Re: Georgia X Rússia
Enviado: Dom Ago 17, 2008 1:16 pm
Analistas: autonomia da Ossétia do Sul é irreversível
O conflito entre a Geórgia e a região separatista da Ossétia do Sul foi muito mais do que uma demonstração da força militar e política que a Rússia procura manter na região do Cáucaso. Segundo especialistas ouvidos pelo Terra, a invasão georgiana em território ossétio e a contra-ofensiva russa são indícios da irreversível autonomia da Ossétia do Sul e trazem à tona uma guerra de informações liderada por fontes ocidentais, representada pela mídia dos Estados Unidos, digna dos tempos de Guerra Fria.
Para o professor e coordenador do curso de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Paulo Afonso Francisco de Carvalho, as informações que chegaram do conflito mostravam sempre o drama georgiano diante das ações militares da Rússia. Ele chama a atenção para a invasão da Geórgia na Ossétia do Sul, cujas conseqüências foram pouco repercutidas pela imprensa mundial. "Quando suas tropas rumaram a Tskhinvali, capital da Ossétia do Sul, a Geórgia rompeu com um tratado de paz que ela mesma tinha assinado em 1994", afirmou.
Francisco de Carvalho, que diz acompanhar o conflito assistindo a canais de TV americanos e europeus, mas também russos, diz que, ao chegar à Ossétia, a Geórgia trocou a programação de TVs da Rússia por americanas e cortou o acesso à Internet. "Foi uma tragédia, o exército da Geórgia matou 2 mil pessoas, há vídeos de pessoas sendo abatidas como animais", contou. Para o especialista, isso justificaria o contra-ataque russo, que expulsou as tropas georgianas da Ossétia do Sul e ainda ocupou algumas cidades em território georgiano.
Limpeza étnica
"A Rússia não poderia de forma alguma ficar quieta diante de uma situação dessas. Ela respondeu para defender seus cidadãos. A Geórgia tinha a idéia de em três dias chegar até a fronteira com a Rússia, mas a resposta de Moscou foi rápida e violenta", acrescentou. Francisco de Carvalho, no entanto, refuta a acusação do presidente georgiano, Mikhail Saakashvili, de que os russos estariam fazendo uma limpeza étnica. "Aconteceu justamente o contrário. A Geórgia quer expulsar os ossétios do sul para o norte".
O especialista diz que a operação de invasão georgiana na Ossétia do Sul se chamou "campo limpo". Segundo ele, é um claro indício da volta da política "Geórgia para os georgianos", aplicada pelas primeiras administrações do país após o colapso da União Soviética. O pesquisador Karl Schurster, do Laboratório de Estudos do Tempo Presente, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também não vê fundamento na acusação de Saakashvili, mas pondera em relação à atitude georgiana.
"É uma questão complicada. Quando a guerra começa, você precisa fazê-la ter sentido para a sua população, é preciso encontrar motivos para conseguir a ajuda do povo. Acredito que a posição de Saakashvili foi uma tentativa do governo georgiano de obter o aval da sociedade", explica. Para Schurster, a Rússia não está preocupada com limpeza étnica, e sim com o fortalecimento da sua federação. "É muito fácil para a Geórgia evocar o passado - já que a Rússia já fez limpezas étnicas - e trazê-lo à tona no presente".
Autonomia da Ossétia
Na última sexta-feira, o presidente da Rússia, Dmitry Medvedev, disse que, depois dos enfrentamentos dos últimos dias, as regiões separatistas da Ossétia do Sul e da Abkházia provavelmente não vão querer continuar a fazer parte do Estado georgiano. Na opinião de ambos os pesquisadores, o atual conflito no Cáucaso vai acelerar e tornar irreversível o processo de autonomia da Ossétia do Sul. "Será muito difícil que a Ossétia continue com a Geórgia, pois o país já nem se considera pertencente à Geórgia", analisa Schurster.
Francisco de Carvalho concorda, mas acredita que nenhum país da ONU vá reconhecer a Ossétia do Sul como uma nação. "Na prática, a fronteira vai ficar aberta para a Rússia", acredita o pesquisador. Schurster observa que o referendo realizado na Ossétia do Sul em 2006, no qual 99% da população concordaram com a separação da Geórgia, pode ajudar a região separatista a conseguir sua autonomia junto à comunidade internacional. O que fica claro agora, segundo ambos, é a medição de forças entre a Rússia e os Estados Unidos.
Como na Guerra Fria
Ao invadir a Ossétia do Sul, a Geórgia esperava o aval e o possível apoio dos Estados Unidos. O máximo que conseguiu foram dois aviões de ajuda humanitária e um aliado no embate diplomático travado pelas potências para que a paz retorne ao Cáucaso. O contra-ataque russo mostrou que o país comandando pelo presidente Dmitry Medvedev e pelo primeiro-ministro Vladimir Putin quer retomar a influência que tinha antes do colapso da URSS. Do outro lado estão os Estados Unidos, que têm como aliados algumas ex-repúblicas soviéticas, como a própria Geórgia.
"O atual conflito está diretamente ligado com a independência do Kosovo, quando a Rússia perdeu a soberania que tinha sobre este Estado", compara Schurster. Para ele, a contra-ofensiva é uma forma de mostrar que ela ainda mantém a soberania na região, e que, recuperada da crise econômica da década de 1990, vai buscar recuperar a influência que tinha durante o império soviético. "Os Estados Unidos, por sua vez, saíram em defesa da Geórgia não tanto pela região, mas sim para não perder um parceiro na Guerra do Iraque".
Moscou, segundo Schurster, não deve cessar-fogo até ter suas condições aceitas. No entanto, diz que a Rússia também precisa levar em conta as questões diplomáticas com o Ocidente, principalmente com a União Européia, único bloco que pode isolá-la economicamente. "Mas Medvedev e Putin não vão aceitar 'capacetes azuis' da Otan rondando suas fronteiras", diz Francisco de Carvalho, que credita a dimensão do contra-ataque russo a uma estratégia própria de proteção do seu território.
A questão territorial e a desarticulação de Estado-Nação são os pontos cruciais do embate atual entre Geórgia e Rússia, na opinião de Schurster. Em recente artigo sobre o conflito publicado no site do Laboratório de Estudos do Tempo Presente (http://www.tempopresente.org), o pesquisador assinala que "desde o fim do século XX assistimos à tentativa de desarticular o Estado-Nação como um gerente ou guia da sociedade". Para o mestre em História Social, a Ossétia do Sul é o exemplo atual dessa nova agenda global.
Redação Terra
O conflito entre a Geórgia e a região separatista da Ossétia do Sul foi muito mais do que uma demonstração da força militar e política que a Rússia procura manter na região do Cáucaso. Segundo especialistas ouvidos pelo Terra, a invasão georgiana em território ossétio e a contra-ofensiva russa são indícios da irreversível autonomia da Ossétia do Sul e trazem à tona uma guerra de informações liderada por fontes ocidentais, representada pela mídia dos Estados Unidos, digna dos tempos de Guerra Fria.
Para o professor e coordenador do curso de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Paulo Afonso Francisco de Carvalho, as informações que chegaram do conflito mostravam sempre o drama georgiano diante das ações militares da Rússia. Ele chama a atenção para a invasão da Geórgia na Ossétia do Sul, cujas conseqüências foram pouco repercutidas pela imprensa mundial. "Quando suas tropas rumaram a Tskhinvali, capital da Ossétia do Sul, a Geórgia rompeu com um tratado de paz que ela mesma tinha assinado em 1994", afirmou.
Francisco de Carvalho, que diz acompanhar o conflito assistindo a canais de TV americanos e europeus, mas também russos, diz que, ao chegar à Ossétia, a Geórgia trocou a programação de TVs da Rússia por americanas e cortou o acesso à Internet. "Foi uma tragédia, o exército da Geórgia matou 2 mil pessoas, há vídeos de pessoas sendo abatidas como animais", contou. Para o especialista, isso justificaria o contra-ataque russo, que expulsou as tropas georgianas da Ossétia do Sul e ainda ocupou algumas cidades em território georgiano.
Limpeza étnica
"A Rússia não poderia de forma alguma ficar quieta diante de uma situação dessas. Ela respondeu para defender seus cidadãos. A Geórgia tinha a idéia de em três dias chegar até a fronteira com a Rússia, mas a resposta de Moscou foi rápida e violenta", acrescentou. Francisco de Carvalho, no entanto, refuta a acusação do presidente georgiano, Mikhail Saakashvili, de que os russos estariam fazendo uma limpeza étnica. "Aconteceu justamente o contrário. A Geórgia quer expulsar os ossétios do sul para o norte".
O especialista diz que a operação de invasão georgiana na Ossétia do Sul se chamou "campo limpo". Segundo ele, é um claro indício da volta da política "Geórgia para os georgianos", aplicada pelas primeiras administrações do país após o colapso da União Soviética. O pesquisador Karl Schurster, do Laboratório de Estudos do Tempo Presente, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também não vê fundamento na acusação de Saakashvili, mas pondera em relação à atitude georgiana.
"É uma questão complicada. Quando a guerra começa, você precisa fazê-la ter sentido para a sua população, é preciso encontrar motivos para conseguir a ajuda do povo. Acredito que a posição de Saakashvili foi uma tentativa do governo georgiano de obter o aval da sociedade", explica. Para Schurster, a Rússia não está preocupada com limpeza étnica, e sim com o fortalecimento da sua federação. "É muito fácil para a Geórgia evocar o passado - já que a Rússia já fez limpezas étnicas - e trazê-lo à tona no presente".
Autonomia da Ossétia
Na última sexta-feira, o presidente da Rússia, Dmitry Medvedev, disse que, depois dos enfrentamentos dos últimos dias, as regiões separatistas da Ossétia do Sul e da Abkházia provavelmente não vão querer continuar a fazer parte do Estado georgiano. Na opinião de ambos os pesquisadores, o atual conflito no Cáucaso vai acelerar e tornar irreversível o processo de autonomia da Ossétia do Sul. "Será muito difícil que a Ossétia continue com a Geórgia, pois o país já nem se considera pertencente à Geórgia", analisa Schurster.
Francisco de Carvalho concorda, mas acredita que nenhum país da ONU vá reconhecer a Ossétia do Sul como uma nação. "Na prática, a fronteira vai ficar aberta para a Rússia", acredita o pesquisador. Schurster observa que o referendo realizado na Ossétia do Sul em 2006, no qual 99% da população concordaram com a separação da Geórgia, pode ajudar a região separatista a conseguir sua autonomia junto à comunidade internacional. O que fica claro agora, segundo ambos, é a medição de forças entre a Rússia e os Estados Unidos.
Como na Guerra Fria
Ao invadir a Ossétia do Sul, a Geórgia esperava o aval e o possível apoio dos Estados Unidos. O máximo que conseguiu foram dois aviões de ajuda humanitária e um aliado no embate diplomático travado pelas potências para que a paz retorne ao Cáucaso. O contra-ataque russo mostrou que o país comandando pelo presidente Dmitry Medvedev e pelo primeiro-ministro Vladimir Putin quer retomar a influência que tinha antes do colapso da URSS. Do outro lado estão os Estados Unidos, que têm como aliados algumas ex-repúblicas soviéticas, como a própria Geórgia.
"O atual conflito está diretamente ligado com a independência do Kosovo, quando a Rússia perdeu a soberania que tinha sobre este Estado", compara Schurster. Para ele, a contra-ofensiva é uma forma de mostrar que ela ainda mantém a soberania na região, e que, recuperada da crise econômica da década de 1990, vai buscar recuperar a influência que tinha durante o império soviético. "Os Estados Unidos, por sua vez, saíram em defesa da Geórgia não tanto pela região, mas sim para não perder um parceiro na Guerra do Iraque".
Moscou, segundo Schurster, não deve cessar-fogo até ter suas condições aceitas. No entanto, diz que a Rússia também precisa levar em conta as questões diplomáticas com o Ocidente, principalmente com a União Européia, único bloco que pode isolá-la economicamente. "Mas Medvedev e Putin não vão aceitar 'capacetes azuis' da Otan rondando suas fronteiras", diz Francisco de Carvalho, que credita a dimensão do contra-ataque russo a uma estratégia própria de proteção do seu território.
A questão territorial e a desarticulação de Estado-Nação são os pontos cruciais do embate atual entre Geórgia e Rússia, na opinião de Schurster. Em recente artigo sobre o conflito publicado no site do Laboratório de Estudos do Tempo Presente (http://www.tempopresente.org), o pesquisador assinala que "desde o fim do século XX assistimos à tentativa de desarticular o Estado-Nação como um gerente ou guia da sociedade". Para o mestre em História Social, a Ossétia do Sul é o exemplo atual dessa nova agenda global.
Redação Terra