;
Investigação e produção de doutrina que permita lidar com as diferentes tipologias subversivas;
Promoção de acções de formação cívica;
Colaboração na definição e implementação de medidas de gestão das consequências, ou controlo de danos, de forma a minimizar os efeitos de uma actuação concretizada.
O interessante nesta tipologia de conflitos é serem sempre diferentes, cada caso é um caso, isto apesar de poderem haver pontos comuns, reforçando a ilação que, na globalidade subversiva, se pode tirar: o factor surpresa é permanente, como permanentes são o fluir da História e a diversidade dos cenários e dos homens.



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[1] Amaro Monteiro define subversão como: “o exercício de meios psicológicos assentes sobre valores sociomorais perfilhados pelas maiorias, visando, em geral por forma predominante e prolongadamente não-ostensiva, a queda ou controlo global ou parcial do Poder por minorias, num território ou em outro objectivo a atingir, acompanhando sindromatologias pré-revolucionárias”. (1993, p. 22). Cabral Couto entende-a como “toda a acção deliberada levada a efeito por qualquer movimento ou organização, recorrendo a formas de actuação extra-legais, com o objectivo de destruir ou corroer o Poder estabelecido e, em regra, a ordem político-social existente” (Couto, 1989, 212). Sousa Lara entende-a como “o processo social conducente a uma ruptura, total ou parcial, de uma dada ordem conjuntural e caracterizado pela informalidade ou marginalidade de actuações e pela incompatibilidade de projectos relativamente aos valores da ordem jurídica instituídos, com vista à substituição dessa ordem por outros” (1987, p. 24). Para o francês Raymond Aron, a subversão “consiste à susciter ou attisser le mécontentement des peuples, à exciter les masses contre les gouvernements, à provoquer ou à exploiter les émeutes, rébelions ou révoltes afin d’affaiblir les Etats rivaux et de reprendre certaines institutions plus encore que certaines idées. Elle exige, pour réussir pleinement, certaines conditions: dans l´Etat attaqué, des foules doivent être insatisfaites et des minorités prêtes à passer à l´action, en sympathie avec les thèmes idéologiques propagés par les révolutionnaires du dedans et du dehors” (1988, p. 517). Para Roger Mucchielli, esta é “une technique d’affaiblissement du pouvoir et de démoralisation des citoyens” (1976, p. 9).

[2] Guerrilha, etimologicamente, significa pequena guerra. Considera-se que já César enfrentara a luta de guerrilhas nas Gálias e na Grã-Bretanha. A divulgação do termo ocorre a partir da luta dos guerrilheiros espanhóis contra os exércitos invasores de Napoleão I. Quanto a Portugal, ficaram conhecidas as “guerrilhas” do Remexido do Algarve, dos marçais de Foz Côa, entre outros. Veja-se, sobre o tema Loureiro dos Santos (1985).



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[1] Este texto, tal como aqui publicado, é apenas uma versão resumida (inclui apenas a Introdução e a Conclusão) de um trabalho que na sua forma completa inclui mais três partes: A Caracterização do Fenómeno Subversivo; A Manobra Contra-subversiva e as suas integrantes e Contributos Nacionais para uma Estratégia Contra-subversiva. Não é publicado integralmente por razões técnicas de gestão do site (dimensão que excede largamente o habitual) mas será disponibilizado por inteiro a quem o solicitar usando o endereço indicado em “Contactos”.

[2] Tenente-coronel de Infantaria, mestre em Relações Internacionais e Doutor em Ciências Sociais na área da História Contemporânea




"Lá nos confins da Península Ibérica, existe um povo que não governa nem se deixa governar ”, Caio Júlio César, líder Militar Romano".

O insulto é a arma dos fracos...

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