QUEM NÃO LEU AINDA, VALE A PENA, ÓTIMO
O outro lado da moeda
A guerra aérea no Atlântico Sul, vista pelos argentinos
1 - INTRODUÇÃO
Quando no dia 2 de Abril de 1982, a República do Rio da Prata que estava mergulhada em uma inflação altíssima e com um nível de desemprego nunca alcançado, foi sacudida com a notícia de que após 150 anos, suas forças armadas haviam retomado as Ilhas Malvinas, a Fuerza AéreaArgentina (FAA), rapidamente deu-se conta de que estaria em futuro muito próximo, envolvida profundamente em uma guerra aérea moderna, guerra essa que demandaria o uso de tecnologia e táticas puramente teóricas e nunca aplicadas. Cada um dos lados subestimava a força do outro e o resultado foi o que se passou a chamar Guerra do Atlântico Sul.
Um Dagger do II Escuadrón de Caza (VI Brigada Aérea)
Seria um conflito em que lições seriam absorvidas, transcendendo a pequena área geográfica na qual as ações foram desenvolvidas, o curto espaço de tempo em que elas aconteceram, resultando em mudanças nas doutrinas operacionais. Além do mais, como resultado das armas empregadas, a experiência obtida foi tremenda. Uma pequena guerra no Atlântico Sul, gerou um imenso interesse técnico por todo o mundo sem que tenha sido uma luta entre "Davi e Golias", como muitos apregoam.
Quando a FAA recebeu ordens de se preparar para a operação que iria retomar as Ilhas Malvinas, San Pedro (Georgia do Sul) e Sandwich, sabia também que seus recursos materias e humanos seriam empregados no limite de suas possibilidades, e que se poderia haver contra uma força aérea extremamente preparada e treinada, a qual muitos de seus pilotos admiravam e respeitavam. Seria uma guerra totalmente diferente daquela para qual viam treinando, ou seja, uma contra o vizinho Chile em disputa do Canal de Beagle. Utilizariam as mais modernas, letais e precisas armas existentes.
Contudo, se os ingleses tentassem retomar as ilhas,
a FAA, a mais profissional das três forças, estaria pronta para resistir, embora a Junta Militar que governava a Argentina, acreditasse que o envio de uma Força Tarefa Inglesa era simplesmente um pequeno gesto de defesa, sem grande pretensões. O domínio argentino das ilhas e a enorme distância da base inglesa mais próxima, levavam a crer que uma tentativa britânica de retomar as ilhas era impossível. A base mais próxima que as forças britânicas poderiam operar, ficava na Ilha de Ascensão, à 6325 km das Malvinas ou 5867 km de San Pedro. Por outro lado a Base Aérea de Rio Gallegos da FAA ficava a 778 km das Malvinas e 2037 km de San Pedro, e assim só era possível para a FAA fornecer suporte para as forças terrestres localizadas nas Malvinas, e mesmo assim com alguma restrição de combate.
2 - OS PROBLEMAS DE PLANEJAMENTO
Era óbvio que a distância das bases continentais argentinas (Rio Grande ficava à 704 km e Comodoro Rivadávia à 959 km), capazes de operar as aeronaves de combate de alta performance, complicaria qualquer planejamento para se atacar a Força Tarefa Britânica ao largo das ilhas. O uso de tanque sub-alares seria obrigatório para os
Mirages IIIEA e Daggers, já que ambos os modelos não possuíam capacidade de reabastecimento no ar e mesmo assim os armamentos a serem carregados seriam restritos. A
FAA possuía um par de KC-130 H, e se esses aviões pudessem utiliza-los, o uso do afterburner para combates seria um problema, e caso os ingleses utilizassem um AEW, o problema aumentaria com a necessidade de se realizar missões LO-LO-LO a partir de uns 350 km de distância das ilhas.
As facilidades aeroportuárias nas Malvinas eram restritas a uma pista asfaltada de 1250 m em Puerto Argentino (Port Stanley), que poderia ser utilizada pelos C-130 e pelos F-27 de transporte, mas que seria curta para as aeronaves de combate carregadas. Haviam outras pequenas pistas, se é que se poderia chama-las de pistas, espalhadas pela ilha, que poderiam ser utilizadas pelos Pucará, aeronave esta em que os argentinos depositavam muita confiança. De um modo geral, o terreno na ilha era inadequado para a construção de pistas permanentes quanto mais de pistas de combate rápidas. A FAA possuía uma pista de combate rápida, que poderia ser adaptada à existente em Puerto Argentino, mas ela só poderia ser transportada pelo mar. Acredita-se que se isso tivesse sido possível, a história da guerra seria outra. A
defesa aérea das Malvinas estava baseada em mísseis SAM (Roland, Tigercat, Blowipe, etc...), e em canhões de 35 mm dirigidos por radar. A falha estava na não existência de muitas armas de pequeno calibre.
Um
Mirage IIIEA do I Escuadrón, VIII Brigada Aérea, em Rio Gallegos, pronto para uma missão de escolta
Veja o
Matra R 530 AAM e o tanque de combustível sub-alar de 374 galões.
As forças argentinas tinham outro problema além da falta de suporte aéreo. As rotas de comunicação, tanto por via rodoviária como por telefone, eram completamente inadequadas. As rodovias, praticamente não existiam ou eram muito rudimentares e a rede de telefonia muito falha e não confiável. O transporte tinha que ser feito basicamente por helicópteros e uma rede de rádio teve que ser instalada. Um outro problema surgiu quando os ingleses estabeleceram uma Zona de Exclusão de 200 milhas em torno das ilhas, praticamente inibindo o resuprimento marítimo. A Zona de Exclusão praticamente não teve efeito na ponte aérea entre o continente a as ilhas, mas por outro lado, todo o suprimento passou a ser levado por via aérea, impondo um grande problema logístico para a FAA e para a Aerolineas Argentinas cujos serviços foram requisitados.
O relevo das ilhas também impunha seus problemas, atrapalhando a instalação e a operação de radares; a escassez de vegetação praticamente impossibilitava a camuflagem de qualquer posição; as aeronaves foram colocadas sob redes de camuflagem, mas como o terreno não possuía locais adequados para proteção, rapidamente os ingleses descobriam sua localização e isso explica o grande número de Pucarás destruídos no solo.
Um outro aspecto do teatro de operações que deve ser considerado, é a condição meteorológica da área, característica essa que pode ser o fiel da balança entre o sucesso e o fracasso de uma operação. As Ilhas Malvinas e o Atlântico Sul são famosos pelo mau tempo e seria óbvio que ter-se-iam dias impossíveis de se voar e outros com condições marginais. Completamente cientes da importância do conhecimento das condições meteorológicas na rota de ida e volta para as ilhas, o Comando Argentino instalou em Comodoro Rivadávia um centro meteorológico, bem como estações nas bases aéreas de Trelew, Santa Cruz, Rio Gallegos, San Julian e Godor Gregores. As informações obtidas nesses pontos, eram juntadas àquelas obtidas em Puerto Argentino e Darwin e às dos satélites.
As previsões fornecidas eram muito precisas e estimava-se que durante o período de 1 de maio até 14 de junho, praticamente não se teria condições de vôo, com nuvens baixas cobrindo as ilhas por todo o dia, aumentando os problemas de navegação e de identificação dos alvos. As condições meteorológicas piorariam ao longo do mês de junho, tornando praticamente impossível o planejamento de qualquer missão de ataque. Na realidade, durante os 44 dias de guerra, aconteceram 17 dias de mau tempo sobre as ilhas ou no continente e seis dias com condições ligeiramente melhor. Nem sempre mau tempo sobre as ilhas coincidia com mau tempo no continente. Uma outra limitação era imposta pelo fato de que devido à latitude e à estação do ano, o período de luz era restrito a umas 9 horas, e a capacidade de operação noturna da FAA era limitada.
Vê-se então, que as condições de defesa das ilhas pelos argentinos eram difíceis, como foi dito por muitos antes e durante o conflito. Realmente, avaliando-se todos os fatores envolvidos, podemos dizer que a desvantagem que os argentinos tinham para defender as ilhas era contabalançada pela imensa distância que as forças britânicas teriam que operar. Não deve ser esquecido que a Grã Bretanha, com total apoio dos Estados Unidos, conseguiu organizar uma logística praticamente sem falhas de modo a apoiar suas forças no Atlântico Sul; que os
Harriers e Sea Harriers operando a bordo dos porta-aviões Hermes e Invencible estavam mais próximos da arena de combate do que estavam as aeronaves da FAA e da Aviación Naval e que as forças britânicas eram apoiadas por um amplo controle de
radar e satélites.
3 - O INÍCIO DOS COMBATES
Com a chegada das forças argentinas nas Malvinas, intensos preparativos foram iniciados para se estabelecer uma presença da força aérea na ilha, centrada no que se denominou Base Aérea Militar de Puerto Argentino. Seriam baseados nesse aeródromo os
Pucarás do IV Escuadron de Exploracion y Ataque e
MB 339 e T-34C das 1ª e 4ª Ecuadrillas Aéronaval de Ataque, sendo que algumas aeronaves seriam dispersadas em outros pequenos campos de pouso em Goose Green e Pebble Island. À essas aeronaves juntaram-se helicópteros
Bell UH-1H, Boeing Vertol CH-47 Chinook, Pumas e Augusta A-109 do Comando de Aviacion del Ejército além de
Skyvans e outros helicópteros da Prefectura Naval Argentina.
Um comando unificado para controlar as operações no Atlântico Sul foi instalado na base aérea de Comodoro Rivadávia, mas nas Ilhas Malvinas foi também instalado um outro sob o comando do Brig Gen Mario B. Menéndez, devido ao problema de distância e comunicações. A esse comando estavam subordinados todas as aeronaves baseadas nas ilhas, que seriam coordenadas por controladores avançados ligados a uma Seção Operacional de Defesa Aérea. Um Centro de Informações de Combate foi instalado em Puerto Argentino, utilizando um radar de longo alcance
Westinghouse AN/TPS-43F, que os ingleses mais tarde tentaram
destruir utilizando mísseis anti-radar disparados por Vulcans,
mas que era desligado assim que os Vulcans se aproximavam, fazendo com que os mísseis disparados não o atingisse.
Um Pucará pousado em Puerto Argentino.
Os argentinos chegaram a ter 40 Pucarás lotados na ilha, mas quase todos foram destruídos em terra, ou por ataques aéreo, ou por tiros da artilharia naval e mesmo por ações dos Comandos ingleses. Apenas cinco foram abatidos em combate, mostrando que se tivessem sido melhor empregados, protegidos e
bem camuflados, poderiam ter causado muitos danos às tropas inglesas, devido a sua agilidade à baixa altura. O desembarque inicial dos ingleses em San Carlos no dia 21 de maio, foi descoberto por um Pucará, sendo que imediatamente outros apareceram e causaram muitas baixas nas tropas britânicas.
Um outro Pucará, no dia 28 de maio, abateu um Scout (helicóptero do Exército Britânico). No mesmo dia do desembarque em San Carlos, um Pucará pilotado pelo Maj Tomba, foi abatido por um Sea Harrier, com o piloto se ejetando, sendo mais tarde capturado pelas tropas inglesas.
Conforme os
Pucarás iam engajando combate, as aeronaves iam se danificando principalmente devido ao
fogo de armas antiaéreas leve. Os restantes foram grupados e passaram a se deslocar pelos pequenos campos de pouso da ilha, sendo apoiados pelos helicópteros ou por suprimentos lançados pelos C-130.
Os Pucarás continuaram a atacar constantemente as tropas britânicas, e sua última missão foi no dia 14 de junho, quando atacaram a as forças que estavam desembarcando em Bluff Cove. Ao final restaram 15 Pucarás.
4 - OS JATOS EM AÇÃO
Os ataques aéreos principais às forças de invasão eram provenientes dos aeródromos do continente. Informações de satélites eram fornecidas à Força Tarefa Britânica pelos Norte Americanos, fazendo com que os argentinos tivessem uma grande desvantagem, mesmo quando para evitar que os ingleses tentassem adivinhar suas intenções, eles trocavam os aviões de bases. Essas observações de satélite, permitiam ao Adm Woodward um constante monitoramento dos principais movimentos do adversário - as unidades de bombardeio.
Os planos iniciais diziam que as decisivas ações seriam aquelas tomadas no eixo Darwin - Puerto Argentino. Isso significava que os principais alvos da FAA estariam em um círculo com raio de 95 milhas, centrado na capital das ilhas, abrangendo tanto a parte de terra como do mar. Logo ficou claro, que estavam errados, já que as aeronaves da Força Tarefa Britânica operavam por uma região muito mais ampla. Outro fator complicava a situação - a eficiência dos sistemas britânicos tanto para ataque quanto para defesa, fazendo com que os argentinos tivessem que reformular todos os seus procedimentos. As aeronaves britânicas estavam muito mais próximas das áreas de operação do que a dos argentinos, e isso refletia na disponibilidade maior dos ingleses de permanecerem na zona de combate do que seus adversários; a grande quantidade de fragatas e destroiers ingleses nas proximidades, fornecia uma ampla cobertura de radar e os argentinos eram obrigados a voarem em um perfil não econômico, de modo a tentar minimizar o efeito dos radares, diminuindo ainda mais sua permanência na área de combate.
Oitenta e dois A-4B e A-4C, Mirages III EA, Daggers e Camberas foram deslocados para as bases aéreas mais próximas das ilhas, impondo um considerável esforço logístico.
Um alto grau de disponibilidade foi mantido, com exceção dos Skyhawks, que tiveram no máximo 70%, devido a falta de peças (motores, tanque sub-alares e sistema de ejeção), devido ao embargo imposto pelos Estados Unidos. A FAA operou basicamente de três bases: Os Camberras de Comodoro Rivadavia; os
Mirrages III EA e os
A-4B de Rio Gallegos e os
A-4Q e Super Etendards da Aviación Naval de Rio Grande. Os Daggers começaram voando de Rio Gallegos mas foram transferidos depois para Rio Grande e os
A-4C voaram basicamente de San Julian, com algumas sortidas sendo feitas de Rio Grande.
A distância entre essas bases e as Ilhas Malvinas praticamente acabava com a vantagem que os argentinos tinham em utilizar aviões lotados em terra. Levava-se 45 minutos para ir e outros tantos para voltar, ou seja, 90% do combustível era consumido para translado, restando muito pouco para as ações de combate. Todas as missões dos Mirages, foram voadas com dois tanques sub-alares, cada um com 374 galões (1700 litros). Já os Daggers, voavam com três tanques sub-alares, cada um com 286 galões (1300 litros).
Os argentinos tinham sempre em mente o objetivo de preservar ao máximo seus aviões, e por isso o planejamento de qualquer operação era cercado de certezas de se obter o melhor e mais positivo resultado. Não podiam limitar a utilização dos
Mirages III EA a ataques ao solo, visto que existia a remota possibilidade dos Vulcans atacarem as bases continentais argentinas, e por isso os lotados em Rio Gallegos estavam permanentemente em alerta.
Em algumas ocasiões, esses Mirages foram empregados como cobertura aérea de outras aeronaves em missão de ataque, e para isso foram armados com um míssel MATRA R530, dois Magic AAA e dois tanques sub-alares de 374 galões.
Dois A-4C Skyhawhs da IV Brigada Aérea. Essa unidade perdeu 10 aeronaves durante o conflito.
A economia de combustível era de primordial importância nessas missões, e os Mirages não possuiam autonomia suficiente para tentar estabelecer qualquer superioridade aérea, ja que só possuiam 10 minutos de autonomia para combate. Isso era frustante para os pilotos, visto que os
Mirages eram totalmente ignorados pelos Sea Harriers, que só se preocupavam com os aviões de ataque. Os Mirages não podiam nem lançar seus mísseis à distância, com receio de abaterem seus compatriotas.
Mas houve ocasiões em que os Mirages e Sea Harriers se encontraram, como no dia 1 de maio, quando um Mirage, pilotado pelo 1º Tenente Carlos Perona, escoltando uma missão de ataque, em companhia de outro Mirage, se envolveu em combate. O tenente Perona relata:
- Meu radar mostrou dois bandidos vindo em nossa direção. Cruzamos com dois Sea Harriers e comecei então a executar manobras na tentativa de encauda-los.
O Sea Harrier tinha uma habilidade muito grande de desacelerar rapidamente e de repente me ví ao lado de um a mais ou menos uns 150 metros. Eu o acompanhei visualmente até ele desaparecer de vista, quando nesse momento senti um violento impacto.
Meu Mirage começou a vibrar violentamente e logo perdi o controle da aeronave, tendo como única solução me ejetar. Assim que meu para-quedas se abriu, ví meu Mirage se chocar com a água e logo em seguida observei outra coluna d`água como se fosse um outro avião mergulhando. Na hora concluí que eu havia me chocado com o segundo Harrier ! Na realidade, o Tenente Perona havia sido atingido por um Sidewinder lançado pelo Sea Harrier. O segundo impacto na água observado, era provavelmente o seu assento ejetor.
Um outro Mirage, pilotado pelo Capitão Garcia Cuerva, foi perdido em uma outra dessas missões de escolta. Sua aeronave foi atingida por um AIM-9L, e o Mirage tentou fazer um pouso de emergência em Puerto Argentino. Na reta final, provavelmente devido a um curto-crcuito, seus dois mísseis Matra foram disparados, e a AAA argentina assumindo que era uma aeronave hostil, o abateu, com o Capitão falecendo. Esses foram os dois primeiros Mirages perdidos, durante o primeiro real batismo de fogo da FAA.
Nesse dia, o Adm Woodward decidiu testar a eficácia das defesas argentinas, aproximando-se das ilhas com sua frota. Assim que esta ficou ao alcance das aeronaves lotadas no continente, a FAA realizou 56 saídas -
12 com os A-4B, 16 com os A-4C, 12 com os Daggers, 10 com os Mirages e 6 com os Camberras. Por diversas razões, apenas 35 desses aviões chegaram a seus objetivos, infligindo danos em uma e possivelmente em duas fragatas, com a perda de um Dagger e um Camberra, além dos dois Mirages anteriormente mencionados. O resultado dessas missões, foi que a Força Tarefa Inglesa retirou parte significativa de seus navios, para uma região além do alcance das aeronaves da FAA, até que o principal desembarque acontecesse na Baía de San Carlos.
O Comando Argentino havia programado 19 missões para o dia seguinte, mas o mau tempo as cancelou. A inexistência de objetivos e o contínuo mau tempo, restringiu as atividades da FAA pelas próximas três semanas de maio. Nesse período, 85 missões foram programadas, mas devido ao mau tempo reinante, problemas técnicos e outras causas, apenas 16 foram realizadas. A situação mudou radicalmente no dia 21 de maio, quando às 08:15 horas, os argentinos descobriram que navios da Força Tarefa Britânica estavam no Estreito de San Carlos, e que dois deles estavam bombardeando a costa. Era óbvio que essas ações ou eram o começo da tentativa inglesa de estabelecer uma cabeça de praia ou eram ações divesionárias para simular um desembarque, que na realidade seria realizado em outro local. O Comando Argentino imediatamente planejou ataques aéreos, e às 10:00 horas, um Pucará de reconhecimento confirmou que mais de uma dúzia de barcos de diversos tipos estavam se dirigindo para a Baía de San Carlos com a intenção aparente de desembarcar tropas, uma força de ataque da FAA já estava se aproximando das ilhas, começando as ações às 10:10 horas. Começou então uma série de ataques que viriam estabelecer lendas de audácia e coragem nos combates aéreos.
5 - O TEMPO ESQUENTA
Entre 21 e 25 de maio, o Comando Aéreo Argentivo realizou 167 saídas contra a cabeça de praia e os navios britânicos, sendo que 106 atingiram o alvo com a perda de 16 aeronaves entre os Daggers e os Skyhawks utilizados. Tanto os ataques como as defesas foram notórias pela ferocidade desenvolvida. Os Skyhawks da IV e V Brigadas Aéreas e os Daggers da VI Brigada Aérea atacaram implacavelmente, gerando no dia 25 de maio, o seguinte comentário do Ministro da Defesa Britânico John Nott.
- Eu penso que os pilotos argentinos estão mostrando uma grande bravura. Seria idiota se dissesse o contrário. Entretanto eles não poderão manter o mesmo nível de perdas por um período muito longo, mas realmente, eles são muito valentes eu tenho que admitir !
Para se aproximarem dos alvos sem serem notados, os Skyhawks e os Daggers, literalmente surfam pelas ondas até estarem a umas 8 milhas de distância, quando então sobem o suficiente para lançarem suas bombas e evitarem os navios - mais de uma aeronave perdeu seu tanque sub-alar, quando este chocou-se com alguma antena ou mastro dos navios.
As aeronaves tinham que passar por uma bareira de projéteis de 20 mm e de 40 mm, além dos mísseis Sea Cat, Sea Dart e Sea Wolf, sem falar nos Sidewinders dos Sea Harriers, que com seu sistema de aquisição de alvo, podiam lança-los de qualquer angulo.
Mais tarde, o problema aumentou, quando foram instalados em terra as baterias de mísseis Rappier. Eis como um piloto argentino descreveu um ataque:
- Parecia que estávamos no meio de um tremendo show pirotécnico. Granadas explodindo por todos os lados e mísseis vindo de todas as direções. Era de vital importância que ignorasse-mos os "fogos de artifício", concentrassemo-nos no alvo, o atacasse e saíssemos o mais rápido possível daquele inferno !.
Embora tivesse responsabilidade primária pelos esforços dos ataques, a FAA era auxiliada pelos
A-4Q Skyhawks da 3ª Escuadrilla de Caza y Ataque, pelos Super Etendards recém adquiridos da 2ª Escuadrilla e pelos
MB 339A da 1ª Escuadrilla de Ataque da Aviación Naval, esses últimos operando de Puerto Argentino. Durante o desembarque na Baía de San Carlos, um desses
MB 339,
danificou uma fragata britânica, com uma salva de foguetes, sendo que mais tarde, esse navio foi afundado por outra aeronave da FAA. Os Skyhawks estariam normalmente embarcados no porta aviões 25 de Maio, que chegou a participar das ações de retomada das ilhas, mas sofreu uma avaria nas máquinas, sendo obrigado a permanecer ancorado durante todo o conflito.
A Aviacion Naval teve sua primeira grande vitória, quando no dia 4 de maio, um dos
mísseis Exocet lançados por dois Super Etendards da 2ª Escuadrilla, atingiu e afundou o
destroyer Sheffield. O destroyer fora localizado por outra aeronave do mesmo tipo, e os atacantes aproximaram-se do alvo vindo do sul a uma altura muito baixa a cerca de 480 nós.
O teto era de uns 500 pés (150 metros) e a visibilidade de um-quarto de milha (400 metros). A 25 milhas do Sheffield, os pilotos argentinos subiram para 500 pés (150 metros), com o radar adquirindo dois alvos separados de 40 graus de azimuth. A 23 milhas, cada avião lançou um Exocet para cada alvo, sendo que o Sheffield foi atingido por um dos mísseis, e o outro míssel desviado pelas medidas contra-eletrônicas, caíu no mar a uns 300 metros do Yarmouth.
Um Dagger da VI Brigada Aéra, fotografado em sua base de origem (Tandil - Buenos Aires)
Os A-4Q da 3ª Escuadrilla atacavam tanto os navios da Força Tarefa quanto as tropas em terra, juntamente com os Skyhawks e Daggers da FAA. Uma das missões foi particularmente desastrosa para a Aviación Naval, quando no dia 23 de maio, às 18:30 horas, três Skyhawks decolaram de Rio Grande para atacarem uma fragata. O lider, lançou sua bomba de 500 lb e ao mesmo tempo a fragata respondeu com um par de mísseis, atingindo-o e derrubando-o. O número 2, atacou e conseguiu acertar o navio,
mas Sea Harriers apareceram e ele foi atingido, tendo ficado com seus sistemas inoperantes. Tentou pousar em Puerto Argentino, mas o trem de pouso não baixou e ele preferiu se ejetar a uns 600 m de altura.
O número 3, não lançou suas bombas, sendo atingido pelos Sea Harriers. Conseguiu retornar à Rio Grande, mas ao tentar pousar, os estragos eram tantos que o avião acidentou-se e o piloto perdeu a vida.
Os Super Etendards reapareceram na zona de combate no dia 25 de maio, um dos piores dias para a Força Tarefa Britânica. Desta vez, eles foram reabastecidos em vôo pelos KC-130, e cada aeronave carregava um Exocet em uma das asas e um tanque sub-alar de 242 galões na outra.
Utilizando a mesma tática do dia 4 de maio, ao subirem para 500 pés, o radar revelou um grande alvo cercado de outros menores em uma formação circular. Os mísseis foram lançados contra o alvo maior, atingindo o Atlantic Conveyor, danificando-o tão seriamente que foi a pique dias depois. Acreditava-se na Argentina que cerca de uma dúzia de Harriers e de Sea Harriers estavam a bordo do navio destruído, mas na realidade eles haviam sido transferido em vôo para o Hermes e para o Invencible uma semana antes. Contudo,
6 Wessex e 3 Chinooks foram para o fundo do oceano juntamente com preciosos suprimentos, o que representou enorme perda para a Força Tarefa Britânica.
Uma missão dos Super Etendards quase tornou-se a glória para a Aviación Naval, quando um Exocet foi lançado contra o porta aviões Invencible, sendo milagrosamente destruído por fogo anti-aérea de 4,5 polegadas da fragata Avenger. No dia 21 de maio foi a vez da fragata Ardent ir a pique e no dia 23 a vez da fragata Antelope juntamente com o destroyer Conventry. Outros navios sofreram danos sérios, sem entretanto afundarem.
Responsáveis pela maioria das missões de ataque, os Skyhawks e os Daggers sofreram as maiores baixas entre os aviões argentinos. Durante um ataque à Baia de San Carlos, uma esquadrilha
de quatro Daggers foi completamente abatida - possivelmente pelos Sea Harrires - e em outra ocasião um Dagger tentou engajar combate com um Sea Harrier a baixa altura, mas esse estando em seu elemento favorito, não deu chance ao argentino, derrubando-o rapidamente. Os problemas dos aviões argentinos não se resumiam aos Sea Harriers e a anti-aérea britânica, o mau tempo existente no continente poderia ser às vezes muito pior - haviam ocasiões em que os Daggers tinham que decolar de Rio Grande com rajadas de vento de 90 nós !
6 - A FASE FINAL
Entre 26 de maio e 7 de junho, as características do conflito mudaram, com as forças britânicas firmemente postadas em terra e com a Força Tarefa Britânica podendo operar à noite para apoio logístico, encoberta pelo mau tempo reinante. Durante esse período foram planejadas 110 missões da aeronaves argentinas baseadas no continente, porém mais uma vez devido às condições meteorológicas e a outros fatores, apenas 57 conseguiram alcançar a zona de combate, com a perda de quatro aeronaves.
No dia 8 de junho, o Comando Argentino descobriu que um novo desembarque britânico estava sendo realizado em Pleasant Bay, na costa sudeste da Ilha Soledad. Trinta e sete missões foram programadas para aquele dia, sendo que apenas seis aeronaves chegaram à zona de combate. Nesse dia a fragata Plymouth foi danificada, quando um projétil do canhão de um Dagger atingiu uma carga de profundidade de um helicóptero.
Essa mesma fragata foi atingida por quatro bombas de 1000 lb, mas nenhuma delas explodiu - verificou-se ao final da guerra que cerca de 70% das bombas argentinas que atingiram os alvos não explodiram. Inicialmente pensou-se que os argentinos estavam utilizando velhos suprimentos ainda da 2ª Guerra Mundial, mas não !
Elas eram bombas modernas, Mk 83 ou similares, mas cuja espoleta não fora projetada para ataques contra navios a baixa altura, pois elas não tinham tempo de se armar entre o lançamento e o impacto. Modificações foram introduzidas, mas não houve tempo para utiliza-las. Se todas elas tivessem explodido como deveriam, com certeza as baixas argentinas teriam sido muito menores.
Durante o ataque do dia 8 de maio, os navios de desembarque Sir Tristam e Sir Galahad, foram bastante danificados, sendo que o úlimo afundou. A FAA não só atacou os navios em Plesant Bay, como também as barcaças de desembarque e as tropas em terra, tendo causado inúmeras baixas nos ingleses, ao preço de várias aeronaves. Entre 9 e 14 de junho, 65 missões foram planejadas, mas o tempo piorou ainda mais, e apenas 27 se completaram - a
última aeronave argentina a ser derrubada foi um Camberra, abatido por um míssel Sea Dart lançado da fragata Exeter, horas antes do cessar fogo.
As missões de combate voadas pela FAA e pela Aviación Naval, não foram as únicas tarefas realizadas durante a guerra. Misões de reconhecimento, transporte e reabastecimento em vôo, se não tão espetaculares, foram também vitais, sendo que algumas delas foram realizadas por aeronaves e pessoal não pertencentes às forças armadas. Uma unidade desconhecida, denominada Escuadron Fenix, foi formada com a requisição de aeronaves e aeronautas civis para realizarem missões de ligação, transporte leve, busca e salvamento e até mesmo reconhecimento. Essas últimas, podem ser realmente consideradas missões de combate, mesmo quando realizadas por aeronaves civis desarmadas.
Diversas misões com aeronaves Learjet e HS-125 civis foram voadas operacionalmente por tripulações civis, sendo que nove delas foram de navegação das aeronaves de ataque até a proximidade de seus alvos, 27 foram de comunicação entre as aeronaves de ataque e o Comando Central e 123 para simplesmente perturbar os radares e os interceptadores ingleses. Não há dúvida de que o Escuadron Fenix, colaborou de maneira decisiva na redução do número de aeronaves de ataque abatidas. Um Learjet 35A da II Brigada Aérea foi abatido por um míssel Sea Dart lançado da fragata Exeter no dia 7 de junho.
Os C-130 Hércules da I Brigada Aérea foram algumas vezes utilizados como aeronaves de reconhecimento, bem como Boeings 707 da Aerolineas Argentinas. O procedimento do Hércules era o seguinte: voavam a 50 pés (15 metros) com seu radar desligado, subiam a 500 pés (150 m), ligavam-no, faziam uma varredura, desligavam e retornavam a altura das ondas. Um dos Hércules foi pego pelo radar da fragata Minerva, que rapidamente vetorou um Sea Harrier em direção ao transporte, sendo este abatido por um Sidewinder.
Os Boeings serviram como rudimentares AEW, e foram interceptados em várias ocasiões, pelos Sea Harriers durante o mês de abril, fora da Zona de Exclusão, acompanhando a Força Tarefa Britânica.
Em ocasião mais tarde, um deles conseguiu escapar de seis mísseis Sea Darts, realizando manobras que os projetistas de Seattle nem imaginaram ser possível um Boeing 707 fazer, como por exemplo, um mergulho acentuado até o topo das ondas.
Uma outra utilização dos C-130 foi como bombardeio. Os tanques sub-alares foram retirados e substituíidos por suportes para bombas de 500 lb. Bombas semelhantes foram colocadas no compartimento de carga, para serem liberadas pela rampa traseira. O único resultado conhecido, foi que algumas dessas bombas atingiram um navio tanque inglês, sem que explodissem. Os KC-130 H de reabastecimento, foram bastante utilizados nas operações com os Skyhawks (tanto da FAA como da Aviación Naval) e mais tarde com os Super Etendards. Se não fossem os Hércules, muitos desses aviões teriam sido obrigados a amerrissarem por falta de combustível. Houve casos em que Skyhawks fizeram o retorno ao continente, com seu "probe" de reabastecimento permanentemente conectado ao Hércules, porque estavam perdendo combustível na mesma taxa em que eram reabastecidos no ar !!
Vôos de transporte, no período entre 2 de abril e 13 de junho, totalizaram 2.356 horas, das quais. 2.047 foram realizadas por aeronaves da FAA e as demais pelas Aerolíneas Argentinas e pela Austral, a maioria delas entre Puerto Argentino e o Continente. Foram transportados 9.729 pessoas e 5.442 toneladas de carga. Deste total 264 eram feridos retornando ao continente. Os Hércules operaram de diversas pistas, sendo que em várias ocasiões tiveram pneus estourados devido aos buracos causados pelos ataques da RAF e da Royal Navy.
Resumindo, a FAA realizou durante os 44 dias de atividades 505 missões das bases continentais (255 pelos Skyhawks A-4B e C, 145 pelos Daggers, 45 pelos Mirages, 54 pelos Camberras e 6 pelos Pucarás). Isso foi um esforço muito grande por parte dos argentinos, visto que a disponibilidade de suas aeronaves foi em
média de 41%. Perderam 35 aeronaves (18 Skyhawks, 11 Daggers, 2 Mirages, 2 Camberras, 1 Hércules e 1 Lear Jet), o que dá uma taxa de 7% de perdas, considerando-se o total de missões realizadas.
Além disso, 6 Daggers e 2 Skyhawks foram tão severamente danificados, que não puderam ser reparados, sendo considerados perdidos.
Vários aspectos dessa desastrada e desnecessária guerra, que custou a vida de muitos argentinos e ingleses, além de perdas materiais, permanecerão em discussão, mas o valor e a coragem dos pilotos argentinos, é uma unanimidade. Foi voando de bases localizadas no continente, sob estresse mental constante, imposto pela limitação de combustível de seus aviões, fatigados pelo longo vôo a baixa altitude em cima d`água, praticamente sempre sob mau tempo, com visão limitada, que a aviação militar argentina recebeu seu batismo de fogo.